“Obrigado Marcelo Caetano” na estreia de a “Forja” em Lisboa
Vasco Morgado foi obrigado a fazer cedências à censura para conseguir encenar peça de Alves Redol
Celebrando Alves Redol no centenário do seu nascimento Miguel Falcão recordou uma noite memorável em que Vasco Morgado teve que ceder às admoestações da censura e ficou mal visto na fotografia. Na altura todos pensaram que Vasco Morgado estava feito com o regime. A verdade é que nos arquivos da Pide foi possível confirmar que Vasco Morgado mostrou resistência mas foi de tal forma censurado que se viu obrigado a ceder para poder representar a peça. Vinte anos depois de ter sido publicada e menos de uma semana depois da morte do escritor ribatejano.
As obras de teatro inéditas de Alves Redol vão ser publicadas pela INCM (Imprensa Nacional Casa da Moeda) num futuro próximo. Quem o anunciou foi Miguel Falcão, estudioso da obra do escritor e participante no colóquio que reuniu meia centena de pessoas na Biblioteca Municipal de Vila Franca de Xira, no sábado, dia 16 de Abril. Miguel Falcão anunciou ainda que as obras inéditas são muito mais do que as publicadas e que mesmo assim ficam por divulgar algumas peças que o escritor não considerou ter mérito suficiente para publicação.A sessão serviu para Miguel Falcão explicar alguns acontecimentos que fizeram história no tempo do Governo de Marcelo Caetano quando Vasco Morgado encenou e levou ao palco a peça “Forja”, da autoria de Alves Redol. O acesso aos arquivos da Pide permitem confirmar que Vasco Morgado foi pressionado, ameaçado e depois censurado pelos agentes da Pide que supervisionavam os espectáculos e que, devido a essas pressões, teve que realizar a estreia da peça com cedências que na altura foram apontadas como desrespeitosas para com a memória do escritor de Vila Franca de Xira, que acabou por morrer poucos dias antes da estreia da peça.O episódio dessa noite tem várias versões. A única que coincide em todos os testemunhos é a de que Vasco Morgado, ao colocar no texto do programa do espectáculo “Obrigado Marcelo Caetano”, estava a dar conta da abertura do regime para a representação de peças de teatro que estavam proibidas, e a tentar assim abrir caminho para outros escritores como Bernardo Santareno, Romeu Correia e Luís Francisco Rebelo, entre muitos outros.Recorde-se que a “Forja”, peça de teatro mais famosa de Alves Redol, foi encenada várias vezes mas a censura na hora da estreia acabava sempre por impedir a sua representação. Redol dizia que a “Forja” era um dos momentos mais felizes da sua vida de escritor.Vasco Morgado era grande amigo de Redol e foi o primeiro a levar a peça à cena mas não conseguiu iludir a censura. Redol escreveu a peça “O Menino de Olhos Verdes” propositadamente para a mulher de Vasco Morgado, Laura Alves, representar.Na assistência uma professora recordou que as obras de Alves Redol não são obrigatórias no ensino e apelou à mesa para que tudo fizesse para mobilizar as forças vivas do concelho e os professores para intervirem junto da Comissão Nacional de Educação de forma a trazer Redol de volta ao ensino oficial do país que ele tão bem soube retratar nas suas obras literárias.António Redol, o filho, que é um dos dinamizadores das comemorações do centenário do escritor, que decorre até final do ano, recordou a obra do pai e confirmou o carácter biográfico de muitas das suas obras nomeadamente “Marés”, que retrata a vida desse tempo em Vila Franca de Xira e “Fanga” passada nos campos da Golegã, terra onde se conheceram e casaram os seus avós. António Redol recordou que é na Golegã que ainda vivem alguns descendentes e não em Vila Franca de Xira de onde já desapareceram para outras paragens. Mas é em Vila Franca que o escritor está presente em todas as ruas, em todas as casas, no coração de uma grande parte dos vilafranquenses que com a comemoração do centenário prestam um serviço ao país e à cultura portuguesa.ComentárioA juventude tem mais que fazer Vila Franca de Xira está de parabéns por ter sido considerado um dos concelhos mais jovens da região de Lisboa e Vale do Tejo. Embora as estatísticas valham pouco para casos como este a notícia deve deixar satisfeitos os dirigentes políticos e associativos do concelho assim como os agentes económicos.Um concelho com identidade, slogan usado para caracterizar o concelho, nunca veio tão a propósito. Ninguém melhor do que a juventude para dar identidade a uma terra.Nos locais públicos do concelho é possível ver publicidade ao centenário do nascimento de Alves Redol que se comemora este ano. Para um concelho tão jovem não seria de admirar que a câmara municipal e a junta de freguesia editassem as obras mais significativas de Redol que fazem a ligação do escritor com a sua terra e as oferecessem aos alunos das escolas do concelho.Os colóquios, as conferências e as visitas guiadas são iniciativas muito meritórias mas como todos sabemos muitas vezes gastam-se fortunas para realizações que dão currículo aos oradores, dão trabalhos aos directores e apenas mobilizam meia dúzia de apaixonados. Uma boa parte desse investimento se fosse gasto na edição de livros e na divulgação de textos e filmes seria muito mais meritório e democrático e mostrava que estamos atentos aos novos tempos e às novas formas de comunicação. Nestes tempos de modernidade é preciso saber trabalhar para uma juventude que já não vai em cantigas de oradores estimados que passam duas horas a falar para o seu próprio umbigo. A juventude tem mais que fazer. E os livros fazem falta nas escolas. JAE
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