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“Acredito que vamos ultrapassar a crise mais cedo do que esperávamos”

Álvaro Pinto Correia, engenheiro civil de formação, reformou-se no sector bancário

Aos 79 anos Álvaro Pinto Correia mantém um dinamismo de fazer inveja a qualquer jovem. Continua a trabalhar porque sente energia no corpo e leveza no espírito. O engenheiro civil de formação, que acabou ligado à banca, pai de três filhas e avô de oito netos, é um optimista por natureza e acredita que a crise vai passar mais depressa do que se faz crer.

Aos 79 anos continua a trabalhar com grande dinamismo. Qual é o segredo? Parar é morrer. Como me sinto bem de saúde e a cabeça ainda funciona vou continuando as minhas actividades apesar de estar reformado da Caixa Geral de Depósitos. Sou o presidente da Assembleia Geral do Banco Alimentar Contra a Fome de Santarém, por exemplo. A gente tem sempre tempo para aquilo que gosta de fazer. Continuo muito ligado à terra. Todos os fins de semana são passados em Santarém. Isto apesar de estar em Lisboa há muitos anos…As pessoas que são de Lisboa não têm terra. Abracei esta cidade porque foi aqui que exerci a minha actividade. Tal como aconteceu em países africanos. Qual foi o episódio mais caricato que viveu em África?Lembro-me que uma vez fomos à Beira, em Moçambique. Éramos oito pessoas para participar numa reunião. Quando entrámos no hotel uma senhora disse-nos que a reunião era no último andar. Entrámos e o elevador parou a meio. O chão começou a deslocar-se e as pessoas quase entraram em pânico. Eram pessoas importantíssimas. Apanharam um susto valente. Felizmente tudo acabou bem duas horas depois. É verdade que África é o futuro?Se aqui há pouca possibilidade de emprego essa é uma hipótese. É um mercado que pode ser explorado desde que as pessoas não se convençam que é chegar a África e abanar a árvore das patacas, como fizeram em tempos. Tem que se ir com capital para investir e arranjar parcerias.Passou-lhe pelas mãos a questão do aeroporto quando estava perspectivado para a Ota. Agora fala-se da Portela mais um e estão a ser estudadas possibilidades… Não será uma boa solução atamancar. Vale a pena equacionar o novo aeroporto e tentar avançar quando for possível. Este aeroporto está dentro da cidade e não corresponde às necessidades. Em 2017 pode estar saturado. Já não falta muito.Que expectativa tem sobre os jovens e recém formados?Gostava que ficassem no país, sobretudo aqueles que são bons. Vejo com tristeza que os mais qualificados abandonam o país. São esses que lá fora mais facilmente se empregam. Precisamos aqui de todas as pessoas válidas para atravessar a crise. É mais fácil iniciar hoje uma carreira do que era no seu tempo?É muito mais difícil. No meu tempo nos cursos técnicos, nas medicinas e nas economias a pessoa formava-se e tinha emprego. Quase que podia escolher. Hoje isso não acontece.Mas há a ideia de que tudo está mais facilitado. Não estou de acordo com isso. Para entrar em medicina ou economia exigem-se médias altas que poucos têm. A determinada altura começou a valorizar-se o ensino superior em detrimento do profissional. Quase que acabou mas hoje está a voltar-se ao ensino profissional. Fizeram-se cursos superiores que não têm qualquer finalidade e as pessoas não arranjam emprego. O ensino superior dá uma boa formação de base mas se não tiver aplicação não serve de muito. Chegou a ser mandatário da candidatura do Presidente da República em Santarém. Como digeriu o comentário de Cavaco Silva sobre a reforma que não chegaria para pagar as despesas?O senhor Presidente da República tem tido uma actividade meritória. Mesmo que a frase tenha sido infeliz, que o foi, temos que olhar para o conjunto do seu trabalho e, esse sim, tem sido muito positivo. Chocou-o a manifestação dos cidadãos a pedir uma moeda para o presidente?Chocou-me profundamente. A iniciativa também foi uma infelicidade e possivelmente orquestrada por alguns partidos políticos. De qualquer forma é triste saber que no país existem pessoas na miséria…É preocupante. Sobretudo pessoas que trabalharam uma vida. Dá-se conta de idosos em situação mais vulnerável?Sim. Sobretudo pela minha ligação ao banco alimentar. Há pessoas da classe média que passaram a viver em situação de pobreza. Recorrem a estes organismos para sobreviver. Há casais que perderam o emprego. Felizmente apesar da crise as pessoas estão muito sensibilizadas para o problema, continuam a contribuir e a ser muito solidárias para o Banco Alimentar.Há quem diga que o pior da crise ainda está para vir. Partilha dessa opinião?Sou um optimista por natureza. As medidas que o Governo tomou, depois de andarmos muito tempo a esconder uma situação difícil, são medidas pesadas para a maioria mas que acredito que vamos conseguir ultrapassar isto mais cedo do que esperávamos. Em 2013 somos capazes de estar já numa situação mais aliviada. Preocupa-o a situação dos empresários da região?Preocupa-me muito por causa da falta de apoio da banca. Como baixou muito a liquidez os bancos têm dificuldade em apoiar os empresários como até determinada altura o fizeram . O tecido empresarial tem