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A família que trabalha quando os outros dormem

A família que trabalha quando os outros dormem

Gustavo Gaudêncio é padeiro em Ulme há 18 anos e mulher e filha ajudam-no

Começam a trabalhar quando todos se preparam para ir para a cama. Fazem o pão e vão distribuí-lo de porta em porta. Começam ainda o sol não nasceu. Deitam-se por volta das três da tarde para um meio-sono. Nem o cheiro a pão quente ou o chilrear dos pássaros lhes desperta sentimentos poéticos. Trabalho é trabalho e aquele não é macio como a massa a fermentar.

O silêncio que se faz sentir na rua contrasta com a azáfama que se vive no interior da padaria Gaudêncio, no centro de Ulme, concelho da Chamusca. São 03h20 da manhã e Gustavo Gaudêncio põe a cozer a última fornada. Dez minutos depois os papo-secos estão a ser retirados por dois funcionários, com a ajuda de pás compridas para dentro dos cestos. A esposa do padeiro, Teresa Gaudêncio, e a filha, Mónica, estão a postos e começam a levar o pão para a carrinha da distribuição.A família Gaudêncio vive com os horários trocados. Faz da noite dia e vice-versa. Foi por necessidade e por amor, pode dizer-se. Teresa diz que só trabalhando com o marido o podia ver e estar com ele. Casou aos 20 anos e começou logo a acompanhá-lo. Já lá vão 18 anos. “Se eu não viesse para a padaria nunca nos víamos. Foi uma opção difícil mas era a única que fazia sentido. Foi muito difícil habituar-me a dormir pouco porque sempre gostei muito de dormir mas teve que ser”, explica.Gustavo Gaudêncio tem 48 anos e é padeiro desde os 18. Gosta do que faz mas não o faz por paixão ou para sentir o cheiro a pão quente pela manhã. Não houve qualquer poesia nem chamamento interior. O pai era padeiro e quando este ficou sozinho Gustavo ficou a ajudá-lo. Mais tarde deu continuidade ao negócio e estabeleceu-se por conta própria em 1991. O dia de trabalho de Gustavo começa pelas dez da noite e termina por volta das três da tarde, altura em que vai dormir. Está habituado a dormir pouco. Ao domingo, dia de folga, fica acordado até mais tarde. Teresa sofre de uma espécie de “jet-leg”, aquela desorientação própria de quem atravessa muitos fusos horários numa viagem. “Costumo dizer que não devíamos ter um dia de descanso porque ando aqui ao domingo sem saber o que fazer com tanto tempo livre”, confessa com um sorriso.A produção de pão não é fácil e tem que cumprir os horários estabelecidos para a entrega não falhar. Uma batedeira gigante com rodas é deslocada até junto da arrecadação onde estão armazenadas as farinhas. Depois de despejada a quantidade necessária fica 20 minutos a amassar. A massa passa depois pela pesagem. O peso de cada pão varia entre os 45 gramas e os dois quilos. Na tendeira o pão ganha forma. O caseiro é feito manualmente enquanto o papo-seco e a carcaça pequena seguem para a enroladora e posteriormente para as passadeiras onde é feita a vincagem característica destes pães. Antes de irem ao forno passam ainda pela estufa onde ficam a levedar para a massa crescer.Gustavo Gaudêncio nunca produz menos de dez mil carcaças por dia. O valor varia consoante as encomendas. Umas são pontuais. A padaria possui cerca de duas centenas e meia de clientes fixos. Antes de partir para a distribuição porta-a-porta o padeiro toma banho e muda de roupa. Teresa Gaudêncio sai com ele. Durante a viagem aproveitam para conversar ou ouvir música que toca no rádio. Enquanto os pais distribuem o pão, Mónica fica na padaria a fazer as limpezas. Na própria rua onde fica a padaria, há sacos nas portas onde ficam as primeiras encomendas. A viagem segue por outras ruas de Ulme e pequenos lugares antes da carrinha chegar à freguesia vizinha do Semideiro. Não há tempo a perder. A entrega é feita em ritmo acelerado. Já o sol nasceu quando se cruzam com o primeiro carro. É na entrada da sede do concelho. Até essa altura o único ruído era o do chilrear dos pássaros.Gustavo e Teresa dividem o trabalho. Alguns clientes deixam o dinheiro dentro do saco onde é colocado o pão. Em frente às piscinas municipais João Lino aparece a recebê-los. Paga à semana e é o dia de acertar as contas. “Gosto do pão deles. É muito bom”, justifica-se. Acena um adeus quando a carrinha arranca.Por volta das sete da manhã Mónica troca de lugar com a mãe que tem que ir abrir o posto de venda em Ulme. Gustavo e a filha continuam a distribuição pelas ruas da Chamusca. Regressarão a casa por volta do meio-dia. Depois do domingo de folga regressam ao trabalho, mesmo na altura em que todos se preparam para ir para a cama.
A família que trabalha quando os outros dormem

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