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“O dia grande da biblioteca é o sábado que é o dia da família”

A bibliotecária Conceição Matos e a paixão pela Quinta da Piedade, na Póvoa de Santa Iria

Quem disse que os livros estão a perder leitores e que as bibliotecas são espaços sombrios que os jovens evitam? O dia forte da Biblioteca Municipal da Quinta da Piedade, na Póvoa de Santa Iria, no concelho de Vila Franca de Xira, é o sábado que é o dia da família. Avós, pais e filhos povoam um espaço de cultura em tons de verde numa cidade rodeada de prédios por todos os lados.

Qual é o perfil do utilizador da Biblioteca Municipal da Quinta da Piedade? Reformados ou sobretudo estudantes?O perfil do utilizador tem variado ao longo do tempo. Tenho muitos estudantes universitários que se encontram aqui para estudar na época de frequências. Vêm à procura de um espaço tranquilo?Vêm à procura de um espaço tranquilo mas também de fundo documental. A que a biblioteca consegue dar resposta...De alguma maneira. Uma biblioteca pública tem que ter em atenção que pode receber tanto uma pessoa letrada como um utilizador analfabeto. Já passou por aqui alguém que não soubesse ler?Às vezes vê-se que as pessoas não sabem escrever muito bem ou não têm muita formação. Nesse aspecto as bibliotecas públicas estão muito democratizadas. Já não é aquele espaço de elite associado a um certo intelectualismo onde havia receio de entrar. É um espaço da comunidade mas ainda há pessoas que me perguntam: posso entrar?Por que é que acha que isso acontece?São sobretudo pessoas mais velhas. Aparecem receosas para confirmar se realmente podem entrar. São muito poucas porque as pessoas já têm a noção do trabalho que nós fazemos embora receie que haja gente que talvez ainda não saiba. Quando eu digo que vem cá João Lobo Antunes para falar da biografia de Egas Moniz ou quando vieram duas grandes investigadoras falar do património genético português ou quando aqui tivemos o escritor Valter Hugo Mãe as pessoas admiram-se. Isso ainda me preocupa. É difícil para a biblioteca competir com o computador e as redes sociais…Temos que nos associar a elas... Dizem que os miúdos gostam muito dos computadores e não gostam muito de ler. Isso até pode acontecer numa fase a partir dos 13 ou 14 anos mas a verde é que lêem. O dia grande da biblioteca é o sábado que é o dia da família. O perfil do utilizador é a família. O pai, a mãe e as crianças.O que procuram?Vêm procurar livros e filmes para os filhos. Depois a mãe ou o pai lêem os jornais e revistas e levam também os seus livros. É muito agradável ver a família na biblioteca. Durante a semana temos muitos reformados, domésticos e também professores embora haja bibliotecas muito boas dentro das escolas. Cada biblioteca tem as suas especificidades. Mesmo em termos de títulos... Tenho determinada verba para fazer as aquisições que são criteriosas. Tenho que comprar as novidades mas tenho que ter também em conta os interesses dos utilizadores que também podem preencher um papel de sugestão.Então o meio tem influência. Completamente. Também é importante que a biblioteca se vire para a comunidade. Temos que ir ao encontro das pessoas. De que forma tenta atrair público?São estratégias de sedução. Se as pessoas não vierem não estamos cá a fazer nada. A nossa vontade de as seduzir não pode interferir com as regras que estão definidas para a biblioteca mas ainda assim tentamos atraí-las com atendimento personalizado. Gostamos muito de receber as pessoas. Um ponto forte da nossa biblioteca é a capacidade de desenvolver empatias com os utilizadores. Uma das estratégias de sedução é também a colocação de alguns livros em destaque. As livrarias colocam os livros a determinada altura para captar a atenção das pessoas. Nós fazemos o mesmo. O que não quer dizer que os leitores não passeiem pelos corredores ou que não folheiam os livros que era uma coisa que antigamente não se podia fazer. No meu tempo não tínhamos o acesso imediato e físico à obra... E estamos a falar não de uma livraria mas de um espaço público onde não é preciso pagar para levar livros. Portanto a crise não é razão para que se deixe de ler. Mais do que nunca devem vir. Está na altura de se valorizar o que oferecemos que são serviços gratuitos. Cada pessoa pode levar seis livros para casa, filmes, CD’s, pode estar, pesquisar, ler os jornais, ver uma peça de teatro e conhecer um escritor. Até onde pode ir em termos de diversidade de títulos? Há pouco uma colaboradora estava a arrumar dois livros sobre sexo. Sim. Eu própria comprei há pouco tempo para a biblioteca o livro “O Sexo Ainda mais no Feminino”. É uma obra extraordinária que aconselho a todas as mulheres e homens. É um livro científico. Uma biblioteca tem que abarcar todas as áreas do conhecimento. Que livros são mais procurados? Os de auto-ajuda que estão muito na moda?Confesso que não proponho nas sugestões muitos livros de auto-ajuda. Temos que ter sensibilidade para gerar novos gostos. Às vezes as pessoas nem vão às estantes buscar livros. Vão imediatamente aos destaques. Além das novidades coloco em destaque as obras que quero que as pessoas também leiam e também poesia. Gosto de sugerir Saramago. No Verão destaquei “As Benevolentes”. Havia muitos livros esquecidos na área da psicologia e educação. Desde que criámos o centro de interesses para pais e filhos as pessoas requisitam-nos. Continuamos a emprestar mais livros do que filmes o que é um bom indicador para uma biblioteca.