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Um pequeno grupo de cantores de igreja que deu origem a uma grande instituição cultural

O Choral Phydellius mantém o coro misto, criou um coro juvenil e ganhou outra dimensão artística com a abertura do conservatório

Júlio Clérigo é presidente do Choral Phydellius há 14 anos e no total tem mais de duas décadas de funções directivas. A sua ligação com a associação começou em 1974 quando entrou para o coro. Os primeiros passos dados no caminho da excelência foram dirigidos pelo carismático maestro José Robert. Mais tarde o Conservatório foi um salto de gigante. O nome da instituição saiu de Torres Novas e correu mundo.

Com o passar dos anos, no final de cada actuação do coro, doem-lhe mais as pernas ou a garganta?Há alturas em que cansa estar tanto tempo de pé na mesma posição mas nada que não se aguente. Quanto à voz é tudo uma questão de saber cantar. Há peças com certos requisitos que se não tivéssemos aprendido nenhuma técnica vocal nos afectariam a garganta.Sabe música? Não. Quando vim para o coro não sabia mesmo nada. Agora ao fim de tantos anos já sei qualquer coisa mas não posso dizer que sei música. Tem dois filhos, dois netos, provavelmente muitos amigos. Quando se juntam cantam em coro?A minha esposa foi coralista. Entrou para o coro quando eu entrei mas já deixou. Um dos meus filhos ainda passou por aqui quando o Conservatório ainda era uma escola informal de música criada pela vontade de um ex-coralista chamado Gualter Pedro que começou a dar aulas de música aos miúdos. Mas não cantamos juntos em família. Ainda por cima os meus filhos foram estudar para Aveiro e por lá ficaram a trabalhar e a viver.Apesar de não saber música poderia tocar algum instrumento de ouvido. Gaita de beiços, guitarra...Também não toco. Só canto e dirijo...não o coro mas a associação. Quando está distraído e começa a cantarolar, canta temas do coro?Nem sempre mas algumas vezes acontece, principalmente canções populares que dão para cantar a solo. Há outras que não dão para isso. Só em grupo. Se estiver a cantar a minha parte de tenor isolada dos outros coralistas, aquilo não soa a nada para ninguém.O coro já actuou em grandes palcos mas também em palcos em que quase não cabiam todos. Nunca caiu ninguém de um palco abaixo? Já actuámos em palcos e estrados em que estávamos ali a fazer algum equilibrismo. E já houve quem caísse do palco abaixo mas nunca ninguém se aleijou. Concertos memoráveis em que tenha participado?Há concertos em pequenas localidades que foram memoráveis devido à reacção do público mas presumo que se esteja a referir a grandes palcos. Tivemos a honra de ser o primeiro coro português a participar no Festival de Coros mistos da Comunidade Europeia. Foi na primeira edição, no Luxemburgo. Actuámos em Nancy para mais de 15 mil pessoas. Fizemos um grande concerto na Sala Molière em Paris. Cantámos em belíssimas salas na Áustria. Em Lyon...Quando estão em palco rogam pragas aos espectadores que dormem ou bocejam? De vez em quando conseguimos dar uma olhadela rápida ao público e já apanhei alguns a dormir ou a abrir a boca mas não nos podemos distrair. Se desviamos os olhos do maestro podemos descarrilar e comprometemos o trabalho de todo o grupo. Nunca foram assobiados?Felizmente não. São mais os aplausos de pé do que as manifestações de desinteresse, felizmente, embora isso não signifique que tenhamos sempre um bom público.Tem alguma forma de aquecimento da voz?Toda a parte do aquecimento é feita em conjunto. É o maestro que dirige também o aquecimento. Não é cada um por si como com os instrumentistas.Tem cuidados com a voz? Fuma?Não fumo mas temos coralistas fumadores. As únicas preocupações que tenho são as normais, principalmente antes das actuações. Não forçar a voz, nomeadamente quando