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A verdade é uma invenção

Estou a ler um livro em tempo de férias que diz que os galgos morrem sempre do coração. E os que não morrem mas perdem as corridas importantes são mortos sem dó nem piedade.Ponho o livro de lado para ler uma mensagem de telemóvel que chegou a meio da noite enquanto procuro o sono. Mensagem simpática de agradecimento. Retribuo com um obrigado pelo gesto de agradecimento. Continuo a ler Cabrera Infante mas já não consigo deixar de pensar nos galgos de corrida que por não serem vencedores acabam mortos sem honra nem glória.A vida dos homens de hoje é um pouco assim; os que não vencem na vida rapidamente são trucidados quando não é o caso de terem que resignar para poderem sobreviver.A mensagem de agradecimento é única e faz-me pensar que já ninguém agradece nada a ninguém. O mais normal é as pessoas servirem-se umas das outras pagando apenas o preço de terem que morder a língua de vez em quando.Abro o email para desligar do mundo, finalmente, depois de um dia a viajar e reencontro-me com uma outra pessoa amiga que resolveu partilhar afectos a propósito de um gesto simples. Não lhe dei mais do que duas palavras elogiosas e em troca recebo uma carta de afectos que me volta a surpreender.Hoje estou à beira de um rio longe de casa mas ainda ontem percorri alguns quilómetros do rio Tejo num barco a motor com o Abel e o António. Viagem de reconhecimento desde a Ponte da Chamusca até quase à foz do Almonda, procurando na memória os lugares onde dantes havia salgueiros no meio do rio e aprendi a saltar para a água, e vivi muitas vezes a emoção de atravessar o Tejo para o outro lado sempre a pensar que me faltariam as forças nos braços para o regresso. Nunca faltaram porque eu também era dos que arriscava pouco. A maioria das vezes o Tejo atravessava-se a pé, ali junto ao Porto das Mulheres, e a viagem ao outro lado não passava de um gesto de valentia de miúdos que não tinham mais nada para provar diante da vida que não fossem as aventuras proibidas e perigosas.Nesse tempo éramos todos galgos de corrida e competíamos por nossa conta. Ganhávamos sempre o mesmo: experiência e algumas vivências que se tornavam em conquistas fabulosas.Volto ao início; como vivemos num tempo em que já ninguém sabe agradecer, e só temos inspiração quando é para dizer mal, resolvi registar as mensagens simpáticas e amigas que recebi da Maria e da Helena, Mas não acabo sem voltar ao Cabrera Infante. “Poderia estar aqui a escrever mentiras, bem sei, mas a verdade é uma invenção suficiente”. JAE

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