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A escritora de Vila Franca que vive para a sua obra

A escritora de Vila Franca que vive para a sua obra

Ana Cristina Silva divide-se entre o trabalho de professora no ISPA e os livros

Não vive em reclusão completa mas quase. Fez uma opção de vida: escrever. Ana Cristina Silva, a escritora de Vila Franca de Xira que assumiu destaque com a publicação de três romances históricos, é também professora do ISPA. Abdica de ir de férias e diz com graça que para ver uma pessoa costuma ir almoçar a casa da mãe. Não é adepta da tauromaquia e foge às questões da política no concelho. Vive concentrada na obra e para a obra.

As férias não existem no calendário de Ana Cristina Silva. A escritora não visita há dois anos a amiga que tem em São João do Estoril e para ter alguém com quem falar costuma ir almoçar a casa da mãe em Vila Franca de Xira, cidade onde também reside. É assim a vida de quase reclusão de uma professora do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA) que traçou um destino para si mesma: escrever. Talvez por isso não seja um rosto muito conhecido na cidade. Não é adepta da tauromaquia e aponta o Museu do Neo-Realismo como uma das obras mais interessantes que projectou a cidade culturalmente. “Tenho muita pena de não frequentar mais as sessões organizadas no museu mas fiz uma opção pela escrita”. Quando questionada sobre a vida política no concelho de Vila Franca de Xira a escritora é directa: “Não sigo rigorosamente nada a vida política”. Ana Cristina Silva vive concentrada na obra e para a obra.Não pertence ao círculo mediático, mas é um nome que já não escapa a muitos leitores do romance histórico. Tem 46 anos e sete livros publicados, embora os mais conhecidos sejam os últimos três – “As Fogueiras da Inquisição” (2008), “A Dama Negra da Ilha dos Escravos” (2009) e “Crónica do Rei-Poeta Al-Mu’ Tamid” (2010). Nos três primeiros dias da semana Ana Cristina Silva está concentrada no trabalho de docência e de investigadora na área da aprendizagem da leitura e da escrita no ISPA. À quinta-feira descansa e prepara o trabalho da próxima semana. A verdadeira maratona da escrita começa à sexta e prolonga-se pelo fim-de-semana. “Não consigo ir a lado nenhum e temo que depois as pessoas levem a mal”, calcula. Contacta pelo telefone com a amiga que tem em São João do Estoril. Também já não se lembra de ir ao cinema. É uma escritora que vive para a sua obra e assume-o sem qualquer pudor. “Costumo ir almoçar a casa da minha mãe para conseguir ver uma pessoa”, confessa. Em tempo de férias, como acontece agora, permanece em casa para escrever. “Faz-me muita falta a continuidade na escrita que não consigo ter por causa do trabalho e por isso aproveito sempre as férias para ganhar esse ritmo”. Se por um lado o trabalho quebra a produção na escrita, por outro dá à autora uma grande liberdade já que não está dependente das vendas dos livros. Não sente necessidade de vender 50 exemplares, bastam cinco, embora na página do Facebook tenha confessado que “é uma escritora à procura de leitores quando esse encontro deveria ser espontâneo”. O que quer, na verdade, é ser lida. “Todos sabemos que além da qualidade é preciso ter uma grande máquina de marketing por detrás”. O primeiro livro, “Mariana, Todas as Cartas”, chegou às livrarias em 2002, com a chancela da extinta Gótica. Tinha acabado o doutoramento e uma relação de quatro anos quando resolveu escrever um livro. Foi o livro mais fácil de escrever e o que mais a apaixonou. Hoje já não escreve assim, demora um ano a preparar cada obra. O trabalho de revisão é o que ocupa mais tempo. Nos dias produtivos consegue escrever duas páginas. Neste momento já anda a trabalhar na revisão de dois livros. O próximo que espera editar ainda este ano tem como título “As Cartas Vermelhas”, centrado em Carolina Loff, a mulher que entrou para o partido comunista no final dos anos 20. Na manga está também “A segunda morte de Ana Karenina”, um livro sobre homossexualidade, teatro e adultério que decorre durante a primeira guerra mundial. “Preciso de estar sempre entretida com a escrita de um livro”, conclui. A menina que cresceu a lerA escritora Ana Cristina Silva nasceu em Lisboa, na Maternidade Alfredo da Costa, mas cresceu em Vila Franca de Xira. Morou durante muito tempo ao lado do Hospital de Reynaldo dos Santos. Sempre que ia à biblioteca municipal, duas a três vezes por dia, tinha a mãe a vigiá-la na janela. Das colecções infanto-juvenis passou, aos nove anos, para os policiais e quando deu por si, aos 12, já consumia os clássicos da literatura portuguesa. Foi uma adolescente atípica. Não pensava duas vezes antes de abrir um livro quando estava sentada entre amigos, sempre mais velhos, num café e a conversa não a interessava. Nos primeiros textos lembra-se de criar personagens para relatar as experiências autobiográficas. Esses primeiros textos nunca serão publicados. Mesmo sendo menina dos livros arriscou a entrada no grupo de teatro Cegada que estava a dar os primeiros passos. O criador, Ildefonso Valério, era um intelectual que exerceu uma grande influência na escritora, proporcionando-lhe o acesso a novos autores. O talento para a representação não era muito e Ana Cristina Silva lembra-se de ensaiar no palco e ir a correr sentar-se nos bastidores para continuar a ler. Nas vésperas do exame a matemática do 12º ano preferiu ler “O Memorial do Convento”, de José Saramago, em vez de estudar. Escolheu seguir psicologia não sabe ainda muito bem por que razão mas gosta muito do que faz. Depois de dar aulas na Escola Secundária de Alenquer, tirou o mestrado no Instituto Superior de Psicologia Aplicada, em Lisboa, onde permanece como professora há 19 anos. Dos escritores actuais que mais a entusiasmam destaca J. M. Coetzee, Cormac McCarthy, Paul Auster ou Philip Roth. Entre os portugueses escolhe sem hesitar José Saramago. Os escritores Álvaro Guerra e Alves Redol entraram na sua formação, mas o estilo de literatura não a influenciou. Vive na Urbanização do Bolhão, perto da Escola Secundária Alves Redol, e tem o computador em frente a uma janela com vista sobre o Rio Tejo. Vila Franca de Xira não é, na sua opinião, uma terra “linda de morrer”, mas foi onde sempre viveu e tem alguns familiares. O preço das casas e a rapidez com que chega de comboio à estação de Santa Apolónia, perto das instalações do ISPA, levaram-na a escolher a cidade para viver.
A escritora de Vila Franca que vive para a sua obra

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