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Os azulejos encantados da Ermida de Nossa Senhora do Pranto

Os azulejos encantados da Ermida de Nossa Senhora do Pranto

Painéis raros de figuras avulsas e painéis com cenas religiosas de excelente execução

O património da Santa Casa da Misericórdia da Chamusca é valioso. Infelizmente o dinheiro para conservação e restauro não existe na medida das necessidades.

O senhor Francisco Pirinhas mete a enorme chave na fechadura, dá algumas voltas e abre-se a porta da Ermida de Nossa Senhora do Pranto, na Chamusca. Lá de cima do Outeiro do Pranto avista-se a vila e mais ao longe o Tejo. O nosso cicerone entra, pede-nos para aguardarmos um minuto enquanto abre as janelas que estão protegidas com grades.Vale a pena subir quase ao topo da vila para ver o interior da Ermida mas há que contactar a Santa Casa da Misericórdia com antecedência. As paredes da nave central e das capelas laterais são revestidas a azulejos do século XVIII. Paulo Queimado, vereador municipal, que profissionalmente é técnico de restauro, acompanha-nos na visita. O presidente da autarquia, Sérgio Carrinho, que tem um fascínio por arte sacra embora apenas se considere um curioso, também.As paredes laterais estão forradas com conjuntos de azulejos que, ao contrário do que é habitual, não representam uma única cena. Em cada um foi pintada uma flor diferente. Num ou noutro há um pássaro. “Este é o típico painel de figura avulsa. Não conheço nenhum igual. Neste o tema é floral. É tipicamente português. Em termos artísticos é muito bom”, explica Paulo Queimado.Na parede do lado direito de quem entra há algumas falhas. Azulejos que caíram e estão guardados numa zona anexa à capela lateral, dedicada a S. José. Uma antiga caixa de esmolas está pendurada do mesmo lado. No altar central uma imagem da Padroeira. Ao lado, tapada por uma redoma de vidro, uma estatueta de Santa Luzia. “Está a ver aqueles conjuntos de olhos de prata afixados no manto?”, pergunta Sérgio Carrinho. “Antigamente os pobres não tinham dinheiro para ir aos oftalmologistas. Vinham aqui rezar à Santa e fazer-lhe promessas quando tinham problemas nos olhos. Quando se curavam compravam esses olhos. Ainda há ourives que os vendem, acho eu. Há uns quinze anos comprei uns, explica enquanto coloca os óculos para ver ao perto”. A santa foi martirizada e arrancaram-lhe os olhos. Alguns azulejos estão danificados. O vidrado desapareceu e no seu lugar foi colocada uma massa branca. “Cimento”, avisa Paulo Queimado. “É dos grandes inimigos da azulejaria. Foram feitas intervenções pouco felizes. Para além do uso de cimento alguns dos que se soltaram foram colocados fora do lugar onde estavam”. Perguntamos-lhe quanto custaria o restauro dos azulejos. “Alguns milhares de euros”, responde. A Ermida de Nossa Senhora do Pranto tão cedo não irá ver obras. A não ser que ocorra algum milagre.Os azulejos foram feitos à medida para as paredes da pequena igreja. Nas laterais do altar-mor há painéis “historiados a azul e branco relativos à vida da Virgem Maria articulados com um emolduramento cuja decoração reproduz elementos arquitectónicos barrocos onde se integram firas de anjos e de arcanjos, encimando um rodapé de pintura marmoreada, com florões”. A descrição está numa publicação de 1992, com o título “Azulejos na Vila da Chamusca”, editada pela câmara municipal, da autoria de Branca Maria Palla Lizardo”Na capela da direita, dedicada a S. José a mesma autora destaca os medalhões inferiores “com cenas de anjos carpinteiros”. Perante o painel onde surge a Virgem Maria a dobar, o menino Jesus a varrer aparas de madeira e S. José a aplainar uma tábua, Paulo Queimado chama a atenção para uma representação mais prosaica dentro da representação bíblica. “Vamos encontrar aqui, nesta oficina de S. José, todas as ferramentas que equipavam uma carpintaria na altura em que viveu o artista que pintou os azulejos”.O técnico de restauro desliga-se por momentos dos azulejos para mostrar as esculturas em madeira de Sant’Ana e S. Joaquim. “Para mim são das peças mais bonitas século XVIII que há aqui no concelho. O artista usou as melhores técnicas da altura. Os debruns das vestimentas foram feitos com rendas ao contrário do habitual que se utilizada a técnica do estufado com folha de ouro etc. Em termos técnicos e artísticos é do mais aprimorado”, refere com entusiasmo. Um entusiasmo que só não é maior porque também naquele caso se justificava um trabalho de restauro.“As imagens têm graves problemas. Verifica-se um destacamento gravíssimo. Já está a aparecer a madeira. Tudo o que eram camadas cromáticas desapareceu. Não têm tido qualquer tipo de manutenção. Por vezes mesmo com a própria limpeza as camadas de tinta vão desaparecendo. O folheado em ouro desaparece. Aquele tom laranja ali significa isso mesmo”, explica.As figuras ingénuas dos azulejos da Igreja de S. PedroUma pintura de uma Nossa Senhora grávida, vulgarmente conhecida por Senhora do ò encima o altar-mor da Igreja de S. Pedro na Rua Direita de S. Pedro, classificado pelo IGESPAR - Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, como de interesse municipal desde 1997. Também ali os azulejos são antigos embora melhor conservados que os da Ermida de Nossa Senhora do Pranto. E tal como os outros, foram feitos de encomenda para aquele espaço religioso.O que chama a atenção são as cenas em formato de medalhões e os desenhos a azul e branco “com cenas religiosas e profanas sobre um fundo campestre” onde as figuras parecem ter saído do pincel de um artista popular.
Os azulejos encantados da Ermida de Nossa Senhora do Pranto

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