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O “respeitinho” que não se respeitava nos jornais do século dezanove

Contra a exaltação dos defensores da moral e bons costumes do nosso tempo
Para aqueles que se escandalizam com alguma linguagem usada na imprensa e correm a fazer queixas à Entidade Reguladora para a Comunicação Social e a meter processos em Tribunais que, na maior parte dos casos dão em nada, aconselha-se uma visita à exposição do Centro de Artesanato da Chamusca onde podem ser vistos alguns exemplares de publicações satíricas que zurziam forte e feio em políticos, reis e plebeus sem usarem paninhos quentes nem eufemismos. Na crónica parlamentar do jornal “O António Maria”, edição de 29 de Janeiro de 1880, podemos verificar que em matéria de deputados não há grande diferença entre os de então e alguns de agora. “O mais saliente traço da eloquência do digno representante do povo, Dr. Pedro Castello Branco, é coçar a orelha esquerda com a mão direita e coçar com a orelha direita a mão esquerda. No começo da sessão puxa de um lenço de ramagens e principia a assoar-se até ao fim da legislatura (...)”, pode ler-se e reler-se e verificar a correspondência entre o texto e a ilustração que é feita do digno parlamentar.Portugal não mudou assim tanto nos últimos cem anos. Claro que há os telemóveis, a internet, as tablets, a televisão por cabo mas os hábitos e costumes. A maneira de ser nacional mantém-se. Uma boa notícia para todos aqueles que defendem a manutenção das tradições. Ora atente-se neste extracto de uma crónica de João Franco de 24 de Maio de 1896 publicado no jornal “O Berro”. “Mas - perguntará o curioso recém-chegado - não é costume pagar habitualmente a renda das casas em Portugal? E se é costume satisfazer periodicamente esse encargo normal da vida, como se explica que ele apavore assim o espírito da população? Pois não é ele previsto? Não o espera? Não o sabe inevitável? - Porque o estranha e porque se assusta?” E lá vem a explicação que de tão actual até espanta. “Assim como o Orçamento do Estado tem um deficit, o orçamento do cidadão, tem igualmente um deficit, porque tanto o Estado como o cidadão gastam mais do que ganham”. Os jornais da altura também já noticiavam factos parecidos com a saída da Manuela Moura Guedes da TVI, a ida da Judite de Sousa para a SIC, ou a saída do professor Marcelo da RTP. Tal jornalismo era criticado assim: “A imprensa ocupa-se de motivos momentosos, porque saiu do Diário de Notícias o Luís de Araújo?”E imaginem a apoplexia que fulminaria os defensores do “respeitinho” e da moral e bons costumes quando vissem publicado em qualquer jornal um poema como este do escritor Guerra Junqueiro, que saiu na edição de 17 de Maio de 1896, ilustrado com uma caricatura de duas páginas do rei D. Carlos “Uma bola de enxúndia, um zero, folgazão,Bispote português com toucinho alemão.Sensualismo e patranha, indiferença e vaidadeGabarola balofo e glutão, sem vontade,Às vezes moralista, (acessos de moralque lhe passam jantando e não nos fazem mal)Eis el-rei. Um egoísmo obeso, alegre e loiro,Unto já de concurso e de medalha d’oiro.Termina a dynastia e Deus que a fez tamanhaPõe-lhe um ponto final de oito arrobas de banha...Laus Deo!”

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