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Acesso aos fundos comunitários foi tão burocratizado que quem quer candidatar-se tem que consultar 70 regulamentos

Acesso aos fundos comunitários foi tão burocratizado que quem quer candidatar-se tem que consultar 70 regulamentos

Com a crise financeira é mais que provável haver candidaturas ao QREN que não vão avançar porque os municípios não têm dinheiro

Chama-se António Torres e é director executivo da Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo. Tem uma postura discreta e uma figura franzina mas tem poder e está de pedra e cal na organização. Em 2006 o presidente da Câmara de Santarém, no auge da guerra que levaria à constituição de três empresas de águas em vez da única que estava prevista, escolheu-o como alvo a abater e falhou redondamente. Defende a transferência de competências da administração central para a CIMLT. Acusa os responsáveis pelo actual Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) de terem ligado o “complicómetro”.

Se eu lhe perguntar se a Lezíria aproveitou bem os fundos comunitários dir-me-á que sim. Mas há críticas quanto à forma como muitos desses fundos foram aplicados.Nos anteriores quadros comunitários as taxas de absorção foram sempre de cem por cento. E quanto à aplicação do dinheiro podemos dizer que os resultados estão à vista. Aumentou-se muito a qualidade de vida das populações. Na Lezíria do Tejo e no país em geral. Todas as sedes de concelho estão dotadas dos principais equipamentos sociais. Bibliotecas, cineteatros, piscinas, etc.. Neste Quadro fez-se um esforço muito grande em termos de centros escolares. Os municípios da Lezíria fizeram investimentos acima dos 40 milhões de euros nessa área. Tudo isto contribui para a melhoria das condições de vida e para o desenvolvimento. Continua a haver duplicação de investimentos. Equipamentos iguais a meia dúzia de quilómetros uns dos outros, por exemplo. Isso tem a ver com a organização política e social. Vamos imaginar dois municípios que são contíguos e que acordam que a piscina fica num e o pavilhão no outro. Aparecem logo críticas das populações e nas próximas eleições isso vai servir de bandeira para os candidatos dizerem que vão fazer a piscina da terra. É a lógica eleitoral.Que contribui para o esbanjamento de recursos. Aqui na Lezíria não existem muitos exemplos desse género. O actual Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) está a correr bem? Em relação ao que dissemos que íamos fazer e fizemos este é o que está a correr melhor. Dissemos que iríamos apostar na educação e de 72 milhões, 44 estão dedicados a escolas. Mas este QREN arrancou tarde e, segundo alguns autarcas, as regras estavam sempre a mudar. Sim houve alterações substanciais. Neste quadro comunitário meteram um “complicómetro”. Só aqui para os municípios, na parte que eu estou a gerir, há 21 regulamentos. Ao todo no QREN acho que são 70. Uma pessoa que queira fazer uma candidatura tem que ir ver a 70 regulamentos para descobrir onde a candidatura pode caber. No anterior quadro não havia nada disto.Entre as suas leituras (ver perfil) estão livros policiais. É para descobrir os autores deste género de crimes? (riso) Deve haver um regulamento único com as tipologias de despesas elegíveis. E depois os próprios eixos é que dizem o que é elegível e o que não é. Houve uma excessiva burocratização neste QREN. A crise pode fazer com que algumas autarquias venham a desistir de algumas candidaturas ao QREN? Deve ser impossível para algumas arranjar a sua parte para pagar num investimento para o qual há fundos comunitários?É provável. Não tenho conhecimento directo mas o investimento baixou bastante ao nível de todos os municípios. Basta ler O MIRANTE para verificar que os orçamentos municipais aprovados para este ano são todos menores...Chegou o tempo das vacas magras...Eu costumo dizer, na brincadeira, que em 1990 os autarcas mergulharam na piscina dos fundos comunitários e nunca mais ninguém tirou a cabeça debaixo de água. Foi sempre a fazer, fazer...alguma vez tinham que respirar. Estamos no fim de um ciclo. Houve um ciclo em que as câmaras, até por causa da lei das finanças locais, tiveram mais dinheiro. Agora os municípios fazem muitas contas antes de avançar. Já não vão a todas. Havia presidentes que diziam que não queriam saber do endividamento que isso logo se veria e que o essencial era captar fundos comunitários. E o povo dizia. Este é que é um bom autarca porque