condições para se aguentar? Vão aguentar-se os muito bons. O resto terá dificuldade. Uns não pagam porque não lhes pagaram. Gera-se um ciclo vicioso. Considera errado que a determinada altura grande parte dos portugueses tenha comprado casa sem equacionar rendimentos?Na altura em que resolveram comprar casa a banca facilitou-lhes demais os empréstimos já que até permitiu que com o dinheiro para a casa se comprasse a mobília e electrodomésticos. As pessoas compravam porque era igual pagar uma mensalidade ao banco ou pagar uma renda. É o Estado invertido. Quando estive no Governo em 1977 quis fazer uma revisão da leis das rendas quando não havia ainda inflação e se o tivesse feito na altura nunca teríamos chegado aqui. Não foi feita. Paciência. O que se fez agora veio melhorar um pouco o mercado do arrendamento. Acha que vai inverter-se esta tendência?Acho que as pessoas vão começar a alugar mais casas. Sobretudo no início de vida. Antigamente compravam casa e isso prendia os casais a determinada localização. Penso que o arrendamento vai ser melhor até para questões de mobilidade. O senhor em Lisboa vive num apartamento?Vivo num apartamento arrendado. Em Santarém temos coisas de família que herdámos e que procuramos manter. Quando aluguei casa isso era muito comum. As poupanças das pessoas com alguma capacidade financeira eram canalizadas para prédios. Compravam-nos, alugavam-nos e viviam disso. Isso também está ultrapassado. Moro nessa casa há 45 anos. Como é a sua vida na capital?Gosto muito de ir ver os concertos das grandes orquestras à Gulbenkian. É o meu hobbie favorito. Como temos uma parte agrícola da família para gerir ao fim de semana vou para Santarém.O que tem na parte agrícola?Uva para vinho, uva de mesa, pomar de nozes, e milho. Temos quem lá trabalhe e eu asseguro a gestão. É saudosista em relação ao tempo em que se vivia da agricultura?Hoje a agricultura que tem alguma dimensão continua a ser forte. É um caminho a seguir porque a este nível dependemos muito do exterior. O Ministério da Agricultura está a fazer grandes apostas no país e acho que vamos conseguir dar a volta. Como se dá com as novas tecnologias?Não estou adaptado e devo dizer que nunca me preocupei muito com isso. Nesta idade não quero frustar-me por não tentar trabalhar com as novas tecnologias. O senhor tem acompanhado a emancipação das mulheres. Acha que a evolução foi demasiado rápida?Não. Quando estava na universidade tive uma única colega de curso. Hoje as mulheres têm grande actividade profissional. Passaram a ser muito mais activas e independentes. Felizmente. Anda de fato e gravata. Custa-lhe?Não me custa nada. Habituei-me. Hoje vejo muita gente andar sem gravata. Até a senhora ministra da Agricultura tentou que os seus colaboradores deixassem de usar. São daquelas medidas que servem para descontrair. Quando vou para Santarém não coloco a gravata mas é outro ambiente… Quando se fala dos homens ribatejanos fala-se de marialvas…Haverá marialvas no Ribatejo como haverá marialvas em outros sítios do país. Eu gosto de tauromaquia e no entanto nunca andei a pegar toiros (risos). Um exemplo de dinamismo aos 79 anosSão precisas muitas folhas em branco para descrever com rigor o vasto currículo de Álvaro João Duarte Pinto Correia. Nasceu em Tremês, concelho de Santarém, a 4 de Junho de 1932. Tem 79 anos mas continua com um dinamismo invejável. Formou-se em engenharia civil pelo Instituto Superior Técnico, em Lisboa. Foi professor universitário até que ingressou no mundo da banca. Chegou a administrador da Caixa Geral de Depósitos. Passou pela área dos seguros e teve uma carreira internacional. Foi coordenador da comissão de negociações da dívida de Angola e administrador da Sociedade Hidroeléctrica de Cahora Bassa, Moçambique. Preside à administração da Fundação Cidade de Lisboa onde cumpre rigorosamente um dia de trabalho. Na região é presidente do Conselho Geral da Nersant (Associação Empresarial da Região de Santarém) e do Conselho de Administração da Parquiscalabis (Parque de Negócios de Santarém). A sua participação estende-se ainda a instituições de cultura, educação e solidariedade. Integra a Fundação Passos Canavarro e é presidente da mesa do Banco Alimentar da Luta Contra a Fome de Santarém. Fez parte dos órgãos sociais da Santa Casa da Misericórdia de Santarém, Casa da Europa do Ribatejo e ajudou a fundar a Escola Profissional do Vale do Tejo.Nos anos 70 passou pelo Governo como secretário de Estado da Construção Civil e da Habitação e Urbanismo. É Comendador da Ordem de Mérito Agrícola e Industrial, Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique e possui a Menção Honrosa de Cidadão de Mérito da Freguesia de Tremês. Tem ainda os títulos honoríficos de Ribatejano e Escalabitano Ilustre.É casado e pai de três filhas. A esposa, também ribatejana, é educadora de infância. Tem oito netos. Diz com orgulho que o mais velho se prepara para entrar para a faculdade. Durante a semana está em Lisboa. A sua numerosa família reúne-se com frequência aos fins de semana na Quinta da Besteira, na Portela das Padeiras, em Santarém.

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