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Redescobrir a paixão pela pintura na fase madura da vida

Gertrudes Maria Aldeia aproveita o tempo livre para tirar cursos na área artística

A vocação que Gertrudes Maria Aldeia sentia em criança foi contrariada pela família por causa da má fama que os pintores tinham então. Depois de abandonar o Alentejo Natal, já instalada no Bom Sucesso, em Alverca, no concelho de Vila Franca de Xira, virou-se para a costura. Um acidente levou-a a uma reforma antecipada como auxiliar de acção educativa. Aproveitou a oportunidade para redescobrir uma velha paixão. Hoje dá aulas de pintura a óleo na Universidade Internacional para a Terceira Idade (UITI), em Lisboa, e tem uma exposição “A Arte entre o Real e o Imaginário”, no Centro Cultural do Bom Sucesso, que pode ser vista até ao dia 20 de Junho.

Era ainda uma miúda quando saía a correr da escola. Em vez de ir brincar com os amigos sentava-se em casa a pintar com lápis de cor. Tinha um grande interesse em desenhar objectos que encontrava em casa. “A minha mãe dizia-me para nunca me viciar na pintura porque os pintores tinham má fama. Não gostavam de trabalhar e não eram muito asseados”, conta a rir-se Gertrudes Maria Aldeia. A pintora nascida em Vila Nova de São Bento, concelho de Serpa, a viver desde 1960 no Bom Sucesso, Alverca, concelho de Vila Franca de Xira, cresceu num tempo em que se criavam as meninas para ser boas donas de casa. Mas o caminho que Gertrudes queria seguir já estava decidido. Nasceu quase a saber desenhar e pintar e dominou desde cedo a arte da costura. Aos 12 anos já confeccionava peças de roupa sozinha e dispensava os conselhos de uma prima do pai que era modista. “Mesmo hoje quando entro numa loja de tecidos fico logo entusiasmada”. Depois de se estabelecer no Bom Sucesso, o primeiro emprego que conseguiu arranjar foi nas Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, em Alverca. “Era uma rapariga muito recatada e mimada que tinha vindo do Alentejo. Encontrar aquele ambiente de trabalho cheio de homens foi um choque”, recorda a pintora que deixou rapidamente este emprego. Virou-se para aquilo que sabia fazer melhor que ninguém: a costura. O negócio corria bem e Gertrudes Aldeia resolveu abrir uma loja de roupa no Bom Sucesso, empregando mais cinco costureiras e concretizando um dos sonhos da sua vida. O azar bateu-lhe à porta no dia 7 de Outubro de 1978. Quatro assaltantes levaram todo o recheio da loja, destruindo por completo o negócio da costureira. Nesta altura já tinha enviuvado e com duas filhas para criar teve de agarrar um emprego que garantisse um salário mais seguro. Foi trabalhar como auxiliar de acção educativa na Escola Secundária Gago Coutinho, em Alverca. A pintura voltou a reaparecer de mansinho na vida da costureira. Nos anos 80 agarrou nas aguarelas das filhas. Lembra-se de pintar muitas rosas e mãos. “Sempre fui uma apaixonada por rosas, adorava ir ao campo e encontrar esta flor e depois também achava que tinha umas mãos bonitas”, confessa. O primeiro quadro de aguarela que emoldurou foi um ramo de papoilas que apanhou durante um intervalo na Escola Secundária Gago Coutinho. Os professores espreitavam os desenhos e incentivavam-na a continuar. Um mau momento voltou a reaparecer na vida da costureira. Um grave acidente de carro, em 1996, conduziu-a mais cedo à aposentação. Aproveitou a oportunidade para se dedicar a outras paixões: tirou um curso de estilismo, outro de psicologia e mais um de pintura. No curso de pintura a óleo da UITI (Universidade Internacional para a Terceira Idade) o mestre Alfredo Vieira reparou logo no talento da aluna. Seguiu-se outro curso de pintura em acrílico com o mestre Monteiro Alves e de aguarela com a professora Isabela. A convite do reitor entretanto falecido, Herberto de Miranda, começou a dar aulas de pintura a óleo no UITI. Além das aulas continua a tirar outros cursos na área artística. “O meu acidente não aconteceu por acaso. Tive sempre uma premonição que algo ainda se iria concretizar na área da pintura”, conclui.Uma exposição da sua autoria “A Arte entre o Real e o Imaginário”, no Centro Cultural do Bom Sucesso, que pode ser vista até ao dia 20 de Junho.Uma artista que não gosta de imitaçõesTodas as ideias para os quadros que Gertrudes Maria Aldeia pinta são “tiradas da cabeça”, como gosta de dizer. Não suporta réplicas de outros artistas e incentiva também as alunas a criar sempre algo novo. Entre os seus temas preferidos estão as naturezas mortas, as paisagens, as rosas, as bailarinas, as sevilhanas, os cavalos e o mar. Na exposição que está patente no Centro Cultural do Bom Sucesso, na freguesia de Alverca, concelho de Vila Franca de Xira, até ao dia 20 de Junho estão alguns quadros alusivos à tauromaquia. “Quis homenagear a Festa Brava. Não gosto de ver os toiros a ser massacrados por isso coloquei aquelas gotinhas de sangue”, explica. Todos os dias precisa de pintar pelo menos duas horas para se sentir realizada. Está sempre a trabalhar em vários quadros ao mesmo tempo. “Pensamos que temos um quadro pronto mas ao longo do tempo vamos reparando em determinados pormenores, o que nos leva a modificá-lo”. É numa casa que tem em Almada que gosta mais de pintar porque tem uma vista bonita, com gaivotas a passar perto da janela.Pertence à Associação dos Artistas de Setúbal “ARTISET” onde tem participado em diversas exposições colectivas. Está representada em livros de arte com antologias da sua obra: “Livro de Arte 2005”, “Livro de Ouro 2009” de Fernando Infante do Carmo, “Livro de Arte do Feminino: Quem é quem na Pintura Portuguesa do século XXI” e “O Figurativo nas Artes Plásticas em Portugal no século XXI”, de Afonso de Almeida Brandão. É admiradora de Claude Monet e entre os pintores portugueses destaca Malhoa.Um Deus chamado Leonardo Da VinciDesde muito pequena que a pintora Gertrudes Maria Aldeia imaginava como seria o rosto de Deus. Na cabeça guardou uma imagem que costumava associar quando pensava no assunto. Um dia descobriu esse mesmo rosto num livro e verificou com surpresa que se tratava de Leonardo Da Vinci. “Nunca cheguei a desenhar o rosto mas anda sempre comigo”, revela. Eduarda Sousa

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