acontece estarmos em ambientes ruidosos e temos que falar mais alto para sermos ouvidos pelos outros. Ter cuidado com as diferenças de temperaturas. Algumas vezes entre os camarins e o palco temos que atravessar zonas bastante frias. Conheceu a esposa no coro?Não. Já éramos casados quando entrámos para o coro. Entrámos juntos. Nós e mais dois rapazes. Um deles que ainda é rapaz mas mais velho, faz parte da Direcção. O coralista que vai actuar a seguir a um jantar deve comer bem para aguentar e beber uns copos para engrossar a voz?Não é recomendável. Há muitos anos aconteceram algumas situações que nos obrigaram a reflectir sobre isso. Tivemos alguns jantares abundantes antes de irmos para o palco e de vez em quando havia quem, em vez de engrossar a voz ficasse completamente grosso. Nessa altura fazia falta um controle de alcoolemia antes da subida ao palco.São tempos que já lá vão. Agora há outra consciência.Em Portugal canta-se muito mal, não canta?Também!O senhor deve arrepiar-se todo e não é de emoção patriótica quando houve o público a cantar o hino nacional antes de um jogo da selecção de futebol.E não só. É que cantar a solo, desde que se tenha um mínimo de ouvido e uma voz razoável, qualquer pessoa consegue. Mas cantar em grupo é muito difícil. Mesmo muito difícil. Tudo tem que estar afinado e não pode haver vozes a querer sobressair. Basta uma pessoa para estragar tudo.E também há coros que cantam mal?De um modo geral temos bons coros mas há alguns que são...enfim...menos bons. Menos bons... digamos assim.Está no coro há 37 anos. Quantos maestros conheceu?Apenas dois. O José Robert e o maestro João Branco que o veio substituir e que continua connosco. Já não conheci o Fernando Cardoso. O maestro José Robert esteve 37 anos connosco e só saiu por questões de saúde. Este jovem maestro que o substituiu é coralista da Gulbenkian e dirige o coro polifónico de Almada, o Coro de Santo Amaro de Oeiras. Já cá está há quatro anos. São pessoas calmas ou temperamentais? Bom, de vez em quando perdem as estribeiras. Quem não perde. Eu com o passar dos anos cada vez os compreendo melhor. Não é fácil estar a conduzir 40 ou 50 pessoas; estar a dar indicações e haver pessoas distraídas ou a conversar. Isso é das piores coisas que pode haver, principalmente para maestros exigentes como os nossos. De vez em quando lá saíam uns berros que tínhamos que encaixar porque os culpados éramos nós.Como arranja tempo para isto? Já está reformado?Não, tenho 64 anos, ainda trabalho. A minha sorte foi ter o azar de ter um negócio que está em crise. Sou representante de máquinas da Indústria Têxtil, basta dizer isto para toda a gente perceber. A grande maioria dos clientes que tinha por todo o país, fechou. Isto dá-me tempo, felizmente, porque agora é impossível fazer a gestão como fazia há vinte anos atrás.Costuma dizer-se que quem corre por gosto não se cansa.Isso é verdade mas actualmente é necessária uma grande disponibilidade para ocupar este cargo dada a dimensão que isto atingiu. O Coral tem ensaios à terça-feira entre as 21h30 e a meia noite e meia. Às quartas-feiras ou quintas há reunião de direcção. À sexta ensaios e depois ainda há todas as outras questões da gestão corrente e os concertos. Efectivamente o Choral Phydellius tem mudado muito. O que não tem mudado muito é o presidente da direcção. Já tenho 20 anos no cargo. Os últimos 14 todos seguidos. Isto é apaixonante mas precisamos de mais pessoas com disponibilidade. Se o escolhem para presidente...Pois, isso é a velha conversa. Fica lá tu outra vez que nós confiamos em ti e és a pessoa certa, dizem alguns para não terem que se chegar à frente (riso).Devia haver limites de mandatos para o dirigismo associativo como há, por exemplo, para os presidentes de câmaras municipais?Eu voto a favor dessa medida. É uma