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“A minha paixão era não ver este mundo cão em que estamos a viver”

Bruno Graça é presidente há mais de vinte anos e diz que o trabalho da Gualdim Pais é difícil de igualar

Muito trabalho, muitos projectos concretizados e muita desilusão à mistura. É este o retrato da maior colectividade do concelho de Tomar, traçado por quem melhor conhece os cantos à casa. Uma visão crítica de alguém que não se limita a culpar o Governo e as entidades oficiais mas que põe o dedo nas nossas feridas seculares. “Falta cultura de rigor, qualidade e empenhamento neste país”, declara.

Como é que aconteceu ser presidente da Sociedade Filarmónica Gualdim Pais antes do 25 de Abril de 1974? Era estudante do Instituto Superior Técnico de Lisboa e integrava um grupo de jovens de Tomar que lutava contra a guerra colonial e o fascismo. Aos fins-de-semana vínhamos para Tomar, trazíamos máquinas de cinema do cineclube universitário, já havia grupo de teatro, e criámos um centro cultural dentro da SFGP. Os directores de então convidaram-me para a direcção e no ano seguinte fui convidado para ser presidente, que assumi durante mais de um ano, em 1972-1973.O trabalho foi interrompido pela tropa em Angola.Estava lá ainda no 25 de Abril. Era oficial de manutenção por causa do curso de engenharia.No regresso a Portugal entra na política.Andei pela UDP durante muitos anos como dirigente distrital e nacional quando a AD estava no poder. Acabei por estar quatro anos em lista do PS na assembleia municipal. Quando saí da assembleia, em 1986, voltaram a convidar-me para assumir a presidência da Gualdim Pais e tenho sido presidente desde então. Esta ligação à política, à Câmara de Tomar e à Gualdim Pais nunca trouxe controvérsias?Sempre disse o que pensava. Quando cheguei era dirigente nacional da UDP e militante do PCPR.Mas não se dava bem com o anterior presidente de câmara, António Paiva.Não era com ele, era com as políticas dele que conduziram Tomar à situação em que está hoje. Mas foi no tempo dele que a câmara nos deu o terreno para a creche e jardim-de-infância e para o pavilhão. Sempre dissemos um ao outro tudo o que tínhamos a dizer, de olhos no olhos. Passa muito tempo na sede?Dispenso muitas horas. Quando era professor vinha ao fim de semana, mas sempre tive boa gente a acompanhar-me. Somos 14 directores. Ainda resta um da primeira direcção, o Carlos Joaquim. Uns já faleceram, outros saíram.Ganham-se ou perdem-se anos de vida num lugar como este?Se fazemos as coisas por gosto passamos os anos com satisfação. Não se ganha nada monetariamente, até se perde nalgumas coisas. Se for a Lisboa tratar de algum assunto ou almoçar fora, é óbvio que nem eu nem outros vamos cobrar isso.Tem uma rotina muito marcada?Passo por aqui o dia. Chego de manhã às nove horas vejo o que há, a correspondência. Depois posso ir ler um livro, um jornal ou beber um café. Tomar é uma cidade suficientemente pequena para voltar rapidamente quando é necessário. Outras vezes, se há reuniões passo cá todo o dia. Esta casa precisaria quase de directores a tempo inteiro. Temos um orçamento de 1,5 milhões de euros e 60 funcionários do quadro, os restantes são de prestações de serviços.Este cenário é compatível com dirigismo amador?O problema aqui é ser bem feito ou mal feito, não com amador ou profissional. Tem que haver conhecimento grande do meio, perceber as coisas, para que em cada momento não estarmos fechados, estarmos abertos a inovações. Começámos a dar aulas de música a 50 crianças do primeiro ciclo sem que elas paguem nada, mas são os nossos potenciais alunos de ensino articulado no próximo ano.Escolas artísticas em risco com financiamento sem regulamentosA nau Gualdim Pais é para manter em velocidade de cruzeiro, sem grandes aventuras?O grande problema neste momento é o não cumprimento por parte do Estado das suas obrigações. Temos um problema grave que é o ensino articulado porque o ministério não autoriza o pagamento de mensalidades nos cursos de música e dança. O Estado assumiu esse encargo através do Programa Operacional de Potencial Humano, do Quadro de Referência Estratégico Nacional, como se fosse uma qualquer acção de formação. Temos verbas a receber até 30 de Novembro de 2011, devem-nos quase 200 mil euros. É insuportável. Há