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Novos acessos e a crise mataram restaurantes do Porto Alto e afugentam clientes dos que ainda resistem

Novos acessos e a crise mataram restaurantes do Porto Alto e afugentam clientes dos que ainda resistem

Tempos houve em que se faziam filas às portas de dezenas de estabelecimentos

Há 30 anos a restauração era a galinha dos ovos de ouro do Porto Alto, no concelho de Benavente. Restaurantes e cafés nasceram como cogumelos. Nessa altura ninguém imaginaria que fechassem pelo menos duas dezenas de estabelecimentos. O declínio começou com a construção das pontes Vasco da Gama e Lezíria e da Auto-estrada 13. Os resistentes olham com alguma apreensão para o futuro.

Longe vão os tempos em que existiam restaurantes em cada esquina do Porto Alto. Muitos dos que passavam pelo concelho de Benavente costumavam parar no Vira Milho para comer enguias. A restauração pujante de outros tempos está agora a definhar. Ao longo dos últimos anos vários restaurantes foram desaparecendo como o Três Casotas, o Ribeirão, ou o Sopa de Pedra. A construção da Auto-Estrada 13 ou da ponte Vasco da Gama que liga o Montijo e Alcochete a Lisboa e Sacavém, em 1998 trouxeram uma maior mobilidade e afastaram os clientes do Porto Alto. Se antes, os condutores que se dirigiam para o Alentejo ou o Algarve precisavam de passar obrigatoriamente pelo Porto Alto, com a construção da ponte surgiu outra alternativa que contribuiu para a morte de mais de duas dezenas de restaurantes. Hoje só sobrevivem perto de 15, tirando uma ou outra casa de refeições rápidas que vão surgindo. Os longos bancos e mesas em madeira do Restaurante Paris que entretanto desapareceram chegavam a receber 600 pessoas só para o almoço. Os mais de 20 funcionários não tinham mãos a medir no Restaurante Paris. Tal era a azáfama que a casa estava aberta 24 horas por dia. “Os clientes não olhavam ao que gastavam. À noite, ninguém conseguia sequer contar o dinheiro porque o cansaço era tanto que toda a gente só queria dormir”, recorda a filha do dono do Restaurante Paris, Elisabete Rocha, que na altura era uma criança. No Zé da Adega, os 128 lugares enchiam pelo menos duas vezes por almoço e as filas dos clientes que esperavam à entrada não parava de crescer. Por mais que corressem, os dez empregados desesperavam com os pratos que se acumulavam no balcão. O negócio chegava para todos e ninguém se preocupava se perdesse algum cliente. “Se alguém ia embora chateado por não ter gostado do serviço, não se pensava muito nisso, porque costumávamos dizer que a seguir vinha outro”, conta Jorge Paiva, actual responsável pelo restaurante A Torre. Já em 2007, a restauração do Porto Alto sofreu mais uma machadada, talvez a derradeira, com a abertura da Ponte da Lezíria, situada na A10, que liga o Carregado, concelho de Alenquer, a Benavente, permitindo que muitos condutores que vêm de Lisboa não precisem de passar no Porto Alto para seguirem para Benavente. O restaurante Chico do Porto é um dos que mais se ressentiu com o afastamento dos clientes que moram em Santo Estêvão e deixaram de passar pelo Porto Alto.Memórias de uma cozinheiraDurante 30 anos a cozinha do Chico do Porto, no Porto Alto, concelho de Benavente, esteve por conta de Laura Gomes, de 52 anos, conhecida por ser filha da antiga cavaleira tauromáquica de Samora Correia, Maria Mil Homens. Diz-se que filho de peixe sabe nadar, mas no caso de Laura Gomes a sua vida sempre passou longe dos toiros. Até nem consegue assistir a uma largada ou tourada. Dedicou toda a sua vida profissional à cozinha, depois de aos 18 anos arregaçar as mangas para ir ajudar a sogra no Chico do Porto. Não sabia sequer estrelar um ovo. O tempo e a prática ensinaram-na a cozinhar. Laura diz que muitos restaurantes do Porto Alto encerraram devido à falta de qualidade: “Quando os novos acessos ainda não estavam construídos os clientes nunca mais paravam de chegar. As pessoas gastavam à vontade e muitos restaurantes acabaram por descurar a