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“Não durmo descansado enquanto não se fizer justiça no concelho de Vila Franca”

Octávio Augusto, dirigente regional e nacional do PCP, diz que a sua grande ambição é ver os socialistas derrotados

De acólito da igreja em Vila Franca de Xira a líder distrital do PCP em Santarém foi um longo caminho que Octávio Augusto percorreu em meio século de vida. Depois de 12 anos a trabalhar na máquina de propaganda do partido veio para o terreno, porque não gosta de estar fechado em gabinetes. A sua grande ambição política é ajudar a derrotar a maioria PS em Vila Franca de Xira. “Não durmo descansado enquanto não se fizer justiça no concelho”, diz quem não esquece a forma como foram tratados os derrotados na noite em que Maria da Luz Rosinha ganhou as primeiras eleições autárquicas destronando a CDU da gestão do município.

É um homem de Vila Franca de Xira que dirige o PCP no distrito de Santarém. São coisas da vida (risos). Estive 12 anos ligado às questões que tinham a ver com a área da propaganda do PCP. Era um trabalho mais de gabinete, de preparação de tempos de antena, de campanhas eleitorais. Depois, num quadro normal de arrumação de tarefas e rotação de quadros, foi feita a proposta de assumir essa responsabilidade em Santarém, que aceitei logo à primeira.Porquê?Por uma razão muito simples: pela minha maneira de ser e de estar não sou pessoa de estar muito tempo fechada num gabinete. E estar 12 anos fechado na sede do partido foi muito. Mas vim para Santarém há quase seis anos como podia ter ido para outra zona.O PCP tem também perdido influência em Vila Franca, onde já foi poder. Quais as razões?Não estou em muitos boas condições para responder, pois apenas durmo em Vila Franca de Xira e chego tarde. Em termos de actividade política e de cidadania estou completamente desligado da realidade do concelho. Ao contrário do passado, em que fui durante 9 anos presidente de uma instituição de apoio à infância, o CBEI. Mesmo assim há-de ter opinião sobre o assunto.O que dá para ver é que foi uma tremenda injustiça a CDU ter perdido as eleições nessa altura. Depois construiu-se a ideia de que estávamos perante uma presidente da câmara - porque era mais disso que se tratava e não tanto da força política - altamente dinâmica que ia resolver todos os problemas do concelho. E na sua perspectiva isso não aconteceu...Um exemplo é o matadouro que continua a cair de podre à entrada de Vila Franca, que chegou a ter lá um cartaz dizendo que ali ia nascer o grande quartel da PSP. E se der mais uma voltinha pela memória verifica-se que iam acontecer coisas extraordinárias naquele concelho que efectivamente não aconteceram. Independentemente de uma ou outra obra bem conseguida. Mas é bom não esquecer que o PS herdou uma câmara em boa situação financeira e cheia de projectos. E num período em que os fundos comunitários abundavam. A presidente da câmara beneficiou muito disso e da sua postura popular e iludiu muita gente. Ficou desiludido com Maria da Luz Rosinha?Não posso dizer que fiquei desiludido. Já era previsível, até pela experiência que tive enquanto presidente do CBEI, que foi altamente negativa no relacionamento com a câmara municipal. Pode-se dizer até que a instituição pode ter sido prejudicada por ter havido um comunista a presidi-la. Tive que dizer uma vez à presidente da câmara que do ponto de vista político a minha grande ambição era que fosse derrotada e fazia tudo para isso. Mas enquanto presidente de uma instituição que tinha 800 crianças, directa ou indirectamente envolvidas, estava ali para defender os seus interesses e não com a bandeira do meu partido.Porquê essa ambição política de ver a presidente da Câmara de Vila Franca de Xira derrotada?Acho que todos os comunistas são pessoas muito tolerantes, mas temos memória. E não me esqueço da noite em que a CDU perdeu as eleições.O que aconteceu?Não me esqueço da postura da actual presidente da câmara e de muitos daqueles que a apoiaram, da forma como trataram aqueles que perderam. É