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A pintora que deixou o desenho depois de uma má nota

A pintora que deixou o desenho depois de uma má nota

Manuela Nogueira recomeçou a pintar depois da reforma

Uma má nota a desenho geométrico levou Manuela Nogueira a adormecer a paixão pela pintura. Redescobriu o prazer de pintar a partir dos 55. Aos 74 anos continua a tirar cursos de pintura e tem mais de 100 quadros em casa.

Manuela Nogueira, 74 anos, marca encontro no Carregado, concelho de Alenquer, onde reside. O tom de voz fresco jamais deixaria antever a idade. Marcar a entrevista não foi fácil porque, apesar da reforma, a pintora tem uma vida preenchida entre aulas de pintura, francês e inglês na Universidade da Terceira idade de Alenquer, jardinagem e o apoio que dá às netas. Um tigre, uma mãe que alimenta o filho e as paisagens africanas, de cores quentes, são obras da pintora que saltam logo à vista. “Só estive em Cabo Verde mas gosto muito de África não sei muito bem explicar porquê”, revela.É natural da Vala do Carregado e foi professora do ensino básico durante 36 anos, no concelho de Alenquer e Vila Franca de Xira. Estudou na Vala até à terceira classe e foi depois fazer o quarto ano no Carregado. Prosseguiu os estudos em Vila Franca de Xira, no Colégio Santa Isabel, onde tirou ao mesmo tempo o curso comercial e liceal. “Era uma aluna brilhante a letras e ciências”, recorda com saudosismo. Nesta altura já desenhava por tudo o que era sítio, especialmente com carvão nos cimentos lisos. “Sempre tive uma predilecção enorme por ratos, estava sempre a desenhá-los, o que até provocava o riso da minha mãe”, recorda. Um dia teve um desgosto. Uma má nota na disciplina de desenho geométrico levou-a quase a perder o 5º ano. “Fiz uma série de asneiras num exame de desenho geométrico, o que me desceu a média da secção de ciências do liceu. Por pouco reprovava”, conta Manuela Nogueira, atestando que foi a pior nota que teve em toda a sua vida. O desaire foi tão grande que se fechou por completo ao desenho. Depois de tirar o bacharelato em ensino primário, Manuela Nogueira casou-se e foi morar para o Bom Retiro, em Vila Franca de Xira, onde esteve 22 anos. “Mesmo gostando muito de pintura não conseguia conciliar a actividade com o ser esposa, mãe e profissional”, explica. Só quando chegou à reforma, aos 55 anos, é que decidiu que também tinha direito a pensar em si. Lembrava-se dos ratinhos e das paisagens que desenhava em miúda e voltou a meter mãos à obra. Verificou que existia uma grande discrepância entre aquilo que desenhava e pintava e os quadros que via nas exposições, o que a levou à procura de ajuda. Depois de tirar alguns cursos com a professora Maria do Carmo Leal, João Mário e Jorge Alexandre não mais parou de adquirir e renovar os conhecimentos até hoje. Quase 20 anos depois a pintora soma mais de 100 quadros na colecção privada. Tem um ateliê em casa, mas raramente lá pinta porque precisa de um ambiente propício para dedicar-se à arte. “Se estou a desenhar e começo a pensar que tenho de ir ver a panela que está ao lume porque a água está a ferver já não consigo concentrar-me”, desvenda. Por isso sai e costuma ir para Lisboa, onde tem aulas com uma professora de pintura a óleo e acrílico ou vai para o Centro de Bem Estar Infantil de Vila Franca de Xira (CBEI) ter aulas de retrato com a professora Hermínia Mesquita. É nestes espaços, onde só se fala de pintura, com telas, bisnagas, pincéis, espátulas e papéis para limpar as mãos à mistura, que Manuela Nogueira se sente bem. A sua grande paixão é o óleo sobre a tela mas ultimamente anda mais virada para o retrato, utilizando o pastel de óleo. Dos seus motivos principais destacam-se os animais, a arte sacra, em especial os santos, e as paisagens. “Tenho alguma dificuldade em pintar por exemplo casas degradadas porque me provoca alguma tristeza. Talvez seja uma pessoa sensível”, revela a artista. Os quadros como espelho da almaOs quadros são o espelho da alma da artista. Tudo o que é “belo” inspira Manuela Nogueira. Tem uma preocupação grande pelo movimento porque não gosta da monotonia. Mostra a parede de uma casa, pintada em vários tons de castanho, para dar vida ao quadro. Numa paisagem de Arruda dos Vinhos aponta para a árvore que ali colocou propositadamente. “Sou pintora, não sou fotógrafa, e sempre que preciso de acrescentar alguns elementos às imagens em que me baseio faço-o sem qualquer problema”, reconhece. Bois bebem água num quadro inspirado na Lezíria. O fado é evocado numa pintura com um xaile, guitarra, um cortinado e uma cadeira com rosas. A água é um elemento muito presente nos seus trabalhos. “Sou capaz de sair de casa para ver água, fico completamente absorta, embora não consiga também lá ficar muito tempo. Nasci na Vala junto ao Rio Grande da Pipa. Não sei se isso terá alguma influência”, reconhece. O mestre RenoirPaul Cézanne e Picasso, especialmente na parte final do percurso, são os pintores que Manuela Nogueira mais gosta mas o eleito dos eleitos é mesmo Renoir. “Numa das viagens que fiz com o meu marido ao Rio de Janeiro, no Brasil, ele foi visitar a favela da Rocinha e eu fui num táxi ver uma exposição de Renoir. O famoso quadro das meninas ou os nenúfares estavam lá e deixaram-me completamente preenchida”, revela a artista que gosta imenso das cores e temas do pintor francês. Dos portugueses destaca os pintores João Mário e Rui Pinheiro.
A pintora que deixou o desenho depois de uma má nota

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