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Uma vida que tem mais luz que escuridão

Uma vida que tem mais luz que escuridão

António Frade vive em Alverca desde 2003 com o filho e mulher, também cega

António Frade é cego, tal como a mulher, mas os seus olhos riem quando fala das adversidades que já fintou na vida. É professor da Escola Secundária de Benavente e reside em Alverca, no concelho de Vila Franca de Xira. No dia em que não conseguiu ajuda para vigiar os alunos muitos copiaram mas o professor voltou a marcar novo teste. Desengane-se quem pense que a história de António Frade é uma história triste.

António Frade, cego de nascença, não está com meias medidas e desce do sexto andar para ajudar a jornalista, que anda às voltas, a descobrir a porta do prédio na Quinta da Vala, em Alverca do Ribatejo, concelho de Vila Franca de Xira. Deu a ajuda de boa vontade mesmo não estando habituado a receber sempre o mesmo em troca. Com um sorriso e uma voz pausada abre a porta de casa e pede que não se repare na “simplicidade”. “Lembro-me de conseguir andar de bicicleta e de correr com a ajuda dos meus amigos que adaptavam sempre as brincadeiras para eu poder entrar”, conta o professor de Educação Especial da Escola Secundária de Benavente, 42 anos. Se o leitor ainda estava à espera de uma história triste desengane-se. É com uma gargalhada que conta um dos episódios da vida de professor. “Tinha sempre de pedir ajuda a outros professores para vigiar os testes dos meus alunos, mas uma vez não consegui. Quando estava a corrigir descobri que os alunos tinham copiado e marquei um novo teste. Ter tantas respostas iguais era impossível”, recorda. No sofá senta-se a esposa, também cega. Manuela Frade, 46 anos, é licenciada em Sociologia, e trabalha no Centro de Saúde de Marvila, em Lisboa, como telefonista. O filho de 15 anos, sem qualquer problema de visão, ainda está a dormir porque esteve a estudar até de madrugada. António Frade, nascido e criado no Tramagal, em Abrantes, veio cedo com o irmão para um colégio interno de ensino especial para crianças cegas em Lisboa. Não tinha ainda 10 anos e apanhava os transportes públicos, com o irmão, para ir passar o fim-de-semana ou as férias em casa dos pais. Depois de concluir o quarto ano regressou ao Tramagal, onde prosseguiu os estudos numa turma de ensino regular, com o apoio de um professor em educação especial. Concluiu o ensino secundário em Abrantes e na hora de escolher um curso universitário optou por filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. “Sempre gostei das questões ligadas ao pensamento, ao conhecimento, ao sentido da vida”, revela. Começou a dar aulas de filosofia no ensino secundário, passando por diversas escolas, desde Sintra até Torres Novas. Concluiu no ano passado um mestrado em Educação Especial e actualmente dá aulas a alunos com deficiência visual na Escola Secundária de Benavente, instituição que considera uma referência no ensino para alunos cegos e de baixa visão. Para ir trabalhar apanha o comboio em Alverca, sai em Vila Franca de Xira, onde segue depois de autocarro para Benavente. Demora mais de uma hora para lá chegar. Vai ao quarto buscar a máquina de Braille e aproveita para escrever explicando as dificuldades deste método de escrita. Uns momentos depois abre a porta do escritório. “Não ligue porque sou um pouco desarrumado”, diz mantendo o sorriso. No computador mostra os programas instalados e uma pequena máquina que permite a leitura em Braille do que aparece no ecrã. António Frade quer ler a edição semanal de O MIRANTE. Não podendo usar o rato só dez minutos depois consegue carregar no ícone disponível no site. “A maior parte das pessoas acaba por desistir. Ninguém tem noção do tempo que demora para conseguirmos descobrir o que queremos”, explica enquanto das colunas do computador sai uma voz que narra o que aparece no ecrã. O recurso às novas tecnologias tem sido fundamental para se manter no mercado de trabalho. O tempo passou a correr e mesmo antes de terminar a conversa, quando se aplica a palavra “invisual”, o professor revela que não gosta porque soa a “vazio”. Bate com a mão no tampo da secretária e explica que depois do gesto forma uma imagem dentro da cabeça. Nós acrescentamos que “escuridão” é também palavra que não existe para o professor de um percurso luminoso que nunca se conformou com as adversidades da vida. Nas palavras e nos gestos sente-se a presença de um homem que está de bem com a vida. Ruas esburacadas são dor de cabeçaO mau estado da Rua da Estação, assunto que foi notícia na edição de O MIRANTE de 12 de Maio, é uma dor de cabeça para António e Manuela Frade, que residem em Alverca, no concelho de Vila Franca de Xira, desde 2003.“Tenho sempre medo de cair nos passeios que estão em mau estado e cheios de buracos”, lamenta António Frade. Também não chegam às grandes superfícies comerciais na cidade. “Não existem passeios para chegar lá. Depois as rotundas e o intenso trânsito não ajudam”, critica. Na rua o professor cego é ajudado sobretudo pelos mais velhos e pelas crianças que muitas vezes demonstram mais sensibilidade que os próprios pais. Outro dos problemas que o casal enfrenta prende-se com a estação de comboios de Alverca, onde não existe sinalização adequada a informar sobre a aproximação da gare. Manuela Frade já chegou a cair no local.
Uma vida que tem mais luz que escuridão

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