nesses momentos que se percebe quem são as pessoas. É preciso ter dignidade na derrota e na vitória. Quem ganha não tem o direito de esmagar quem perde. Por isso não me esqueço dessa noite.Não houve essa tolerância?Não houve, em particular para com o meu camarada Daniel Branco. E não durmo descansado enquanto não se fizer justiça no concelho de Vila Franca de Xira. Não se trata de revolta ou ajuste de contas, é uma questão de princípio.Com a lei da limitação de mandatos, Maria da Luz Rosinha não pode ser candidata nas próximas autárquicas.Sim. Mas dá-me alguma satisfação olhar à volta e ver pessoas conhecidas que foram iludidas na época, que achavam que estava ali a figura que ia projectar o concelho de Vila Franca, e que já há alguns anos não acreditam nela. A quem me perguntar o que acho da presidente da câmara, dou a minha opinião. O que estou aqui a dizer, disse-lho a ela: gostava de vê-la derrotada por razões de natureza política. Nada tenho contra ela a nível pessoal.Como analisa o facto de o PS se ter coligado com o PSD para assegurar a governabilidade da Câmara de Vila Franca de Xira?É natural. A CDU faz bem em não partilhar o poder com o PS?Não conheço o processo em pormenor, mas creio que sim. Porque no fundo o rumo, os projectos e até alguma da postura são coisas com as quais não nos devemos identificar.E ficam com a vida mais facilitada na próxima campanha eleitoral para as autárquicas porque não estão ligados à gestão em curso.É provável que sim, porque a CDU em Vila Franca tem que ser sempre a alternativa. É claro que nas últimas eleições apareceu ali um factor de dispersão, mediático, através do PSD. Apareceu um pára-quedista cujo passado e presente no concelho de Vila Franca de Xira era absolutamente desconhecido e que teve a votação que teve. Esse mérito tem que lhe ser reconhecido, mas não representa nenhum trabalho no terreno. Creio que facilmente a CDU recupera a posição a que tem direito e vai lutar pela vitória da Câmara de Vila Franca de Xira. E eu, dentro das minhas possibilidades, vou dar o meu contributo para isso.O menino que ajudava à missa e que se desiludiu com a igrejaOctávio Augusto nasceu a 22 de Janeiro de 1961 em Alenquer. Foi estudar para Vila Franca de Xira aos 14 anos, onde reside há muitos anos. Tirou o curso geral de electricidade na Escola Industrial da cidade embora confesse que não sabe muito bem como foi parar a esse curso porque o que queria mesmo era ser jornalista. Chegou a escrever no jornal da terra natal, mas sempre de forma amadora.Considera-se um caso precoce por ter ingressado no Partido Comunista Português (PCP) aos 14 anos. Uns meses antes já se tinha tornado membro da União dos Estudantes Comunistas (UEC). Tudo começou quando regressou a Portugal depois de um ano - entre 1973 e 1974 - a viver em Moçambique devido à profissão do pai, militar. Regressou em Junho de 1974 porque, diz, cansou-se das injustiças a que assistiu naquele país africano. “O país é maravilhoso mas um ano em África foi um curso intensivo de tudo o que não gosto, nomeadamente discriminação racial. Como filho de militar tinha privilégios e assisti a muitas coisas que não gostava de ter visto. Não regressei por causa da Revolução dos Cravos mas sim porque já não suportava mais aquele tipo de vida”, explica a O MIRANTE durante a entrevista que se realizou na sede do PCP em Alpiarça. Diz que a pessoa que mais o influenciou foi um avô, tendo sido determinante para a sua formação enquanto pessoa. Para Octávio Augusto, o avô foi uma referência de postura, estilo de vida e valores éticos.Aos 19 anos começa a trabalhar na Juventude Comunista Portuguesa (JCP), altura em que decide abandonar os estudos. Decisão que lhe trouxe alguns problemas em casa. A família não ficou muito entusiasmada com a sua decisão. “Tinham outros projectos para mim e, particularmente o meu pai, queria que seguisse outro rumo. Não foi fácil para ele aceitar a minha decisão”, conta, acrescentando que não comunicou a sua decisão da maneira mais hábil. “Tinha 18 anos e achava que era dono de mim