Actual hospital de Vila Franca deveria acolher “doentes sociais” depois da construção do novo
Novo director das urgências, António Godinho, diz que estrutura está “em ruptura”
O médico António Godinho é desde Março director das urgências do Hospital de Reynaldo dos Santos, em Vila Franca de Xira. Em entrevista a O MIRANTE fala de um serviço que está “em ruptura”, dos médicos que adormecem no trabalho, de um novo hospital que não vai resolver todos os problemas e de uma parceria público-privada que considera positiva. Defende um maior investimento nos centros de saúde e não está contra a importação de médicos “desde que tenham qualidade”. Defende que o actual hospital poderá funcionar como unidade de rectaguarda depois da construção da nova unidade. É deputado na Assembleia Municipal de Azambuja e diz que a gestão de Joaquim Ramos tem sido “uma desgraça”. Sobre Vila Franca de Xira arrisca dizer que Rui Rei será “o candidato natural” a suceder à socialista Maria da Luz Rosinha.
O novo hospital de Vila Franca de Xira é uma estrutura que faz mesmo falta?Em determinada altura tive algumas dúvidas, atendendo aos custos financeiros que isso implicaria num país como o nosso e face à situação em que nos encontrávamos. Mudei de opinião. O actual hospital custa anualmente ao Orçamento de Estado perto de 45 milhões de euros. A construção do novo hospital, mais a manutenção, vai custar nos primeiros 10 anos cerca de 50 milhões de euros. Se é esta a diferença faz todo o sentido ter um hospital novo porque este já não serve. A urgência está em ruptura, tal como o bloco operatório. Os acessos estão mais facilitados mas não estão completamente resolvidos. E mais: em Vila Franca precisamos muito de um hospital de retaguarda. Esta unidade pode ser isso mesmo e resolver muitos dos problemas que hoje temos, por exemplo, de doentes sociais, que estão no hospital muito tempo porque não têm sítio para onde ir.Vai resolver todos os problemas?Não, claro que não, mas vai permitir melhorar muito alguns aspectos. Vai resolver o problema da falta de espaço que hoje sentimos e terá melhores acessos. As pessoas vão queixar-se de que é complicado ir para o novo hospital mas isso é à boa maneira portuguesa. A parceria público-privada é bom modelo de gestão?Eu sempre disse para me darem ou um hospital público ou um privado. Aquele misto de Entidade Pública Empresarial (EPE), que não se sabe bem o que é e que tem o defeito das estruturas do Estado com os defeitos dos privados, é a pior solução. Prefiro trabalhar com uma entidade privada que sabe o que quer do que com uma estrutura nebulosa em que a motivação da gestão para alcançar determinados resultados é muito limitada. O que podemos esperar desta futura gestão?Vamos ter um gestor à frente do hospital mas depois teremos um director clínico e um enfermeiro director. Teremos estruturas clínicas na administração. Os gestores privados sabem que os profissionais só trabalham e participam se estiverem motivados. Tenho tido a percepção de que eles percebem isso e sabem que a expectativa neste novo hospital é muito forte em relação à vinda de uma nova administração porque as coisas estão muito difíceis. O facto de ser um grupo com experiência em hospitais pode ser uma mais valia. Um gestor não será menos humanista do que um médico na tomada de decisões?Nós temos de olhar para o dinheiro, ele não é infinito como já percebemos, por isso acho que com aquilo que nós gastamos na saúde se pode fazer muito melhor sem gastar mais. E não é a cortar nos medicamentos e na sua comparticipação que se resolve os problemas. Nesse aspecto um gestor privado terá de ser chamado à atenção para várias questões mas não me parece que seja um entrave a que se façam as coisas com qualidade.Como se podem resolver os problemas da saúde que hoje se vivem na região?A saúde em Portugal precisa de ser reorganizada. Acho que temos de investir mais nos centros de saúde e criar condições para que sejam o ponto de referência das pessoas. A entrada nos hospitais só deveria fazer-se por referenciação. Poderia ser o INEM, a linha Saúde 24 ou um médico particular a aconselhar. Não tenho limitação sobre isso. O sistema que nós temos, com os doentes a