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Um exemplo de dinamismo aos 79 anos São precisas muitas folhas em branco para descrever com rigor o vasto currículo de Álvaro João Duarte Pinto Correia. Nasceu em Tremês, concelho de Santarém, a 4 de Junho de 1932. Tem 79 anos mas continua com um dinami

O cavaleiro tauromáquico Manuel Jorge de Oliveira fica feliz quando os discípulos ultrapassam o mestre
Empresta os cavalos e o camião para os transportar à cavaleira Ana Rita de Azambuja. É um homem solidário?Trata-se de uma paixão. Quando se encontra alguém com um certo talento, como é o caso da Ana Rita, é importante ajudar. É uma ajuda desinteressada. Se visse que ela não tinha potencial não lhe alimentava o sonho. Mas ela já mostrou várias vezes que tem condições. É também uma forma de mostrar que é preciso apostar nos novos artistas.Temos que fazer as coisas espontaneamente. Fui ensinado e educado desta forma. É importante ajudar os que estão a iniciar a carreira e isso valoriza a festa dos toiros. Também é bom para a sociedade que existam pessoas que se destaquem. Se amanhã a Ana Rita, por exemplo, for uma figura importante no toureio quem ganha é a tauromaquia e a sociedade portuguesa. E o que é que o Manuel Jorge de Oliveira ganha com isso?Fico contente. De dinheiro felizmente não preciso. O que preciso é de saúde e a alegria de ver alguém a vingar no mundo dos toiros acaba por me dar saúde. As mulheres têm vindo a ganhar relevância na tauromaquia. Isso é importante para a festa?Isto foi toda a vida um mundo de homens. Foi muito difícil para as mulheres entrarem. No entanto penso que devem ter o cuidado de não deixarem de ser mulheres e dar um toque diferente à corrida de toiros. Não gosto de ver uma mulher usar casaca e tricórnio. A casaca assenta mal no corpo da mulher. Ficavam mais bonitas com um fato de jaqueta.Quantos cavaleiros já ajudou?No mundo inteiro já ajudei umas largas dezenas. E todos eles têm dado nas vistas. O Paulo Jorge Ferreira, por exemplo, está na Califórnia (Estados Unidos) a fazer uma carreira brilhante como cavaleiro tauromáquico. Mas também uma série de cavaleiros fora da tauromaquia. Não partilho da ideia de alguns de que não devemos ensinar muito para que os outros não saibam mais que nós. Eu acho que devemos ensinar tudo o que sabemos. E se amanhã os que ajudamos souberem mais que nós, isso é muito bom sinal.Há muitos cavaleiros profissionais novos. Mas ao longo da sua carreira contam-se pelos dedos de uma mão aqueles a quem concedeu a alternativa?Não estou de acordo com as alternativas que se tiram com a facilidade que existe actualmente. É uma arte muito bonita e difícil e quando se dão alternativas assim em vez de se dar categoria à arte está a tirar-se. Quando se obriga as pessoas a pagar um bilhete para ir para uma praça de toiros tem que haver garantias. Nem toda a gente pode jogar no Benfica ou no Sporting. Há muitos cavaleiros que sendo boas pessoas deveriam levar carreira de amadores e não como profissionais.E de quem é a culpa?Em Portugal mistura-se muito profissionalismo com família e amigos. Eu, que vou muitas vezes ao estrangeiro, não sinto lá isso. Um pai não olha para o filho como pai no plano profissional. Por cá, mesmo nos negócios, ouvimos dizer: “Sou seu amigo veja lá o que pode fazer”. É uma forma de estar na vida, mas na minha perspectiva não é correcta.O que é que fica de uma carreira com 43 anos? Vivência, aprendizagem… o confronto com a morte que me deu capacidade para enfrentar a vida. A lidar toiros aprende-se a lidar com a vida. A sociedade europeia sucumbiu porque deixou de ter a capacidade de sobreviver. Porque foi nos últimos 30 anos uma sociedade mimada onde tudo era fácil.Em tantos anos de actividade deve ter peripécias que davam para fazer um livro.Houve tantas… Mas uma das melhores que tive ocorreu nos finais dos anos 70. Tinha um cocheiro que era um rapaz muito simpático mas bastante despistado. Num dia em que fui tourear ao Campo Pequeno ele baralhou-se e em vez de levar os que estavam preparados levou quatro que nunca tinham toureado. Quando descobri já não havia tempo de ir buscar os outros. O engraçado é que toureei dois toiros da ganadaria Grave, que são difíceis, e as coisas correram-me muito bem. O que é preciso para se vingar no toureio a cavalo? É essencial ser bom cavaleiro, saber tirar partido do cavalo e prepará-lo fisicamente para a prática do toureio. Há quem diga que ser toureiro demonstra a valentia. Penso que não. Conheço toureiros que não são muito valentes cá fora na vida. A relação homem-cavalo é sobretudo uma questão de inteligência. Não é para os valentes nem para os heróis.A equitação ainda é a principal característica que um toureiro deve ter?A equitação é a defesa do próprio cavalo como animal. É preservar a saúde física e mental do animal. Hoje há cavaleiros que não sabem montar a cavalo e que maltratam os cavalos fisicamente e psicologicamente. E quando se lhes fala de equitação ficam muito assustados e dizem que não vale a pena. Hoje também há a ideia que o toureio é um combate. Está errado. É um entendimento entre um animal feroz e o ser humano.