mesmo. Cheguei a casa e comuniquei que ia mudar de vida. Tive alguma falta de habilidade para tratar do assunto”, conta bem disposto.Octávio Augusto é líder distrital do PCP em Santarém há cerca de seis anos. É casado e tem uma filha com 20 anos que está a estudar Economia. Foi presidente do Centro de Bem-Estar Infantil (CBEI) de Vila Franca de Xira durante nove anos. Sportinguista inveteradoOs tempos livres são passados em família e com os amigos. Além de ser um fumador inveterado confessa outro vício: é doente pelo Sporting. Sócio há meio século - em Janeiro recebeu o emblema de ouro do clube - tem o hábito de assistir aos jogos no estádio. Confessa, orgulhoso, que nunca assobiou a sua equipa, nem nos piores momentos.Gosta de ler e tem o vício de comprar livros embora não consiga ler todos como gostaria. Prefere ensaios e assuntos sobre economia e sociologia. Gosta das obras de Alves Redol e de Soeiro Pereira Gomes mas confessa que o livro de eleição, que relê com muita frequência, é “O Partido com Paredes de Vidro”, de Álvaro Cunhal.Já leu a Bíblia e foi frequentador assíduo da igreja mas aos 14 anos cortou radicalmente com a religião. Tudo por não suportar o que considera serem injustiças. Aos 13 anos era o único da família que ia à missa. Ajudava na homilia e era assíduo na catequese. Durante a última procissão em que participou, o menino Octávio e os amigos que ajudavam na preparação do cortejo religioso envergavam capas “com mais de 20 anos e cheia de buracos da traça”.“Quando percebi que eu e aqueles que tínhamos dado o nosso melhor na preparação da procissão íamos com o que existia de mais velhinho e depois estava lá um motorista de uma casa agrícola à espera das novas capas para entregar aos meninos da quinta desisti. Foi um episódio que me marcou para sempre. Desliguei completamente da igreja e nunca mais voltei. Percebi que aquele não era o meu percurso”, conta afirmando ser um homem de convicções fortes.A luta de classes faz todo o sentidoO PCP tem perdido peso autárquico na região. Nas duas últimas décadas perderam câmaras como as da Golegã, Coruche e Salvaterra de Magos. Que análise faz desse fenómeno?Por vezes tem mais a ver com aspectos de natureza local do que propriamente com a perda de influência do PCP ou da CDU, como é este caso. Embora nas últimas eleições autárquicas tenhamos que valorizar o facto de se ter reconquistado a Câmara de Alpiarça, que é um elemento importante, e de estarmos convencidos que em 2013 vamos disputar mais câmaras municipais na região. O traço essencial nos últimos anos é de uma manutenção das nossas posições, que evidentemente não nos deixa satisfeitos pois queremos crescer mais. E estamos a fazer por isso.As autarquias são importantes para a consolidação da vossa base de apoio.Sim, têm um papel importante. É uma área de trabalho onde podemos pôr em prática aquilo que são os nossos princípios e forma de estar na política, de procurar resolver problemas concretos das populações. O trabalho autárquico tem essa possibilidade e essa visibilidade. As pessoas poderem avaliar o nosso projecto no terreno em comparação com os dos outros. A limitação de mandatos vai impedir a recandidatura dos presidentes de duas das quatro câmaras que a CDU tem na região - Chamusca e Benavente. Não vai ser fácil substituir Sérgio Carrinho e António Ganhão.Por um lado não vai ser fácil, porque estamos a falar de dois presidentes de câmara com um longo percurso e um passado muito ligado ao projecto da CDU na região e até no país. Mas estamos convencidos que em ambas as situações, tendo em conta o trabalho realizado, a equipa e aquilo que tem vindo a ser feito no terreno, aqueles que vierem a ser apresentados como cabeças de lista da CDU - e essa é uma discussão que ainda não está aberta - estarão em condições de garantir a vitória. Desse ponto de vista estamos tranquilos. Houve custos eleitorais para o PCP na região com a expulsão, em 2007, da militante e ex-deputada Luísa Mesquita?