vir ao hospital de forma aberta é contraproducente, caro, esbanjador de meios e não promove a qualidade da saúde. Nos países mais evoluídos do mundo é nos centros de saúde que se investe, na saúde primária, nos médicos de medicina geral e familiar. Não temos de ter um centro de saúde à porta de casa. Mas a definição das áreas de influência dos centros de saúde deve ser planeada em função das áreas que servem e não necessariamente dos concelhos. Como pode isso ser feito em centros de saúde onde, como em Benavente, os médicos adormecem durante as consultas?Esse é um problema que existe também aqui. Temos queixas de pessoas que entram no serviço à noite e encontram o médico a dormir. Nós não queremos isso mas temos de reconhecer que as coisas estão mal organizadas. Portugal não tem falta de médicos. O que falta é organização do sistema de saúde. Isso cria sobrecargas brutais. Tenho clínicos a entrarem às 14h30, que saíram às 08h30, e que depois ficam a trabalhar até às 23h00 ou até às 8h30 do dia seguinte. Os médicos saem daqui vão fazer consulta para o centro de saúde, voltam para aqui e depois ainda vão para outro hospital. Os doentes hoje vão ao centro de saúde, amanhã ao SAP, no dia seguinte ao hospital e no quarto dia voltam ao centro de saúde. A mesma pessoa, antes de dar tempo ao organismo para reagir à doença, anda a correr as capelinhas e a ocupar médicos. É óbvio que as pessoas a dada altura deixam de conseguir responder. Há limites para tudo. É óbvio que os médicos vão adormecer em Benavente, no hospital de Vila Franca e noutros hospitais e centros de saúde. Quais são os principais problemas das urgências?Principalmente a falta de espaço nas urgências e na retaguarda do internamento e a dificuldade na contratação de pessoal, nomeadamente médicos. Mas pior que isso é a falta de resposta dos centros de saúde que leva as pessoas a sobrecarregarem as urgências do hospital com situações que não são urgentes.Como vê a contratação de médicos estrangeiros?Não tenho nada contra a importação de médicos desde que tenham qualidade e estejam preparados. Sobre a qualidade não me posso pronunciar mas quanto à preparação é óbvio que estes médicos que vêm de fora não têm preparação para o que vão fazer. Não é por acaso que existe a especialidade de medicina geral e familiar. A classe dos médicos está pouco aberta a cedências?A formação dos médicos é virada para determinados objectivos: olhar para o doente e tratá-lo. Quando lhes começam a pedir um conjunto de coisas acessórias, como fazer trabalho administrativo ou que tenham preocupação com os custos do serviço, começam a reagir mal. A classe médica é extremamente corporativa e é uma classe onde é difícil aceitar a mudança. Todas as mudanças têm de ser bem explicadas. Hoje em dia os utentes estão a exigir-nos mais. Eu acho que isso é importante. O médico tem de perceber que não é um Deus acima de tudo e de todos. E nesse aspecto estamos a avançar. Mas vamos evitar cair no exagero. Eu tenho reclamações aqui no serviço que não têm pés nem cabeça e até dariam lugar a processos às pessoas que as escrevem por má-fé.Governação de Joaquim Ramos tem sido “uma desgraça”Como vê a liderança de Joaquim Ramos (PS) à frente da Câmara de Azambuja?A liderança de Joaquim Ramos tem três períodos. O primeiro mandato foi muito bom. O segundo foi mais difícil e o terceiro foi uma desgraça. Nota-se que Joaquim Ramos é uma pessoa que está doente, emagreceu muito, não tem a mesma vivacidade, falta-lhe imaginação e a equipa que ele tem com ele é a mais fraca de sempre em termos de vereação. Apesar da maioria ter aumentado a verdade é que tem sido uma decepção muito grande. A gestão do Joaquim Ramos é fraca, sem ideias, com excepção da vereadora Ana Maria Ferreira, que tem feito um excelente trabalho. Vereadora que já foi militante do PSD. Mudou de partido para ser vereadora?Não quero fazer esse tipo de avaliação. Acho que tem feito um bom trabalho no pelouro da educação e temos de ser justos. Luís de Sousa também chegou a ser presidente de junta pelo PSD e sobre ele já não se pode dizer o mesmo... O cano da EPAL foi uma derrota política?Sem dúvida. O Joaquim Ramos em alguns aspectos tentou aprender com