qualidade o que decretou a sua morte”, repara. Com a cozinha aberta, voltada para o público, Laura Gomes aprendeu a olhar para os clientes e adivinhar o que queriam. Muitos nem sequer abriam a ementa. Pelo Chico do Porto passaram várias gerações e a cumplicidade e amizade que se criavam eram duradouras. Há seis anos resolveu passar o restaurante porque o cansaço acumulado era muito. “Muitas pessoas não imaginam o que é uma vida passada a trabalhar no sector da restauração. Fiz três operações às pernas por causa dos anos que passei a trabalhar de pé junto ao fogão. Muitas vezes já estava deitada e o meu marido ligava-me para ir à meia-noite servir um jantar porque tinha acabado de chegar um cliente”, revela. Passou por um período difícil depois de largar o restaurante porque de repente viu-se com muito tempo livre e sem os seus clientes para conversar. Jamais imagina que o Chico do Porto possa encerrar, nem que se reduza o restaurante para metade.Agora é um luxo ir ao restauranteÀ construção de novos acessos, junta-se agora a grave crise económica que tornou um luxo uma ida a um restaurante para muitos portugueses. Há cinco anos, o dono do restaurante Paris fez obras e criou duas salas, uma voltada mais para os mariscos que geralmente recebe empresários. Mesmo assim, a casa teve de acabar com os pequenos-almoços - chegavam a servir-se 400 pães - e reduziu os 20 funcionários para quase metade. O Chico do Porto, que costuma ter muitos empresários e pessoas ligadas à tauromaquia, passou das 200 refeições dos tempos áureos para cerca de 70. Para cativar mais clientes apostou-se em pratos como o torricado e o touro bravo. As entradas, as sobremesas ou o vinho engarrafado deixaram de se consumir. “Temos pessoas que ainda cá vêm quando vão de férias para o Algarve, mas consomem muito menos e dão como desculpa os quilómetros que têm de fazer”, repara o actual gerente, César Costa. O restaurante A Torre também reduziu o número de funcionários. O estabelecimento apostou na diferenciação para captar clientela e apresenta pratos de enguias todos os dias. Os restaurantes que têm como público-alvo os trabalhadores da construção, operários de fábricas, também têm razões de queixa da crise, do aumento dos produtos, do IVA (imposto sobre o valor acrescentado). Muitos camionistas trazem agora a marmita e pedem ao dono do Zé da Adega para comerem no restaurante. “Se eu recusar, nem sequer consigo facturar a cerveja e o café”, confessa Mário Simões. Há pouco tempo, um casal pediu uma dose, uma cerveja e um café e dividiram pelos dois. O proprietário de Os Minhotos, Henrique Lopes, deixou simplesmente de ter enguias como prato porque o peixe é caro e os clientes não aparecem. Com a paragem do sector da construção civil no país, deixou de contar com os trabalhadores do Norte que vinham trabalhar nas redondezas. “Tenho dias que nem chega para pagar a luz”, confessa com alguma tristeza. O aumento do IVA na restauração que passou para uma taxa de 23 por cento, leva muitos destes proprietários a assumirem os próprios custos para não sobrecarregarem os clientes.Futuro não augura facilidadesElisabete Rocha olha com alguma apreensão para o futuro, mas acredita que com a boa gerência do pai, vai ultrapassar este momento difícil. No Chico do Porto vive-se um dia de cada vez, mas ninguém imagina a morte da casa. Já Jorge Paiva acredita que o Porto Alto só terá espaço para uns cinco restaurantes que vão sobreviver com muitas dificuldades. O dono de Os Minhotos garante que se adivinhasse o futuro nunca teria investido tanto dinheiro nas obras que foi obrigado a realizar para manter a casa de portas abertas. Mário Simões com toda uma vida dedicada à restauração e com família a trabalhar no Zé da Adega garante que não tem alternativa a não ser continuar. No ar permanece a nostalgia do reboliço do Porto Alto de antigamente.
Novos acessos e a crise mataram restaurantes do Porto Alto e afugentam clientes dos que ainda resistem

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