A autarca que não conseguiria viver na sua terra se não fosse com frequência a Lisboa
Maria de Lourdes Piriquito está a cumprir o primeiro mandato como presidente da Junta de Aveiras de Baixo
Nasceu em Aveiras de Baixo, concelho de Azambuja, mas aos nove meses de idade os pais que não tinham condições para a criar entregaram-na a duas senhoras de Lisboa. Com 40 anos decidiu regressar às origens e envolveu-se na vida da comunidade ao ponto de ser eleita nas últimas autárquicas para presidente de junta. Maria de Lourdes Piriquito assume-se como uma mulher de acção que não gosta de alaridos. Diz que nunca a ouviram gritar. Na terra onde nasceu tem a calma própria de uma freguesia rural. Habituada à agitação da capital não se adaptou ao ritmo de vida de Aveiras de Baixo e por isso sente necessidade de ir regularmente a Lisboa onde faz voluntariado no IPO. Maria de Lourdes Piriquito reconhece que viver no campo tem muitas limitações. Em Aveiras existem apenas dois cafés, a população está muito envelhecida, os transportes são poucos e até para comprar as mercearias precisa de ir a Azambuja. Por isso a autarca teme que a freguesia de Aveiras de Baixo acabe por desaparecer um dia destes.
Há quanto tempo está a residir permanentemente em Aveiras de Baixo?Há 22 anos que regressei a Aveiras de Baixo para morar, depois de ter saído aos nove meses da terra para ir viver para Lisboa onde fui criada. Ter uma casinha no campo para respirar ar puro e estar em comunhão com a natureza é tão apaixonante como lemos nos romances ou vemos nos filmes?Não sei se conseguiria cá viver se não fosse regularmente a Lisboa para realizar o meu voluntariado no Instituto Português de Oncologia (IPO) e para estar com as minhas amigas. Preciso deste escape porque em Aveiras de Baixo não tenho praticamente ninguém com quem manter um certo tipo de conversas. É uma população muito envelhecida. Nunca gostei da terra, quando era jovem, para ficar cá a viver. Só queria mesmo vir cá passar as férias. Depois de ter criado os meus filhos e de me reformar, achei que estava na altura certa para regressar. Hoje as distâncias também são muito curtas e de carro meto-me num instante em Lisboa. Passa mais tempo em Lisboa ou em Aveiras?Neste momento passo mais tempo em Aveiras até porque já não tenho casa em Lisboa. Os amigos de Lisboa quando a visitam não devem gostar de uma terra tão parada… Dos comentários que recebo, dizem-me que é muito sossegado e uma verdadeira paz. Do que mais tenho pena em Aveiras é de ver muitas pessoas que se habituaram ao “maldizer” e é difícil mudar o estado das coisas. Onde faz as compras para casa? Há alguma mercearia em Aveiras?Vou sempre a um hipermercado de Azambuja. Já não temos cá nenhuma mercearia. Estamos reduzidos a dois cafés. Durante a semana ainda vêm cá algumas carrinhas ambulantes vender pão, peixe e fruta.O que acontece a alguém que decida ir para Aveiras que não tenha transporte próprio?Quem precisa de se deslocar e não tem carro fica numa situação complicada… Temos três ou quatro autocarros a passarem na freguesia diariamente. Em altura de aulas há mais um ou dois. Para aqui viver é preciso carro senão é praticamente impossível.Se o seu carro avariar ou se estiver impossibilitada de conduzir por qualquer motivo como é que se desenrasca?Vou de autocarro. Mas aqui as pessoas também estão sempre a dar boleia umas às outras porque sabemos que aquele velhinho que está na paragem vai esperar uma eternidade até aparecer a camioneta. Nestas situações costuma existir alguma entreajuda.Quando precisa de assistência médica vai à extensão de saúde ou a Lisboa? Quem é o seu médico de família?Vou à extensão de saúde aqui de Aveiras de Baixo ter com o meu médico de família, o Dr. Casimiro.Como funciona a rede de internet e telemóvel na freguesia?O que funciona bem é o 96. Para usar o 91 ou o 93 é preciso ir para uma porta ou janela. A internet dá mais ou menos, mas quando existe uma avaria é geral.Não tem actividades