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“Ser sensato e não perdoar o erro é fundamental para exercer o poder”

António Ganhão diz que vai continuar a servir o concelho de Benavente enquanto lhe restarem forças

É um dos autarcas portugueses há mais tempo no poder e boa parte do desenvolvimento do concelho de Benavente tem o seu cunho. Enfrentou os lobbies da construção da região para evitar que a terra se transformasse num dormitório de Lisboa e assume que ninguém pode dizer que está preparado para ser presidente de câmara. António José Ganhão venceu um cancro e voltou ao trabalho quando ainda devia estar numa cama. Diz que quer trabalhar enquanto puder, porque parar é morrer.

Foi eleito pela primeira vez como presidente de câmara a 2 de Janeiro de 1980. Qual foi a primeira coisa que fez no gabinete?Estava ansioso por conhecer os cantos à casa e começar a desenvolver trabalho com critérios e respeito pelas prioridades da altura, que eram o trabalho e a educação. Foi um dia em que senti como se me tivesse caído em cima um peso enorme. Esse peso foi diminuindo à medida que fui desbravando caminho. Ninguém dirá que está preparado para assumir um cargo com a responsabilidade deste, muito exigente, no primeiro dia que toma posse. Eu não estava nervoso mas estava ansioso.O que é que ainda o faz correr?O prazer que a vida nos dá de podermos fazer o que gostamos. A mim sempre me fez correr o gosto pelo trabalho. Tudo aquilo que nós fazemos tem reflexo na vida dos cidadãos, seja a crítica ou o elogio. Uma das coisas que aprendi dos meus anos de professor foi a usar a pedagogia. Acredito que a política é melhor se formos pedagógicos e servirmos a população numa base de entendimento. Mesmo que as coisas não sejam do nosso agrado e que por vezes nos tragam dissabores. Já foi criticado por pedir opinião à oposição?Já, mas penso que ao longo destes anos, nove mandatos, a população entendeu sempre a minha forma de exercer este lugar e isso vê-se nos resultados eleitorais. Nunca hostilizei a oposição, sempre procurei que a imagem da câmara fosse de transparência, quer para a oposição quer para os cidadãos. Não trabalhamos apenas em função de objectivos concretos, trabalhamos também para a democracia, que é um processo que se constrói todos os dias e que nunca está consolidada. Quando agarrou a Câmara de Benavente o concelho era muito rural. Hoje aposta nos serviços. Foi uma boa aposta?Benavente nos anos 80 tinha uma base económica muito frágil, muito ligada à agricultura, porque não podemos ignorar este excelente naco de terra que possuímos e que é muito competitivo, sobretudo ao nível das produções de arroz e tomate. Havia muita indústria ligada ao ramo de metalomecânica ligeira e alfaias agrícolas. A crise de 83/85 deitou abaixo tudo aquilo que não tinha viabilidade financeira. Foi uma oportunidade de construir de novo o concelho. Passámos a ser uma zona de desconcentração populacional e industrial da grande Lisboa. Tornou-se hoje no concelho de maior crescimento na lezíria do Tejo e somos a segunda repartição de finanças do distrito em termos de cobrança de impostos. A primeira é Abrantes porque tem a central do Pego. Diversificámos a nossa base económica e isso fez crescer o emprego. Mas não cresceu muito em termos populacionais.Nós não queremos crescer mais depressa, é a nossa estratégia de desenvolvimento. Não podemos permitir que nos transformem em mais um dormitório da grande Lisboa. O dormitório traz sempre consigo uma problemática social para a qual temos de estar preparados. Analisámos na cintura de Lisboa um crescimento dos problemas sociais, associados à grande urbe. Um conjunto de pessoas mais desfavorecidas que são guetizadas. No concelho crescemos à medida da nossa base económica. Em termos de planeamento urbanístico apostámos em baixas densidades. Herdei de 1975 situações que ficaram como exemplo daquilo que não podemos fazer. Prédios enormes e fora de contexto.Enfrentou lobbies da construção.Havia interesses instalados e tive de dizer aos investidores que, se queriam construir em Benavente, teriam de arranjar alternativa aos caixotes de Lisboa e Setúbal. Nós gostávamos de ser alternativa e oferecer um segundo andar sem elevador onde as pessoas tivessem mais qualidade de vida.Esteve preso três dias por participar numa manifestação em Lisboa. Foi nessa altura que se tornou comunista?Foi nessa altura que eu consciencializei a importância da participação política. Foi numa manifestação de estudantes. Reclamávamos contra a ditadura. Vinha no elevador da glória e quando saí para o Príncipe Real fui agarrado por dois homens que me encostaram uma pistola aos rins e me disseram que estava preso. Não fui sujeito a qualquer tortura que não fosse a psicológica. Para quem tem 18 anos estar naquele local é muito traumatizante. Ao sair disseram-me que iam continuar atrás de mim. Que me iam chamar outra vez. É o pior. Ficamos com um complexo de perseguição, de que estamos a ser vigiados. Cada vez que a campainha da porta tocava eu pensava que era a PIDE.Serviu na guerra como especialista de minas e armadilhas. O que aprendeu com ela?Que temos de aprender rapidamente a ser sensatos e a não perdoar os erros. Isso é verdade em tudo na vida. Até na política.Enquanto comunista como vê o actual estado do país?Fico profundamente triste. As pessoas podem estar desiludidas e têm esse direito, com o que têm sido os actos e as acções dos políticos, que