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Dinossauros saurópedes e cavalinhos de mota

Depoimento

*Alberto Bastos

De vez em quando há entrevistados que, perante algumas perguntas, prometem contar-nos tudo desde que desliguemos o gravador. A situação torna-se shakespeariana. “Desligar ou não desligar, eis a questão”. Eu desligo. Resisto, insisto, mas quando pressinto que vou perder uma confissão, desligo. Contrariado mas desligo. Algumas vezes a confidência feita em “off” é irrelevante. Outras vezes o seu interesse informativo é diminuto. Raras vezes se trata de uma revelação “bombástica”. A montanha pariu um rato seria a frase a usar para classificar quase todas as situações em que me foi pedido que desligasse o gravador. Uma das vezes que me deram uma informação em “off” foi em Julho de 1994, em Torres Novas, à margem de uma conferência de imprensa para revelar um achado extraordinário que viria a custar 4,5 milhões de euros (na altura o pagamento foi em escudos) ao erário público. Tinham sido encontrados numa pedreira em actividade, perto da aldeia do Bairro, na Serra D’Aire, trilhos de dinossauros que se calculava terem 170 milhões de anos.Lembro-me que, no auditório do Museu Municipal Carlos Reis, foi mostrado um molde de uma das enormes pegadas de saurópedes. Um jovem espeleólogo da STEA, Sociedade Torrejana de Espeleologia e Arqueologia de nome João Carvalho foi apresentado como o responsável pelo achado. O descobridor, que tinha uma perna engessada, contou que andava na serra à procura de fósseis e que se apercebeu que na zona onde decorria a extracção de pedra calcária na Pedreira explorada pela família Galinha estavam marcados os trilhos dos sáurios. O momento era solene. O director do Museu de História Natural, Galopim de Carvalho, considerado um especialista na matéria avalizara a descoberta. Ele e a jovem investigadora Vanda Santos. A caminho estava um perito americano. Os dinossaúrios tinham passeado por ali quando em vez de uma pedreira o local era um pântano. A descoberta era de incalculável valor científico. Permitia grandes avanços no estudo daqueles animais entretanto extintos. Permitia, segundo o presidente da câmara, grandes avanços na atracção de turistas. O jovem espeleólogo amador foi obrigado a repetir, uma e outra vez, a história do “achamento” durante uma rotineira “caça” aos fósseis. A meu lado, um outro jovem da STEA deu-me uma cotovelada e com ar divertido contou-me uma outra versão da história. “Se ele não tivesse ido fazer cavalinhos com a mota para a laje da pedreira, não tinha partido a perna, nem tinha descoberto as pegadas”. Perante o meu sorriso cúmplice fez o sacrossanto pedido. “Mas não escreva isso no jornal. Afinal também é verdade que andamos constantemente por aqueles lados à procura de fósseis. E a história que ele contou sempre dá outra credibilidade à STEA”.Respeitei o pedido. Não me custou nada. Primeiro porque não consegui confirmar a versão motoqueira por mais que me esforçasse a espremer o descobridor das pegadas e outros apanhadores de fósseis. Segundo porque o que importava era a descoberta e não a forma como fora feita. A versão oficial do nascimento do Monumento Natural da Pedreira do Galinha cresceu e desenvolveu-se de tal forma que agora é tão verdadeira como a versão oficial da aparição de Nossa Senhora aos Pastorinhos. Mas tenho que confessar que me tinha dado muito mais prazer ter contado a história do espeleólogo a fazer cavalinhos de mota ao pôr do sol, naquela imensa laje de sessenta mil metros quadrados. *Jornalista

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