boa ideia para proteger certos dirigentes e dar-lhes algum descanso. Sabe o que é um mecenas? Já viu algum?Não. Criámos projectos para serem apoiados em termos de mecenato mas não conseguimos encontrar nenhum mecenas. Mas têm ajudas.Felizmente sempre tivemos amigos. Gente de boa vontade. Benfeitores, chamemos-lhe assim. Tanto a nível monetário, como é o caso da dona Corina Ferreira (uma benemérita natural de Torres Novas que reside em Lisboa) que ajuda não só o Phydellius como muitas outras colectividades de Torres Novas, como a outros níveis como quando trabalhámos para oficializar a escola. Estão a decorrer obras ao lado da vossa sede. O que está a ser feito?As instalações são da Câmara de Torres Novas. Estas onde está o Phydellius e aquelas onde estão a decorrer as obras. Já utilizávamos no passado a parte de baixo daquele edifício e vamos voltar a usá-la após a conclusão das obras. Temos falta de espaço. Este ano recusámos candidaturas por falta de espaço.A rebentar pelas costurasFoi na Igreja do Salvador, em Torres Novas que começou a história do Choral Phydellius, a 17 de Maio de 1957. Um grupo de amigos que ali cantava nos serviços religiosos decidiu fundar um coro. O nome escolhido é inspirado na ópera Fidélio de Beethoven. Desde a fundação até 1971 o coro foi dirigido pelo Maestro Fernando Cardoso. Nos 37 anos seguintes o Phydellius ganhou relevo nacional e internacional graças ao trabalho artístico do carismático José Robert. A ligação era tão estreita que falar no coro era falar do maestro e falar do maestro era falar do coro. Quando, por motivos de saúde, José Robert se afastou houve quem pensasse que seria difícil manter a qualidade. As dúvidas eram infundadas. Com novos coralistas melhor preparados graças ao conservatório criado em 1983 e sob a batuta de João Branco a qualidade não só se manteve como foi possível ir mais longe em termos de reportório. O Conservatório Musical do Choral Phydellius constituiu-se a partir de uma escola de música criada informalmente nos anos setenta por alguns dirigentes da altura. Actualmente tem 34 professores e é frequentado por mais de trezentos alunos a quem são ministradas aulas de piano, órgão, violino, violoncelo, guitarra clássica, trompete, clarinete, trombone, flauta. Vítor Ferreira é o director pedagógico. Paralelamente o Choral Phydellius tem mais uma dúzia de professores contratados a fazer o trabalho do ensino da música nas escolas do ensino básico do concelho no âmbito das actividades extracurriculares. A associação tem um orçamento anual superior a meio milhão de euros. Só em ordenados gasta cerca de 35 mil euros mensais. Devido à exiguidade das suas instalações os professores do Choral Phydellius dão aulas na sede do rancho folclórico de Torres Novas, em instalações das piscinas e da biblioteca, nas escolas Maria Lamas e Manuel de Figueiredo, na escola Luís de Camões em Constância e na Sociedade de Montalvo.Quem quer vencer tem que pedalar muitoJúlio Clérigo nasceu na pequena aldeia de Outeiro Pequeno, no concelho de Torres Novas, a 7 de Dezembro de 1947. É presidente da direcção do Choral Phydellius há 14 anos. No total já ocupou aquele lugar durante duas décadas. A sua ligação à associação começou há 37 anos quando foi desafiado por umas primas a integrar o coro.É de uma geração em que se começava a trabalhar muito cedo. Ele começou aos 11 anos. Levantava-se às cinco da manhã para ir de bicicleta para Torres Novas. A partir dos 14 anos começou a estudar à noite, na antiga Escola Comercial e Industrial. Chegava todos os dias a casa para lá da meia noite. Pedalava quilómetros e quilómetros, muitas vezes sozinho, fizesse calor, chuva ou frio. Passou a residir em Torres Novas aos 25 anos, após ter feito o Serviço Militar Obrigatório.

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