conduziram o país a uma situação muito grave. Mas não há outro modelo que seja superior em direitos que não seja a democracia, que não pode ser apenas económica, tem de ser também social e cultural. Hoje vivemos uma ditadura do capital, que não tem rosto, esconde-se por detrás de biombos muito escuros sem nenhuma transparência. Temo que a democracia esteja em perigo. Estamos a caminhar para aquilo que assustou quem, como eu, nasceu no pós-guerra e acompanhou a evolução do Mundo. Como vão os jovens olhar para esta geração de políticos?Como alguém que não soube governar e que comprometeu o seu futuro. A história repete-se e o sentimento de muitos jovens é de revolta, por terem o seu futuro comprometido porque a gente que nos tem governado é gente incapaz e incompetente, que se serviu do poder e serviu os amigalhaços e não quis saber do nosso futuro.Na sua infância, teve tempo para ser menino?Sim, menino pobre mas feliz. Consegui ter tempo para brincar com os rapazes da minha rua. O primeiro dinheiro que consegui juntar, 22 escudos e 50 centavos, dei à minha mãe. Tinha os meus 11 anos. Esse dinheiro teve para mim um significado muito grande.Já pensou o que vai fazer quando acabar o mandato?Tenho a certeza que não irei trabalhar para outra causa que não seja a causa do poder local. Não quero parar. Passei por uma fase muito complicada na minha vida e quando saí da cama do hospital disse para mim mesmo que o trabalho tinha de ser a melhor terapia. Terei de continuar ocupado e o poder local tem muito por onde se trabalhe mesmo que não se esteja em funções. Já escolheu o seu sucessor?Não sou monárquico e entendo que a escolha do futuro candidato da CDU pertence ao colectivo. Não deixarei de emitir as minhas opiniões. Considero que há pessoas preparadas e o Carlos Coutinho é uma delas, mas há outras pessoas que também têm competência. Mas não vou expressar a minha opinião porque isso poderia ferir susceptibilidades. O que quer deixar feito em Benavente antes de sair?Concluir quatro obras estruturantes. O processo de requalificação das duas escolas de Samora Correia, o lar para crianças deficientes do Centro de Recuperação Infantil de Benavente e as novas creches de Benavente e Samora Correia. Se isso acontecer o fundamental dos objectivos deste mandato estarão cumpridos. Acima de tudo vou levar comigo boas memórias de todo este tempo.Um copo de vinho, um cigarro e meio pacote de pevidesÉ um “ritual sagrado” para António Ganhão: diariamente sai do gabinete, senta-se num café da vila e come meio pacote de pevides, acompanhadas por um copo de vinho. Depois fuma um cigarro. Aquele ritual ajuda-o a limpar a mente e a pôr a conversa em dia com os amigos. Falam de futebol, carros, mulheres. Coisas de homens. É sportinguista, gosta de acelerar e é casado. Tem dois filhos.Nasceu a 11 de Janeiro de 1945 embora no bilhete de identidade conste o dia 2 de Março. A mãe alterou a data de nascimento para não pagar uma multa por se ter atrasado a registá-lo. É o mais novo de oito irmãos. Adora o mar que viu pela primeira vez aos 11 anos, em São Pedro do Estoril, com um tio que também lhe pagou os estudos. Em 1964 entrou para o curso de química na faculdade de ciências de Lisboa mas não concluiu por ter sido mobilizado para a guerra do Ultramar, onde comandou uma brigada de minas e armadilhas. Foi enquanto cumpria a missão em África que casou. Um casamento apressado por causa de uma gravidez indesejada. Infelizmente a criança morreu à nascença. Foi professor de ciências durante nove anos em Benavente e durante um ano em Coruche. Em 1976 candidatou-se pela primeira vez às eleições autárquicas, que perdeu por 35 votos. Quatro anos depois venceu por maioria absoluta. Diz que a culpa do PCP nunca ter sido poder a nível nacional se deve ao facto de não ter conseguido passar a sua mensagem. Garante estar tranquilo com as contas da câmara porque nunca gastou mais do que aquilo que podia pagar. Recuperou recentemente de um cancro na próstata e diz que a vergonha é o principal aliado da doença. Poucas semanas depois de ter sido operado voltou ao trabalho, apesar de visivelmente debilitado. Gosta de ouvir Beatles, Ray Charles e Aretha Franklin. Considera Pedro Barroso um dos grandes trovadores do seu tempo. A divisão de casa onde passa mais tempo é na cozinha. Não porque saiba cozinhar mas porque é lá que fuma os seus cigarros e consulta a Internet, onde já tem perfil nas redes sociais. Lê sobretudo jornais e há dois anos e meio que não vai ao cinema. Orgulha-se de ser rigoroso com as horas e irrita-se com a falta de pontualidade.Gosta de comer em casa e só sai ocasionalmente para restaurantes. Convive em duas tertúlias do concelho: o Sindicato de Samora Correia e a Oficina das Artes em Benavente. Não anda de transportes públicos, tem médico de família e não pensa deixar de fumar. Tem uma passadeira em casa onde gosta de fazer exercício e diz que em Benavente o que fazia falta era uma linha de comboio, para escoar mercadorias. A visita da Judiciária ao seu gabinete no último ano foi um evento que o revoltou, pela forma como o assunto foi abordado a nível nacional. Além do cargo de presidente da Câmara de Benavente António Ganhão é também vice-presidente da Associação Nacional dos Municípios Portugueses e da Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo, sendo também administrador da empresa intermunicipal Águas do Ribatejo.

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