culturais em Aveiras de Baixo ou diversões nocturnas. Como ocupa os tempos livres?Na junta vamos organizando ao longo do mês umas tardes de convívio ao sábado para aproximar as pessoas e proporcionar uma tarde diferente. Não sou uma mulher de estar parada em casa a ver televisão. Para além de realizar voluntariado em Lisboa, colaboro também com o Centro Social e Paroquial de Aveiras de Baixo e com os Bombeiros Voluntários de Azambuja. Também gosto muito de ler e de pintar ou bordar. Como vive a maioria da população de Aveiras de Baixo?A maior parte vive com dificuldades. Temos aqui muitas mulheres viúvas porque antigamente os homens trabalhavam muito no campo ao sol e à chuva e quando acordavam a primeira coisa que faziam era beber um copo de vinho. Morriam cedo. Muita gente vive com reformas na ordem dos 200 euros e às vezes lá conseguem mais um ou outro subsídio. Existem algumas famílias a receberem apoio do banco alimentar.São as pessoas com mais idade?Não. As pessoas mais idosas cresceram aqui no meio da pobreza e aprenderam a gerir muito bem o dinheiro. Não tem internet ou telemóvel para pagar. Às vezes têm mais dificuldades em comprar os medicamentos. As famílias mais problemáticas costumam ser mais novas. Não são tão pobrezinhas como fazem crer porque queixam-se de não ter comida, mas depois estão no café a fumar e em casa têm computador e televisão por cabo. Quais são os principais problemas que lhe colocam?À junta costumam chegar muitos pedidos de pessoas que precisam de efectuar algumas obras em casa. Por vezes, a câmara consegue ceder os materiais e as pessoas arranjam a mão-de-obra. Para além de passar atestados e assegurar a limpeza das ruas, tem dinheiro para fazer mais alguma coisa?Por dia fazemos em caixa cerca de sete euros. Em dias muito bons conseguimos chegar às vezes aos 20 euros. Isto quase não chega para pagar ordenados… Temos sempre dificuldades acrescidas porque temos de realizar o mesmo três vezes, nas Virtudes, Casais da Lagoa e Aveiras de Baixo. Já não tenho sequer onde cortar. O objectivo principal é agora poupar o máximo possível e pagar as dívidas a fornecedores. Aveiras de Baixo já perdeu, este ano lectivo, todas as escolas. A manter-se a actual situação, quanto anos calcula que sejam necessários para a terra ficar reduzida a meia dúzia de pessoas idosas cercadas de casas desabitadas e degradadas?De acordo com os dados preliminares do Censos 2011 passamos de 1355 indivíduos residentes em 2001 para 1320 em 2011. Não foi uma grande quebra, mas é claro que uma terra destas acabará por desaparecer com o tempo porque os casais jovens não se fixam aqui e as crianças são muito poucas.Tarde de convívio nos Casais da Lagoa a 24 de SetembroUma actividade recreativa em torno das técnicas de decoupagem e do guardanapo, usadas no artesanato, vai ter lugar no próximo dia 24 de Setembro na Associação Desportiva e Cultural dos Casais da Lagoa, em Aveiras de Baixo, concelho de Azambuja, entre as 16h00 e as 19h00. A própria presidente da junta, Maria de Lourdes Piriquito, será a responsável pelo ensino. A animação estará a cargo dos “Trapalhões da Música”. O transporte passa às 15h15 nas Virtudes, junto à delegação da junta, às 15h25 nos Casais da Amendoeira, junto à associação, e às 15h30 em Aveiras de Baixo em frente à junta.Desde muita nova que o voluntariado é a sua paixãoMaria de Lourdes Firmino Piriquito nasceu no dia 11 de Setembro de 1949 em Aveiras de Baixo, concelho de Azambuja. Os pais dedicavam-se à agricultura e eram muito pobres. Na altura era comum as famílias de baixos rendimentos entregarem os filhos a pessoas abastadas para que os criassem e lhes dessem as condições que os progenitores não podiam oferecer. Foi esse o destino de Maria de Lourdes Piriquito. Duas senhoras, uma viúva e outra solteira, que vinham passar férias a Aveiras de Baixo acabariam por levá-la aos nove meses para Lisboa. O mesmo aconteceu a outra irmã da autarca. Os outros sete irmãos ficaram