Sócrates. Mudar o cano foi uma acção de propaganda que implicava obras extensas que obrigavam a uma intervenção desde a zona de Vale Fornos até Vila Nova da Rainha. Não era só chegar ali àquele espaço e meter o cano debaixo de terra. E a praça de toiros, por exemplo: o que dizer de uma obra que vai custar 600 mil euros a um país que não tem dinheiro para mandar cantar um cego? Faria sentido avançar com uma obra definitiva quando houvesse donativos dos privados. Estamos muito habituados a que o paizinho Estado e câmara façam tudo. Isso é errado. A praça de toiros, por muito valor que tenha no plano lúdico, não é uma prioridade para o Estado português nem para o concelho de Azambuja.Não há sucessor à altura de Joaquim Ramos?Claramente que não. De tal maneira que a dois anos de eleições não há ideia de quem poderá ser o sucessor.Maria da Luz Rosinha foi “uma lutadora” e Rui Rei será o “candidato natural” à câmaraComo analisa a gestão de Maria da Luz Rosinha (PS) em Vila Franca de Xira?Conheço mal a gestão autárquica do concelho. Há uma grande diferença entre a gestão de Vila Franca e a de Azambuja. A Rosinha tem aberto a porta a quem quer trabalhar, independentemente de ser da sua área política ou não.Por não ter maioria…Isso não é condenável. João de Carvalho é um sucessor à altura de Maria da Luz Rosinha?Correndo o risco de ser acusado de meter a foice em seara alheia eu diria que Rui Rei poderia ser um bom presidente de câmara. Conheço o seu trabalho. Não sei se o João de Carvalho terá experiência suficiente para esse efeito. A Rosinha a bem ou mal foi uma lutadora, andou anos e anos na câmara a batalhar para ser presidente. Em relação ao João talvez não se possa dizer a mesma coisa. Portanto diria que o candidato natural em Vila Franca é Rui Rei.O médico motard António Godinho nasceu em Lisboa, na freguesia de Alcântara, em 1957. A família da mãe tem origens em Tomar e por isso passou parte da infância na cidade templária. Iniciou a carreira em Abrantes. Depois voltou a Lisboa para exercer clínica geral durante dez anos e regressou à carreira hospitalar. Especializou-se em ortopedia. Começou a especialidade em Leiria mas a mulher não se adaptou ao clima. Acabou na Azambuja, onde esteve durante 20 anos. Actualmente, por questões financeiras, vive em São João da Talha. Diz que nunca se sentiu motivado para viver em Vila Franca de Xira. Tem dois filhos, uma rapariga com 24 anos que está a concluir um mestrado em psicologia educacional e um rapaz de 22 anos que está a estudar desporto em Rio Maior. Tem uma paixão por carros antigos e especialmente por motas. É um motard assumido que não tem pejo em conduzir com chuva ou sol. Actualmente anda de carro mas apenas porque a mota – uma BMW – está na oficina em reparações. Lê poucos livros, muitas revistas – especialmente de ciência, motas e viagens – e confessa ser um grande espectador de televisão. A sua viagem de sonho era à Austrália e Nova Zelândia mas tem o desejo de percorrer de mota a Route 66 nos Estados Unidos. É um aficionado mas apenas da corrida à portuguesa. Defende a morte do toiro na arena. Ouve música portuguesa e clássicos dos anos 70 e 80. Gosta de tecnologia mas não tem um iPad. Anda sempre com um pequeno portátil. A sua cor favorita é o amarelo. Já foi convidado a sair de uma empresa por dizer sempre o que pensa mesmo quando isso não agrada a todos.É deputado pela Coligação Pelo Futuro da Nossa Terra (PSD/CDS-PP/MPT/PPM) na Assembleia Municipal de Azambuja. Diz que não quer ser presidente da Câmara de Azambuja mas confessa que gostava de ser presidente da assembleia municipal. Em 1974 filiou-se no PPD/PSD com o número 550. Foi atraído pelas pessoas, sobretudo por Francisco Sá Carneiro, Magalhães Mota e Pinto Balsemão. Foi dirigente nacional do partido e da JSD, esteve em conselhos nacionais e foi candidato a deputado. Sente que actualmente, ao nível nacional, a liderança de Passos Coelho não está a saber responder à altura de Sócrates. Antes de ser nomeado director das urgências foi assistente hospitalar de ortopedia do Reynaldo dos Santos e coordenador da sub-região de saúde de Lisboa no Ministério da Saúde.
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