“A Quinta da Piedade tornou-se no coração da Póvoa”A nova entrada oeste da Quinta da Piedade, na Póvoa de Santa Iria, abriu o espaço ao outro lado da cidade. “Tornámo-nos no coração da Póvoa”, diz orgulhosa a bibliotecária Conceição Matos, coordenadora da biblioteca, que está num espaço privilegiado da quinta municipal. Todos os dias ao almoço é cliente da cafetaria da Quinta da Piedade e apreciadora do arroz doce da casa.A técnica não é insensível à suburbanidade da zona. Confessa até que gostaria que entre o Tejo e os mouchões a vista se estendesse sem prédios mas admite que o progresso assim o exige. Seja na Póvoa de Santa Iria ou no Algarve.A Ponte Marechal Carmona, em Vila Franca de Xira, é uma das suas paisagens favoritas no concelho. Nasceu junto do Rio Zêzere e ainda ouve o barulho dos rios, bálsamo para curar a tristeza dos dias mais cinzentos. Já viajou no barco varino “Liberdade” e deseja que a zona ribeirinha seja alvo da prometida requalificação em breve.Era uma vez a Cinderela no reino dos afectos“Era uma vez a Cinderela no reino dos afectos” é o nome de uma das iniciativas que a Biblioteca Municipal da Quinta da Piedade, na Póvoa de Santa Iria, está a dinamizar para o público infanto-juvenil. O espectáculo de fantoches, adaptação de uma história tradicional, começou em Janeiro e já tem marcações até final de Dezembro. “Sem moralismos excessivos aproveitamos para explorar a questão dos afectos”, revela a bibliotecária Conceição Matos.Depois da “Carochinha no reino da música”, a iniciativa dedicada ao público pré-escolar, entre os três e os cinco anos, prosseguirá em 2012 com “Era uma vez a Branca de Neve do deitar ao acordar”. “A ideia é relembrar os hábitos saudáveis ao dormir, como a lavagem dos dentes”, explica. A animação é assegurada com o apoio dos criativos técnicos da equipa. “Rentabilizamos os nossos próprios recursos e as competências de cada um”, explica a coordenadora da biblioteca onde está sediado o serviço de apoio às bibliotecas escolares do concelho do primeiro ciclo.Uma bibliotecária urbana que gosta de trabalhar numa quinta com um palácioA coordenadora da Biblioteca Municipal da Quinta da Piedade, na Póvoa de Santa Iria, no concelho de Vila Franca de Xira, Conceição Matos, é uma mulher urbana que gosta de trabalhar numa quinta rural. “Quando levava as botas enlameadas recordava aos meus amigos em tom de brincadeira que afinal de contas trabalhava numa quinta”, conta com humor a bibliotecária de 49 anos licenciada em Antropologia e pós graduada em ciências documentais.É sofisticada, gosta de um bom perfume e de um bom restaurante mas não troca por nada a vista sobre o Tejo que tem da varanda da biblioteca. Mora em Lisboa mas tem mais ligação afectiva à cidade da Póvoa de Santa Iria para onde se desloca todos os dias de automóvel. É na cidade que faz as compras e vai ao médico dando assim o seu contributo para a economia local. Convenceu o filho, bancário, de 27 anos, a morar na cidade e só tem pena de não se ter mudado em tempos para perto do local de trabalho. “Hoje nas cidades vive-se num clima de insegurança que aqui na Póvoa não sinto. Isso já não acontece em Lisboa”.Trabalha na Póvoa desde 1995 depois de ter passado pela biblioteca da Escola Nacional de Saúde Pública. Esteve dois anos na Biblioteca de Vila Franca de Xira durante as obras de recuperação do palácio. Está a ler a biografia de Egas Moniz escrita por João Lobo Antunes que vai ser convidado da biblioteca para um encontro no dia 19 de Novembro. Não consome só romances. Gosta de revistas especializadas e de poesia. Valter Hugo Mãe, José Luís Peixoto e Miguel Real são alguns dos seus autores favoritos. Nasceu no Peso, Covilhã. Foi estudar para Lisboa e acabou por ficar na capital. Perdeu o pai aos sete anos. Os dois irmãos mais velhos tornaram-se na sua referência masculina. Tinha livros em casa mas ia regularmente até ao largo da Igreja onde a esperava a carrinha da Biblioteca Itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian. A pequena viagem revestia-se de um certo ritual cerimonioso. O senhor que acompanhava a carrinha guardava os livros que a menina ainda não tivesse lido. Conceição Matos levava-os depois com muito orgulho para casa. Lembra-se do livro do Barba Azul. Mas recorda sobretudo o cheiro do espaço. “Um cheiro diferente. Um cheiro de encantamento que se sente quando se entra num mundo novo. Eu ainda tinha a felicidade de ter livros em casa mas havia crianças que não tinham”.

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