foi buscar muitos fundos comunitários...Não deve ser fácil estar na pele de um autarca. Imagine que tem um projecto de 1 milhão de euros e que lhe dão uma comparticipação de 850 mil. Sabe que se vai ver aflito para conseguir arranjar os restantes 150 mil mas não quer perder a oportunidade. É um dilema muito grande, principalmente se se trata de algo muito importante para a população. A ideia que o cidadão comum tem é que são uns senhores lá em Bruxelas que definem o que os municípios devem fazer. Num ano estão todos a fazer rotundas, noutro estão a recuperar cineteatros, agora estão todos a fazer escolas...A aposta da educação era uma bandeira do anterior governo. O Governo faz a proposta a Bruxelas e normalmente aquele tipo de proposta dos governos é aceite.Não é a União Europeia que nos manda fazer rotundas? Os programas são feitos nas CCR (Comissões de Coordenação Regional). Fazem um diagnóstico estratégico da região e distribuem as verbas por determinados eixos. O eixo 1 para zonas industriais, o 2 para desenvolvimento urbano, o eixo 3 para equipamentos, estradas, etc., o 4 para valorização ambiental, o 5 para capacitação institucional... Depois os municípios vão candidatando.Qual o papel da Comunidade Intermunicipal? Desde 94 fazemos a gestão dos fundos. São os municípios que nos apresentam aqui as candidaturas. Vamos analisando e apoiando.Desde essa altura até agora qual foi o montante de dinheiro comunitário canalizado para investimento municipal?Cerca de 250 milhões de euros.“Agora queremos competências que estão nas mãos do poder central” A Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo, começou por ser Associação de Municípios da Lezíria do Tejo, passou (quando o secretário de Estado da Administração Local era Miguel Relvas) a Comunidade Urbana da Lezíria do Tejo e depois à designação actual. Prevê nova mudança? Nós temos as letras que foram passando pela fachada do edifício, todas guardadas e vem aí uma nova alteração. Quase de certeza. Está a ser feito um novo estudo. Pode ser que ainda aproveite algumas das letras dos antigos nomes. No tempo da Comunidade Urbana receberam novas competências e pode vir a acontecer o mesmo? Tem havido benefícios para os municípios?Há muitas competências dos municípios que estão delegadas em nós. Eu tenho algum receio que o estudo que esteja a ser feito seja no sentido de passar mais competências dos municípios para nós. O que acho que devia acontecer era as transferência de competências da administração central para nós. A passagem de competências dos municípios para a Comunidade Urbana foi vantajosa de que forma? Fazemos a gestão dos elevadores na Lezíria; damos os pareceres sobre os licenciamentos dos combustíveis; sobre o ruído de vizinhança. Somos nós que fazemos a higiene e segurança em obra. Criámos uma central de compras electrónica onde temos concursos que lançamos com economia de escala para todos. Os autarcas deviam ter presentes essas situações mais vezes. Todos os seguros dos municípios associados foram contratados por nós com poupanças na ordem dos duzentos e tal mil euros/ano. Em cinco anos dá um milhão de euros. Lançámos o concurso dos telemóveis. Temos quatrocentos e tal telemóveis no conjunto das autarquias em que falamos todos a zero é uma rede como se fosse de uma empresa. Já tínhamos um tarifário muitíssimo bom. O concurso foi há duas semanas, pagávamos 230 mil euros por dois anos, vamos pagar 108. Vamos falar a um cêntimo por minuto. Santarém da primeira vez não quis entrar, quando estava no auge da polémica da Águas do Ribatejo, mas entrou agora. Vai ter uma poupança de 70 por cento em relação ao que pagava. Pagava 52 mil euros em cada dois anos e vai pagar apenas 15 mil. Vamos lançar um concurso para a energia de baixa e média tensão para todos os edifícios que as câmaras têm. Quase de certeza que vai haver economia.Que competências poderiam vir da administração central para a Comunidade Urbana?O que eu vou dizer é uma opinião pessoal. Há várias competências que poderiam ser transferidas. A nível de urbanismo, por exemplo. PDM (Planos Directores Municipais), Planos Gerais de Urbanização, Planos de Pormenor. Haveria vantagens para todos. A nível da cobrança de impostos também. Do IMI, por exemplo. Eu não me importava. Podia eventualmente ser a maneira de concretizar uma ideia que tenho há anos e que não consigo concretizar, que é a elaboração do cadastro urbano da Lezíria do Tejo.Quem tem essa responsabilidade do cadastro