salários em atraso?Neste momento temos muitas dificuldades em pagar os vencimentos. Temos algumas linhas de crédito. Esta dívida tem a ver com o que já pagámos até Dezembro, agora simplesmente não temos o dinheiro. Vamos aguentando o barco com alguma engenharia para colmatar as coisas. Ou Governo e POPH assumem as suas responsabilidades ou as escolas artísticas das zonas deprimidas, com acesso ao POPH, vão fechar uma a uma.Pensa ficar muito mais tempo na presidência?Há um conjunto de situações que me leva a pensar seriamente em abandonar todas estas actividades de vez. Tem a ver com um olhar para trás, fazer balanço crítico, do que valeu e não valeu a pena. Tive sempre múltiplas actividades. Neste momento não tenho a paixão que tinha quando comecei há 20 anos. Não será olhar demasiado para o próprio umbigo?Se calhar, mas faz sentido que se tenha colocado as escolas de música a serem financiadas pelo POPH sem ter um regulamento como deve de ser? É para acabar com elas? Mais vale dizerem que a partir do dia 31 de Agosto de 2012 não há financiamento para as escolas artísticas e o povo que decida se as quer ou não quer. Essas preocupações desgastam os dirigentes?Em vez de pensarmos no novo pavilhão estamos preocupados com coisas com as quais não devíamos estar preocupados. É o desalento de um povo que deixa que as coisas aconteçam, que lamenta, mas não é capaz de dar um murro na mesa. Apetece-lhe dar um murro na mesa?Apetece-me, não resolvo é problema nenhum. Fico é com a mão aleijada!Somos de demasiados brandos costumes perante as dificuldades e os atropelos?Somos muito pouco rigorosos naquilo que fazemos. Temos uma cultura em que rigor, qualidade e empenhamento são muito ténues. A Gualdim Pais é a sua paixão?A minha paixão era não ver este mundo cão em que estamos a viver.Difícil de igualarFundada em 28 de Março de 1877, a Sociedade Filarmónica Gualdim Pais (SFGP) teve por fim manter a actividade regular de uma banda filarmónica que preservou e desenvolveu até à actualidade. Com cerca de 3000 sócios, a popular colectividade de Tomar tomou uma grandeza difícil de igualar. Criou escolas vocacionais de música e de dança que reúnem, no seu conjunto, 480 alunos e 36 professores.A sede social, junto à biblioteca municipal e escola secundária, foi aberta em 1988. Na área desportiva eclodiram nas duas últimas décadas modalidades que têm projectado o nome de Tomar pelo país e pelo estrangeiro - o judo, a ginástica e a natação. Movimentam cerca de 300 atletas e desportistas e têm como referências os campeões dos trampolins Nuno Merino e Ana Rente. A oferta social e educacional cresceu nos últimos anos. Em 2002 foi criado o Centro de Actividades de Tempos Livres para 70 crianças, mas a instituição também assegura o funcionamento das actividades de enriquecimento curricular de 30 escolas de I ciclo dos agrupamentos Gualdim Pais e Nuno Álvares Pereira. Em 2009, surgem a creche e jardim-de-infância que albergam 39 bebés e 49 crianças, num edifício de rés-do-chão e primeiro piso, em frente do qual vai ser criado um parque infantil.O terreno onde foram erguidos os equipamentos conta com espaço suficiente para a construção do pavilhão gimnodesportivo, a maior ambição da SFGP no momento. O projecto está há muito aprovado na câmara, faltando reunir condições financeiras para que seja uma realidade e dote as modalidades de ginástica e trampolins de recinto à altura, mas também a música e dança de condições que não possuem na actual sede.Em 2011, o Centro de Estudos Superiores de Música e das Artes do Espectáculo foi criado para formar músicos que alimentassem a orquestra, o que está em stand-by. Acções de formação e workshops de música são agora prioridades do CESMAE. A SFGP tem ainda tempo para organizar anualmente o Tomarimbando - Festival Internacional de Percussão de Tomar durante cinco dias. Com um orçamento de cerca de 1,5 milhões de euros, trabalham para o emblema tomarense mais de 90 pessoas, 60 das quais do quadro e os restantes em prestação de serviço.A SFGP já foi agraciada com medalhas de ouro, entre outras, da Federação Portuguesa de Colectividades de Cultura e Recreio, Federação Portuguesa de Ginástica, Cidade de Tomar e nomeada sócio de mérito da Associação de Patinagem do Ribatejo.

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