É óbvio que aquele processo trouxe-nos algum prejuízo do ponto de vista político e eleitoral, particularmente no concelho de Santarém. Mas o tempo encarregou-se de nos dar razão.De que forma?Não se tratou de uma situação de perseguição pessoal, mas de uma questão política de fundo, de princípio. A nossa postura tinha toda a razão de ser, como depois o demonstrou a evolução de alguns dos que a apoiaram em todo o percurso, nomeadamente integrando listas do PSD no concelho de Santarém. Isso ajudou a ilustrar que o que estava em causa não era um problema com uma pessoa mas sim de uma ruptura com a força política que os tinha eleito. Julgo que alguns dos que na altura deram esses passos hoje não o dariam. Ficou desiludido com a forma de actuar da sua ex-camarada?Para nós, e para mim em particular, não é agradável uma situação deste tipo, em nenhuma circunstância. É preferível manter a discussão no plano interno, que por vezes é muito dura e violenta até, mas em que há um conjunto de objectivos e princípios de trabalho que se mantém. Não pensamos todos da mesma maneira e isso até é saudável. Mas há uma coisa que nos caracteriza e nos diferencia das outras forças políticas: feita essa discussão e prevalecendo uma opinião maioritária e o apuramento de uma determinada linha de orientação, temos a capacidade de a defender em conjunto. É o resultado de uma discussão democrática em que uma minoria tem de se submeter à vontade da maioria. “Estamos a regressar aos piores tempos de antes do 25 de Abril”Na sua percepção, o que leva hoje um jovem a filiar-se no PCP?Aquilo que me levou a mim a compreender um conjunto de aspectos da sociedade e do mundo com as quais não me identificava e que estão hoje absolutamente actuais. Somos muitas vezes acusados de termos uma determinada cassete no discurso mas quando olhamos para o mundo à nossa volta vemos que a cassete não vem dos comunistas, vem sim daqueles que continuam a manter este tipo de sociedade. A luta de classes continua a fazer sentido?Faz todo o sentido. Há muitos anos, bandeiras de luta do PCP nesta região e noutros pontos do país, como a conquista das 8 horas de trabalho no campo ou da semana inglesa para os trabalhadores do comércio, são coisas que hoje estão postas em causa. A concretizar-se tudo isto, estamos a regressar aos piores tempos de antes do 25 de Abril. Estamos a regressar aos anos 40 e 50 do século passado.Estas épocas de acentuado conflito social são propícias para o PCP, sendo um partido de protesto, de luta. O PCP sente-se como peixe na água nestas conjunturas.Há quem nos atribua essa característica do “quanto pior melhor”. Isso não é assim e a história do nosso partido antes e depois do 25 de Abril prova isso. Quando as pessoas estão pior, quando a vida está pior, as coisas complicam-se também para nós. Agora é um facto que particularmente nestes períodos somos chamados a assumir um papel que mais ninguém assume. E muitas vezes assumimo-lo com alguma antecedência e até somos condenados por isso. Dizem que estamos fora do tempo, que nos falta modernidade, que temos sempre o mesmo discurso. Fica irritado quando gozam com a cassete comunista?O discurso da cassete tem de ser visto sob dois prismas. Um que é muito positivo: hoje dizemos uma coisa e amanhã dizemos o mesmo. Não mudamos em função da estratégia eleitoral. Depois há o outro lado da questão, que é o lado satírico. Quando nós falamos de coisas que mais ninguém fala dizem que estamos sempre a dizer o mesmo. O que é uma forma de desvalorizar e até de não perceber a evolução do nosso discurso e das nossas propostas. Porque nem sempre dizemos o mesmo e também evoluímos nas nossas posições.Nestas alturas é mais fácil mobilizar as pessoas para a mensagem do PCP?A situação do país e muitos problemas que surgem um pouco por todo o lado criam condições para algumas pessoas nos ouvirem com mais atenção e até com mais cuidado, como se calhar nunca o fizeram. Em função dos problemas que existem e da forma como actuamos pode dizer-se que a nossa vida fica mais facilitada porque as pessoas ouvem-nos melhor.

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