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Martinho Pedro

Martinho Pedro

54 anos, gerente da empresa Martinho Auto, Santarém

Aos treze anos quis ser mecânico mas só havia vaga para pintor de automóveis. Ficou e tomou-lhe o gosto. Hoje, aos 54 anos, é gerente da sua própria oficina na Zona Industrial de Santarém. Quando não está no trabalho, entretém-se com a criação que tem no casal em Jardim de Cima, Santarém, e gosta de ir à caça.

Até aos sete anos mal sabia o que era um carro porque raramente via um. Em Fontes, concelho de Abrantes, aldeia onde nasci, havia pinhais e pouco mais. Havia semanas em que só passava por lá um carro, quando passava. Mas tive uma infância normal, não tenho recordações tristes. Somos dez irmãos e ainda hoje estamos todos bem. Apenas com a quarta classe para onde é que eu ia trabalhar? Acabei por ir pedir trabalho a uma oficina. Tinha a ideia de tentar a mecânica mas não havia vaga. Comecei por pintar automóveis e acabei por gostar. Tinha que gostar de alguma coisa. Hoje em dia já não o posso fazer porque tenho problemas respiratórios e de pele. Antigamente não havia protecções para nada, nem grandes cuidados. Agora é que já há medicina do trabalho, higiene e segurança e essas coisas todas.Um dos males deste país é as pessoas começarem a trabalhar tarde. Eu comecei a trabalhar aos treze anos. Isso agora era impossível, era considerado exploração. Há muitos miúdos que não dão para estudar, ou porque não têm cabeça para isso, ou porque os pais não podem, por diversas razões. Mas também não podem trabalhar. Acabam por enveredar por maus caminhos porque não têm nada que fazer. Ninguém os incentiva. Se vierem para uma oficina, isto acaba por ser uma escola. Há profissões que correm o risco de acabar por isso mesmo. Uma profissão tem que se começar a aprender desde novo. Perdemos muito tempo a ensinar estagiários e a maioria não se interessa por nada. Já tive aqui estagiários que se portavam bem mas a maioria falta muitas vezes, chega tarde... Um jovem, hoje, aos dezoito anos, ainda não sabe quase nada mas já quer ter um ordenado como deve ser.Não vou a discotecas porque o barulho é ensurdecedor e para barulho já me basta o da oficina. Tenho uma filha com quinze anos que nunca foi sozinha a uma discoteca. Ainda é muito nova e tem tempo para isso. A maior dificuldade que tenho com ela é fazê-la desligar o computador e o telemóvel. Se não está agarrada a um, está agarrada a outro.Gosto de tudo o que é bom mas o pior é que geralmente faz mal. Sou um bom garfo e gosto de cozinhar. Faço os meus petiscos às vezes. Umas amêijoas à Bulhão Pato, uma caldeirada, uma peça de caça... Não sou muito adepto do chamado “fast-food” mas se for com a minha filha também como um hamburger ou uma fatia ou duas de pizza. E sabe-me bem.Nunca passei mais de uma semana fora da oficina. Começo o meu dia pelas sete da manhã, deixo a minha filha no liceu e venho para a oficina. Normalmente não saio daqui antes das oito da noite. Por isso é que é importante gostar do que se faz e ter boas condições. Passo mais tempo aqui do que em casa, mas aos fins-de-semana aproveito para passear. Tenho uma rulote e um barquinho em Setúbal já há uns anos e damos lá uns passeios em família. Dá para descansar. Eu gosto mais de campo, a minha esposa e a minha filha gostam mais de praia. Lá temos as duas coisas, por isso é muito bom. Não gostava de ver a oficina morrer. Incentivo a minha filha a estudar para ter boas notas e conseguir entrar no curso que quer. Acho que ela quer seguir Turismo mas se não conseguir, tem de certeza trabalho aqui na oficina. Gostava que o negócio tivesse continuidade mas se não der, paciência.O exercício físico que faço são as caminhadas quando vou à caça. Não pratico desporto nenhum em especial. Só o verde do campo e o convívio já me fazem bem. Não tenho vagar para mais. Gostava de participar em ralis quando era novo, mas nunca levei muito a sério. Como não tinha pai rico que me pagasse o arranjo dos carros quando os estragava, tive que me deixar disso. Hoje, com a idade, se vir um buraco, desvio-me, mas ainda gosto de acelerar.Tenho medo de ter que despedir alguém. As pessoas têm cada vez menos poder de compra e o negócio ressente-se. As pessoas investem menos em carros e se não há carros na estrada há menos revisões, menos manutenção, etc. O que mais gostava era de ver a oficina sempre cheia, estar sempre ocupado. Liliana Martins
Martinho Pedro

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