em casa dos pais.A ligação afectiva aos pais nunca se perdeu. Em jovem ia sempre passar férias à terra onde nasceu. Talvez por em Lisboa haver mais oportunidades, mais condições de vida, a actual presidente da junta não se imaginava a viver em Aveiras de Baixo. Maria de Lourdes Piriquito entrou aos 11 anos para o Colégio das Franciscanas Missionárias de Maria, em Entrecampos (Lisboa), onde permaneceu até aos 18 anos, sempre em regime semiaberto. Em casa das senhoras que a criaram recebeu uma educação muito rígida. Isso fez com que se tornasse uma rebelde, uma “Maria-rapaz” que deixou cedo os estudos para se casar. Tinha 19 anos. O casamento durou pouco tempo e aos 21 anos já estava divorciada. “De repente vi-me sozinha com três filhos para criar e a educação regrada que tive acabou por revelar-se fundamental para ultrapassar os problemas que foram surgindo ao longo da minha vida”, recorda. Trabalhou sempre como secretária em apenas duas empresas ao longo da sua vida profissional. Tinha 40 anos quando resolveu regressar a Aveiras de Baixo. Hoje partilha a casa com a mãe que já tem 85 anos e garante que apesar de ter sido criada longe, é a filha que melhor a conhece. Tem já cinco netos. Desde muito cedo que se interessou em ajudar os outros e aos 15 anos já fazia voluntariado. Depois de prestar auxílio em alguns bairros pobres de Lisboa, ajudou também os reclusos na prisão hospital de Caxias e já há mais de 10 anos que ajuda meninos com cancro no Instituto Português de Oncologia em Lisboa por intermédio da Associação Acreditar.Uma mulher teimosa que prefere tratar os assuntos em privadoComo é que chegou à política?Logo depois do 25 de Abril entrei para o Partido Socialista. Depois saí porque me chateei e regressei mais tarde. Mal cheguei a Aveiras comecei logo a ser convidada para participar na vida política. Fiz um mandato como secretária da assembleia de freguesia e dois mandatos como presidente da assembleia. Depois acabei por integrar a lista do PS como candidata a presidente da junta. Nas assembleias municipais raramente apresenta assuntos da sua freguesia. Não é o local apropriado para isso? Eu sou mais de actuar em vez de fazer alarido. Sempre tive um papel de mediadora e nunca ninguém me viu a gritar. Se eu vejo que perante o actual estado de coisas não é possível realizar alguma coisa que é preciso na freguesia, não vou insistir no ceguinho. Se o presidente da câmara não fosse também do PS provavelmente já se sentiria mais à vontade para reclamar… Nunca senti a minha liberdade constrangida e digo tudo aquilo que penso. Tento sempre conversar primeiro em privado para expor a minha posição e discutir os pontos de vista. O que gostava de fazer mais para além do que já faz? A prioridade principal para a freguesia neste momento é o ordenamento do território. É uma terra com muitos altos e baixos e ruas muito estreitas. Pretende recandidatar-se nas próximas eleições autárquicas?Não sei ainda se me vou recandidatar. Só depois de ver o estado em que as coisas ficam depois de toda esta reorganização administrativa é que decido. É a única presidente de Junta no concelho de Azambuja. É uma vantagem ou desvantagem?Não tem sido fácil porque tivemos um homem, o actual vereador Silvino Lúcio, 20 anos à frente desta junta, e claro que uma mudança para uma mulher é sempre difícil. Mas isso não me afecta. Aos 26 anos já era chefe de secção e o facto de ser mulher nunca me trouxe problemas. Temos de ser mais persistentes porque os homens gostam de nos deitar abaixo. Mas comigo se não vai de uma maneira, vai de outra. Para mim não existe um “não”, sou muito teimosa.Já pensou em candidatar-se a presidente da câmara?Gosto de estar no meu cantinho sossegadinha e interesso-me mais por esta parte do apoio social prestado às populações. Quem acha que pode vir a ser o próximo Presidente da Câmara?Pela lógica seria o vice-presidente Luís de Sousa, mas não sei…
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