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Os trampolins que permitiram às gémeas crescerem mais depressa

Ana e Andreia Robalo já chegaram a treinar com temperaturas negativas no pavilhão

Têm 19 anos e praticam a modalidade de trampolins desde os 10 anos. Dizem que têm uma vida igual à dos jovens da sua idade embora mais disciplinada. Nos tempos livres gostam de namorar e de sair à noite. Gostariam de ver os trampolins mais valorizados e de terem mais apoios. Quando participam em provas internacionais sem ser pela selecção as despesas são por sua conta.

Não gostam de ver alguém a trocar a vossa identidade. Preservam muito a diferença?Andreia - Hoje em dia já não ligamos muito ao facto de sermos gémeas. Antes ainda brincávamos, trocávamos de identidade, mas agora já não. Eu tenho um piercing no queixo, o que ajuda a distinguir, mas ainda levou algum tempo até que as pessoas decorassem (risos). Ana - Somos unidas, mas não somos unha carne com carne. Temos personalidades diferentes. Eu sou muito calada e reservada ao contrário da Andreia que não se cala. Treinam desde os dez anos a modalidade dos trampolins de segunda a sexta e por vezes aos sábados. Nunca pensaram em desistir e ter uma vida igual à dos outros jovens?Andreia - Não, porque temos tempo para fazermos tudo o que os nossos amigos já fazem. É uma questão de organização e gostamos de ter a vida preenchida. Ana - Não temos sempre provas ao fim-de-semana e conseguimos organizar programas normais nestes dias. Os namorados devem queixar-se de terem uma vida tão ocupada...Andreia - Antes de conhecer o meu namorado já tinha a minha vida assim estruturada e não vou mudar nada por ninguém. Ou gostam de mim assim ou então nada feito (risos)Ana - Também sentimos apoio, o que é muito importante.Fora dos trampolins como é que ocupam os tempos livres?Andreia - Vemos televisão, estamos no computador, estudamos e ao fim-de-semana gostamos de sair à noite.Ana - Também gostamos muito de filmes de terror. Também cometem alguns excessos como muitos outros jovens?Andreia - Se está a falar de beber ou fumar não porque nos conseguimos divertir sem precisar de cometer esses excessos.Ana - Chegamos é muitas vezes a casa já com o dia quase a nascer (risos)Que tipos de cuidado é que têm a nível da alimentação?Andreia - Não comemos tudo o que apetece, mas comemos sempre alguma coisa (risos). Temos de cuidar de nós, mas não é um desporto muito rigoroso que exija um rigor absoluto do peso embora ajude. Têm tido muitas lesões?Andreia - Já ando com uma lesão no joelho há algumas semanas e consigo dar uns saltos mas não podem ser muitos senão fico com dores. Já desmaiei no ar a dar um salto no duplo mini trampolim. Depois fiquei em casa um fim-de-semana e recuperei. Ana - Eu tive aos 15 anos um desvio da bacia, mas resolveu-se. Quando uma perde e outra ganha alguma competição, como é que dividem os sentimentos?Andreia - Gozamos uma com a outra (risos).Ana - É claro que se eu ganho e a minha irmã perde, fico triste por ela, mas não competimos directamente uma com a outra. Praticam uma modalidade que não é muito conhecida dos portugueses, o que acaba por não trazer muitos apoios ou patrocínios. Isto deve ser um bocadinho desmotivador...Andreia - Se estivéssemos aqui pelo o que os outros acham então já teríamos desistido. Falam tanto na Selecção Nacional de Futebol que muitas vezes só vai aos quartos de final... E depois temos vice-campeãs do mundo e toda a gente acha que é muito fácil. Não imaginam o esforço que está por trás. Ana - E temos jogadores de futebol ou outros atletas que a sua vida é só treinar. Nós temos a nossa vida normal e ainda mais o treino. Para além dos trampolins, também existem muitos outros desportos que não são valorizados e temos atletas tão bons. Chegam ao ponto de pagar para poderem competir?Andreia - Nas provas internacionais temos de pagar para ir receber medalhas por Portugal. Desde a viagem, à alimentação e à dormida. Quando vamos pela selecção não pagamos, mas sempre que vamos pelo clube temos de desembolsar tudo. Ana - Nem sequer temos qualquer apoio do Estado para pagar a mensalidade do clube. Felizmente a minha mãe arranjou um patrocínio e a Câmara de Coruche sempre deu uma ajuda nestas deslocações. Para além disto temos de pagar também do nosso bolso as sabrinas e os fatos de competição. Andreia - Acho que nos representamos mais a nós próprias do que a Portugal. Não sentem muito apoio por parte da equipa da Selecção Nacional?Andreia - Eles olham mais para nós em termos de provas e resultados. São incapazes de virem a um treino para nos acompanharem ou apoiarem. E o que corre nos treinos não é normalmente o que corre nas competições...Ana - Eu estou sempre a representar antes de tudo o meu clube. Por parte da selecção só existe apoio naquele momento específico. Sentem muito apoio por parte da população da Fajarda onde vivem ou de Salvaterra de Magos onde treinam?Andreia - Na Fajarda algumas pessoas seguem e comentam. Mas não somos muito adeptas de ir aos cafés para sermos conhecidas. Em Salvaterra temos