uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante

A casa, o rio e o campo na Ribeira de Santarém

O meu pai não tinha sandálias de vento mas, em 1957, pedalava na sua bicicleta noventa quilómetros semanais entre Santa Catarina e Santarém para tirar a carta de ligeiros e pesados passando pelo Alto da Serra, Rio Maior e São João da Ribeira. Trazia batatas, pão e azeite na cesta da bicicleta preta e comprava chicharros no mercado da cidade. Queria poupar no custo das refeições e por isso não as comprava feitas - era ele próprio a cozinhar os almoços e os jantares no fogareiro do quarto cedido pelo dono da escola de condução ali ao lado do automóvel desmontado para as lições de mecânica. Tempos difíceis em que as mulheres da nossa aldeia guardavam os ovos das galinhas para os trocarem na mercearia do senhor Ernesto por açúcar, arroz, massa, café e sabão - ora azul para a roupa ora amarelo para o soalho. Era um tempo de tarefas agrícolas a partir de um relógio invisível entre a sementeira e a colheita, entre o campo lavrado e a eira cheia de gente, entre o sacrifício dos dias trocados na vindima e a grande festa da adiafa da azeitona. Era um tempo de sável e fataça, enguias e robalos, pescados em barcos frágeis guiados na noite por lanternas pintadas de vermelho - pontuação de morte e de vida, ora a fartura ora o naufrágio. Era um tempo de casas frias, telha vã no tecto, cozinhas pobres onde a lenha verde custava a arder e as grandes brasas faziam falta para o ferro de engomar. Entre casa, rio e campo, o combustível da alegria era o vinho carrascão no barril de cinco litros, colocado à sombra para estar sempre fresco e matar a sede dos homens e mulheres dignos do nome de braços de trabalho. Toda essa memória antiga revive hoje no Museu Etnográfico da Ribeira de Santarém nas instalações do seu Rancho Folclórico ali na Travessa da Portagem.José do Carmo Francisco

Mais Notícias

    A carregar...