É conhecido pelo toureiro que iniciou a corrente da “Equitação da Poesia”. Faz sentido?Leiam-se os poemas de Garcia Lorca, vejam-se os quadros de Picasso… A morte é extremamente poética. Morrer faz parte da vida. Quando se entra numa praça e se vê o toiro está-se a ver a morte em movimento. O toureiro cria uma relação com a morte que anula a própria morte. À medida que vai envelhecendo e toureando vai descobrindo que a morte nunca existiu. O que existe é a vida. Os filhos e os netos. A música, o público, o silêncio do público é poesia. A forma como o cavalo se dirige ao toiro é uma poética eloquente.Além de ter marcado um estilo muito próprio de toureio, também protagonizou em 1988 um feito inédito em Portugal ao tourear numa corrida seis toiros, dois dos quais a pé. Foi uma necessidade de mostrar que tinha coragem?Foi um desafio que fiz a mim próprio. Havia naquele tempo uma polémica em que os toureiros a pé achavam que o toureio a cavalo não tinha o mesmo mérito. Que os cavaleiros lidavam defendidos pelo cavalo. Ora eu entendia que eram duas coisas distintas unidas pelo mesmo fundamento cada qual com o seu mérito próprio. Quis provar isso com o julgamento do público. Mas confesso que também foi uma forma de mostrar alguma arrogância. Às vezes também há necessidade de mostrar arrogância. Não tem pena que várias praças da região tenham um ou dois espectáculos por ano e estejam a degradar-se?Foi sempre assim. As praças que existem nas várias localidades servem para as celebrações ligadas ao mundo rural. As condições das praças também estão ligadas às questões políticas. O grande papel dos políticos é cuidar das coisas. O poder político nos últimos 30 anos tem sido cobarde no sentido de defender os interesses nacionais. Se as praças não são melhores é porque eles não quiseram saber disso para nada, até porque as proprietárias das praças, como as Misericórdias, são controladas pelos políticos. Não é lá grande amigo dos políticos?Conheço as pessoas que têm passado pela Câmara do Cartaxo, mas não falo com eles de política.Criador de cavalos e mestre de equitaçãoManuel Jorge de Oliveira é um dos mais reconhecidos cavaleiros tauromáquicos. Nasceu em Azambuja a 23 de Fevereiro de 1959. Começou a montar a cavalo com seis anos e orgulha-se de ter tido como mestres de equitação José Vicente, Dionísio e o mestre Nuno Oliveira. Agora também ele é mestre e desloca-se frequentemente a países como Suíça, Áustria, França e Alemanha para ensinar a arte equestre. Estreou-se como cavaleiro tauromáquico numa vacada a favor dos Bombeiros Voluntários de Azambuja, tinha 10 anos. Mas a sua infância não foram só cavalos e toiros. Também fez desporto. Jogou futebol como juvenil e júnior em Azambuja, onde os prémios que teve foi as amizades que criou, porque confessa que era mau jogador. “Corria muito mas tinha pouca habilidade”. No karaté teve melhor desempenho. Praticou a arte marcial durante 14 anos no Cartaxo e chegou a sagrar-se vice-campeão regional. Considera que na vida as pessoas devem fazer aquilo que gostam e melhor sabem. E se se dedicarem apenas a isso já têm muito que fazer. Tirou a alternativa de cavaleiro profissional no Campo Pequeno a 2 de Junho de 1977. Ao longo da sua carreira participou em mais de mil corridas e lidou mais de dois mil toiros em Portugal e no estrangeiro. Começou a tourear além fronteiras em 1979 em Sevilha. No mesmo ano apresentou-se na Feira de San Isidro, em Madrid, cortando uma orelha em cada toiro e sair em ombros. Em 1979 e 1982 conquistou em França o “Rojão de Oiro”. Hoje dedica-se mais à criação de cavalos e ao ensino da equitação. A coudelaria - Sociedade Agrícola Oliveira Martins - é uma referência no mundo do cavalo lusitano com muitos animais a tourear no mundo inteiro. Gosta de ler sobre psicologia e história. Nas novas tecnologias diz-se um “zero à esquerda”. Fala cinco línguas. Pode à primeira vista parecer uma pessoa austera, altiva, mas bastam uns minutos de conversa para se perceber que é um homem modesto, que não tem papas na língua e que tem uma grande paixão pelo campo, pelo mundo rural. A Quinta do Açude no Cartaxo, onde vive e tem os cavalos, é a sua vida. É onde passa a maior parte do seu tempo de botas de montar e boina a cobrir os curtos cabelos grisalhos. A propriedade foi comprada após o 25 de Abril, pelo pai, já falecido.

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