mais amigos e como os trampolins estão muito implementados por cá sentimos mais apoio. Ana - O nosso maior apoio é sem dúvida a nossa mãe que ainda hoje em dia fica à espera uma hora e meia que o nosso treino acabe. No Inverno costuma chover no pavilhão e as temperaturas chegam aos zero graus. Com melhores condições, pensam que poderiam evoluir ainda mais na vossa carreira de ginastas?Andreia - É claro que melhores condições podem sempre ajudar. Precisávamos de aquecimento. Já aqui treinamos com dois graus negativos. Não estamos sempre a saltar porque o trampolim está sempre a ser usado por mais pessoas e basta parar por um ou dois minutos para arrefecer. Ana - E no Verão passamos por um calor que é insuportável. Este clube mereceria sem dúvida melhores condições. Um dos vossos objectivos era conseguirem o apuramento para os Jogos Olímpicos de 2012. Foi uma desilusão?Andreia - Ficaria triste se não tivesse treinado o suficiente. Este é um desporto que vive muito de um momento que pode correr bem ou não por muito que se treine. Estou já a pensar nos próximos jogos olímpicos. Ana - Eu cá ando com “perda de saltos”, o que me deixa triste. É como se fosse uma branca. Sei fazer, mas chego à altura e não sai nada. Quase todos os atletas passam por isto e espero que esta minha fase que já dura há um ano passe depressa. Se imaginassem como seria esta vida de alta competição, teriam pensado duas vezes antes de se meterem nelas?Andreia - É claro que sim. Os trampolins deram-nos muita coisa. Já passamos por muitos países como Inglaterra, Dinamarca, Canadá, Rússia, China, Holanda ou Suécia. Conseguimos sempre arranjar um tempo para passearmos pelos sítios onde vamos. Crescemos mais depressa que as outras crianças. Não é fácil ter 11 ou 12 anos e estar noutro país, sem a mãe, com cuidado para não perder o passaporte. Tenho colegas que acho que ainda são umas crianças. Ana - Os trampolins sempre nos deram mais liberdade. Não estamos aqui contrariadas. Gostamos mesmo disto. O nosso maior castigo que sempre pudemos ter era não vir aos trampolins. Quando é que os trampolins vão ficar para trás?Ana - Não existe nenhuma idade para acabar a carreira. Mas eu penso continuar aí até aos 30 anos, depois quero constituir família. Andreia - Quando passarmos para a universidade vamos procurar outros clubes para continuar a treinar. Dos estágios e provas que vamos tendo já conhecemos praticamente todos os treinadores que existem na área. Paro quando deixar de sentir vontade e paixão em treinar. “Física e Matemática cansam mais que os trampolins” As gémeas Ana e Andreia Robalo nasceram no dia 24 de Março de 1992 na pequena aldeia da Fajarda, em Coruche. São as mais novas de seis irmãos. Nunca ficaram doentes ao mesmo tempo, nem conseguem adivinhar os pensamentos uma da outra. Embora sempre tenham estudado em Coruche, decidiram terminar este ano o 12º ano na Escola Secundária de Salvaterra de Magos para ficarem mais perto do Clube de Trampolins de Salvaterra. Por brincadeira, começaram a treinar aos 10 anos nos Corujas, em Coruche. Um ano depois e tendo em conta a sua espantosa evolução, o treinador incentivou-as a treinarem no Clube de Trampolins de Salvaterra com o professor Carlos Matias. Levantam-se por volta das 6h30 para poderem ajudar a mãe que também sai muito cedo. O dia começa a cuidar dos 20 cães que têm em casa. Depois vão para a escola onde passam o dia. Nos tempos mortos têm explicações e jogam vólei na escola. Por volta das 19h00 começam os treinos que duram até às 21h30. Às vezes também treinam aos sábados no Futebol Clube Estevense, em Santo Estêvão, concelho de Benavente. A mãe é uma figura incontornável no percurso das gémeas já que as acompanha desde pequenas e ainda hoje vai assistir aos treinos todos os dias. Os irmãos vibram com as suas vitórias, especialmente a mais velha. O tempo que dedicam ao treino e as ausências de duas semanas para participarem em provas levam-nas a ter mais dificuldades na escola. Mesmo tendo o estatuto de atletas de alta competição, não conseguem ter o apoio que gostariam por parte dos professores, especialmente em disciplinas como a Física ou a Matemática. Andreia espera tirar criminologia no Porto para um dia vir a trabalhar na área das autópsias. Já Ana ainda está indecisa entre seguir fisioterapia ou educação física. Esperam continuar a conciliar os treinos com os estudos. São muitos os títulos nacionais e internacionais que conquistaram ao longo dos anos. Andreia sagrou-se Campeã da Europa de Juniores em 2008. Obteve o terceiro lugar no campeonato do mundo de trampolim em 2011 e está integrada no Projecto Esperança Olímpico através do 3º lugar obtido em 2010 no Campeonato do Mundo de Trampolins. Em 2008 foram vice-campeãs da Europa em duplo minitrampolim por equipas. Já este ano, em Janeiro, sagraram-se vice-campeãs do mundo em duplo mini trampolim no Campeonato do Mundo de Ginástica de Trampolins e Tumbling, que se disputou em Inglaterra. São já uma referência da ginástica acrobática em Portugal.

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