actualmente? Três entidades que não se entendem. Ministério da Justiça, das Finanças e do Planeamento e Ordenamento. Houve tentativas mas ninguém conseguiu elaborar o cadastro. Anda-se a falar nessa actualização há tanto tempo.No âmbito da sociedade de reabilitação urbana estamos a fazer os programas estratégicos para as áreas definidas. Vamos imaginar a área de reabilitação urbana de Santarém ou Almeirim, tanto faz. Fui às Finanças para me darem a moradas dos proprietários porque temos que falar com eles. Deram-me a base do IMI, que é pública para os municípios. De 500 só identifico 250. Os outros 250 não consigo. E nós temos a cartografia toda já referenciada ao nível do número de polícia. Se nos transferissem essa competência, com meios e com a possibilidade de ao mesmo tempo fazermos o cadastro, acho que toda a gente ia ficar a ganhar. Porque há disparidades enormes. Não pode haver uma garagem com um IMI igual ao de uma vivenda. Está errado.Mesmo em férias não desliga do trabalhoAntónio Manuel Carvalho Torres, director executivo da Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo e assessor da empresa “Águas do Ribatejo”, nasceu em Lisboa, no largo de Santo Antoninho nº 12, sobreloja, no bairro da Bica e lá viveu até aos nove anos. De cada vez que vai a Lisboa em serviço e tem tempo, passa por lá para recordar a sua meninice de brincadeiras na rua, com carrinho de rolamentos e viagens à pendura no elevador. Trabalha em Santarém desde 1994. Reside na cidade desde 2007. Gosta da região mas continua lisboeta. Um Lisboeta que esteve sempre fora de Lisboa. Aos nove anos foi para Carnaxide. Aos 18 para Aveiro onde esteve seis anos e se licenciou em Planeamento Regional e Urbano. Após uma breve passagem pela Comissão de Coordenação Regional do Centro, em Coimbra, foi para CCDR de Lisboa e Vale do Tejo em 1989 e de lá para Santarém.Em miúdo chegou a jogar futebol nos iniciados e juvenis do Belenenses e o gosto pelo futebol nunca morreu. Até há pouco tempo jogava regularmente com amigos mas tem estado lesionado. É benfiquista com todas as virtudes e defeitos que acarretam as grandes paixões clubísticas, não aprecia touradas e gosta de ler policiais e romances de espionagem. Tem sempre um na mesa de cabeceira. Frederick Forsyth, Daniel Silva, Robert Wilson são alguns dos seus autores favoritos. Diz que adorou a trilogia do falecido Stieg Larsson em que se baseia o filme recentemente estreado em Portugal, “Os homens que odeiam as mulheres”.António Torres é casado e tem dois filhos, gosta de viajar, não tem ipad e mesmo em férias não desliga do trabalho nem desliga o telemóvel pois sabe que quem está envolvido na gestão de 72 milhões de euros de fundos comunitários - quantia contratualizada entre a CIMLT e Comissão de Coordenadora do Desenvolvimento Regional do Alentejo - não se pode dar a esses luxos.O futuro dirá quem meteu água no processo das águasOs municípios da Lezíria faziam gala da sua união e solidariedade institucional até à altura da constituição da empresa “Águas do Ribatejo”. O que aprendeu? Aprendo todos os dias e hei-de morrer sem saber tudo. O processo das Águas foi concebido para vários municípios e depois houve dois (Santarém e Cartaxo) que saíram.Isso é conhecido. Não foi um bom exemplo de solidariedade e muito menos de diálogo. Não posso ir contra a legitimidade de quem é eleito. Houve dois municípios que consideraram que estando sozinhos era melhor para eles. Houve outros que consideraram que a soma das partes era mais vantajosa e mantiveram-se no processo.O que falhou? Admito que inicialmente o processo possa ter sido mal explicado em alguns municípios.Nessa altura, em 2006, o presidente da Câmara de Santarém chegou a pedir a sua demissão, lançou várias suspeitas sobre a sua idoneidade e honestidade e anunciou publicamente que nunca mais iria a uma reunião da Comunidade enquanto o senhor exercesse o cargo. A situação está ultrapassada? Tenho uma óptima relação com a Câmara de Santarém e para mim todas as câmaras são iguais. O futuro vai dar resposta a muitas questões que foram levantadas nessa altura. A Câmara de Santarém constituiu a Águas de Santarém e a Câmara do Cartaxo a Cartágua. Dá-se bem com o ex-presidente da Câmara do Cartaxo, Paulo Caldas? Dou.Vale a pena perguntar-lhe se se dá bem com Moita Flores?Não.
Acesso aos fundos comunitários foi tão burocratizado que quem quer candidatar-se tem que consultar 70 regulamentos

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