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“Aos 14 anos fui trabalhar na rega do milho, não levei enxada e aprendi uma lição de vida”

“Aos 14 anos fui trabalhar na rega do milho, não levei enxada e aprendi uma lição de vida”

Luís Valente, 42 anos, advogado, Santarém

O advogado Luís Valente reside em Santarém mas continua a pagar impostos em Vila Nova da Barquinha, fiel ao concelho onde nasceu. Tem 42 anos. Aos 14 foi trabalhar na rega de um campo de milho, não levou enxada e aprendeu uma lição. Desdobra-se por várias associações. Gosta de pescar e de ajudar o próximo. Já foi à barra do tribunal a troco de nada mas não se arrepende. Dar de si antes de pensar em si é o seu lema.

Um dia defendi um homem que não tinha dinheiro para me pagar, pedi-lhe que pintasse o quadro da minha rua em troca. um ano depois entregou-me o quadro, pedindo-me o dinheiro da moldura que tinha ficado a dever. Se fosse agora teria feito tudo da mesma forma. Não ter quem nos ajude quando precisamos é como sentir fome e não ter pão. Moro em Santarém mas continuo a pagar os meus impostos em Vila Nova da Barquinha, onde nasci. Quando comprei casa em Santarém não a identifiquei como residência principal. Preferi pagar os impostos a ter isenção. É um concelho que vai ficando desertificado. Enquanto puder vou lutar por manter a ligação à terra. O problema de muitas pessoas deste país é perderem a ligação às origens. Quando era criança aprendi a nadar no rio Tejo, o que hoje é uma coisa impensável por questões de segurança. O que é certo é que nunca houve nenhum acidente. Era uma das actividades do clube. Ao sábado de manhã íamos todos para o rio. A vila era toda voltada para o rio. Tenho um irmão mais novo. O meu pai era bancário e a minha mãe doméstica. Tive a sorte de ter uma mãe sempre à minha beira, o que hoje é raro. A primeira lição de vida que recebi foi aos 14 anos quando fui trabalhar na rega do milho e não levei enxada. O dono do campo, Francisco Redol Moita, olhou para mim muito espantado e perguntou-me se quando eu ia para a escola não levava caneta e caderno. Aprendi que o trabalhador rural precisa desse utensílio como outros profissionais precisam de outros instrumentos de trabalho. A enxada é um símbolo.A pena da nossa consciência é a pena maior de todas. É uma pena bem mais pesada que qualquer outra. O advogado tem uma virtude: não julga. A função de julgar é nobre. A da defesa também. Nós não somos obrigados a defender alguém em relação a um problema que violenta os nossos princípios. Procuro fazer o melhor que posso e sei de acordo com a minha consciência. Sou advogado 24 horas por dia e não posso deixar a minha enxada intelectual no armário. Tenho dificuldade em separar a vida privada da profissional porque é um todo. A minha esposa também é advogada. Não podemos é deixar que a vida profissional nos condicione ao ponto de nos inibir na totalidade da vida pessoal. As minhas várias actividades são quase como filhos. Estou ligado ao conselho de justiça da Associação de Futebol de Santarém, a um partido político, sou vice-provedor da Santa Casa da Misericórdia de Santarém, faço parte do Rotary e a partir do próximo mês irei exercer funções como presidente da assembleia geral da Casa do Ribatejo. Também sou presidente da assembleia geral da Associação de Feirantes. Levanto-me às cinco da manhã para ir pescar. A água é um elemento purificador e iniciático. Chego à beira da água ainda o dia não nasceu. Também trabalho pela noite dentro quando é preciso. Há que saber aproveitar o silêncio que a noite traz. Não tocam os telefones e não há o barulho. Estou na fase do peixe até me cansar. Por agora não troco nada por um salmonete. É claro que como uma costeleta se tiver que ser. Sou um clássico. Uso gravata, escolho-as e sou muito criterioso. Peço sempre uma opinião. Ouço-a. Depois aceito-a ou não. O meu primeiro cliente particular foi Francisco Redol Moita por causa de um camião com excesso de carga de milho. Foi autuado. Fiquei muito reconhecido pelo facto do agricultor ter depositado em mim essa confiança de lhe patrocinar a defesa. Acima de tudo para ele o processo correu bem. Quando uma pessoa nos entrega o caso sente que tem ali o maior problema do mundo. Gosto de esquiar mas não me passava pela cabeça endividar-me para ter umas férias na neve. Vamos ver se este ano a vida me dará essa oportunidade. A vida tem esta coisa fantástica: tudo aquilo que queremos está lá. Tudo depende de nós. É claro que temos que analisar as questões de acordo com as nossas possibilidades. Dar de si antes de pensar em si é um feliz lema de vida para qualquer um. Há pessoas que torcem o nariz à palavra caridade mas eu não. Que coisa mais bonita pode existir do que dar com amor algo a alguém não querendo nada em troca?Ana Santiago
“Aos 14 anos fui trabalhar na rega do milho, não levei enxada e aprendi uma lição de vida”

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