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Campinos em fio de cobre e as saudades de Vila Franca de Xira
Franklin Ferreira recuperou em França um trabalho que iniciou em menino na cidade
Franklin Ferreira é um artista do fio de cobre. Constrói músicos e ciclistas. Pescadores e caçadores. Os campinos, com colete encarnado de cabedal e cabeça de resina, são uma especialidade para recordar Vila Franca de Xira, que deixou aos 18 anos para fugir à guerra. Vive em França há 44. Está reformado e dedica-se agora a uma paixão que nos tempos de infância ajudou a matar a fome.
Franklin Ferreira tinha 12 anos. Na estação dos Correios de Vila Franca de Xira via passar homens com caixas de madeira e fios de cobre dos telefones lá dentro. Um dia encheu-se de coragem e pediu uns restos. Moldou os fios à mão e construiu um boneco à sua maneira: um músico, de pernas altas e finas, revestidas com finas tiras de metal. Na loja do senhor Leitão, no centro da cidade, onde a mãe fazia limpeza, todos acharam graça à personagem inventada. À mãe recomendaram que incentivasse o filho a criar. E o filho continuou para ajudar a comprar o pão lá para casa. Os bonecos ficavam em exposição para venda na loja mas Franklin chegou a ir vendê-los ao mercado de Moscavide, onde viveu com a mãe uma temporada, para ganhar alguns tostões.A história é contada via telefone, entre Portugal e França. Franklin Ferreira, 62 anos, de voz viva, arrasta uma ligeira pronúncia gaulesa mas conserva bem o vocabulário luso. Sente-se uma alegria na voz. Mesmo quando conta que o pai o abandonou aos quatro anos. Ficou entregue aos cuidados de uma mãe abnegada. Viviam os dois num quarto alugado no Bom Retiro. Cozinhavam as refeições num fogareiro. “Vivíamos um pouco na miséria”, resume. Dos 14 aos 18 anos, já depois de frequentar a escola, Franklin trabalhou nas estalagens de Vila Franca de Xira. Primeiro como telefonista na estalagem da Lezíria. Depois na estalagem do Gado Bravo, na recta do Cabo, a servir à mesa, e no restaurante “Paramêz”. Saiu do país aos 18 anos. Rumo a França. Franklin sentia o espectro da chamada para a guerra colonial e decidiu que não queria deixar a mãe sozinha. Foi guardar vacas. A mãe acompanhou-o e foi trabalhar nas limpezas. Os primeiros tempos foram difíceis. “Chorava todos os dias”, conta. Franklin trabalhou numa fábrica e numa quinta até chegar à estação de serviço, onde fazia pequenas reparações e abastecia os automóveis e onde permaneceu por 31 anos. De lá saiu reformado. Casou e divorciou-se. Não teve filhos. Há 22 anos construiu uma casa em França com a ajuda de uns amigos. É lá que vive hoje com Nicole, a sua companheira. Como a reforma é parca dedica-se à construção das figuras em fio de cobre para matar o tempo e equilibrar as contas. Os campinos, com colete encarnado de cabedal, barrete de linho e cabeça de resina, evocam a cidade onde nasceu e viveu até aos 18 anos. Em França cada peça custa 70 euros mas sabe que não seria fácil vender em Portugal as figuras ao mesmo preço. A matéria prima que hoje utiliza são restos que lhe são cedidos por uma empresa que trabalha com fio de cobre ao lado da sua casa. Vive em França há 44 anos. Regressou a Vila Franca de Xira em Abril último depois de ter estado trinta anos ausente. Não quis deixar sozinha a mãe, que sofria de Alzheimer e faleceu há alguns meses. Revisitou Vila Franca de Xira mas entristeceu-se com a degradação na estalagem do Gado Bravo e com o estado do Jardim Constantino Palha, bem como com a falta de postais alusivos à cidade. Aproveitou para visitar familiares em Coruche, Samora Correia (Benavente) e Sobralinho. Levou um campino à presidente de câmara municipal, Maria da Luz Rosinha, e passou na redacção de O MIRANTE em Vila Franca de Xira. “Franky”, assina assim as peças em fio de cobre, deixou no ar a palavra saudade. Para o ano promete regressar.
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