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Começou a tocar nas ruas vestido de palhaço e hoje é um saxofonista cheio de trabalho

Elmano Coelho, de Vila Franca de Xira, considera o saxofone um instrumento mágico e sensual

Um dos mais reputados saxofonistas do país tem 29 anos e é natural de Vila Franca de Xira. Chama-se Elmano Coelho e começou a sua carreira profissional a tocar saxofone nas ruas de Lisboa vestido de palhaço. Acompanha Herman José na televisão e anda em digressão com Áurea, mas já tocou com os Trovante, Fernando Tordo, Paulo de Carvalho, Eduardo Paím, Paco Bandeira e Cool Hipnoise. A entrevista realizou-se na Academia de Música de Santa Cecília, na Ameixoeira, em Lisboa, onde actualmente dá aulas. O músico apresenta-se na entrevista de forma descontraída, de chinelos de enfiar no dedo e saxofone ao ombro. Diz que na música não basta ter talento e é preciso amor à profissão. Os seus alunos mais dotados foram os que menos se interessaram pela música. Diz que a sociedade não dá o valor que devia aos músicos e que os jovens não devem desistir de aprender pauta.

Nos tempos que correm dá para se viver exclusivamente da música?Depende dos profissionais e do amor e empenho que cada um dedique. Não penso na música como uma maneira de ganhar dinheiro e isso talvez explique o percurso que tenho tido. Obviamente que gosto de ser pago pelo meu trabalho, como toda a gente, mas faço o que gosto e ser pago por isso é um privilégio.Que disseram os seus pais quando souberam que queria ser músico de profissão?Nada (risos), nunca disse que queria ser músico, simplesmente as coisas foram acontecendo e já pouco havia a fazer depois de ter estado no conservatório Silva Marques em Alhandra. Mas sempre me apoiaram e hoje gostam imenso do que faço. Vale a pena aprender música mesmo que não seja para seguir uma carreira musical?Sim! Os meus alunos podem dar grandes engenheiros ou jornalistas, mas saberem música permite-lhes apreciar a arte e tocar ocasionalmente. É uma mais-valia nos tempos difíceis que correm.Alguma vez tocou na rua ou no metro? Sim. Na rua toco às vezes por carolice. No metro uma vez convidaram-me para ir fazer um pequeno concerto. Toquei várias vezes, sem problema. O meu primeiro trabalho foi fazer uma animação de rua, vestido de palhaço, a tocar saxofone. As pessoas têm a ideia errada que tocar no metro ou na rua é um sinal de pobreza. Ainda há pouco tempo estive em Paris e vi no metro músicos fantásticos. A música não tem a ver com o estatuto da pessoa que toca. Tem a ver com a qualidade do músico. Como se singra no meio musical? Pelo talento ou pelos conhecimentos?Ser bom é uma coisa. Ter sucesso é outra que depende da sorte, de uma estrelinha que faz tudo acontecer. Não sei o que cria essa estrelinha mas nunca podemos desistir.Irrita-o tocar num restaurante ou num bar onde ninguém o ouve?Muitos músicos sentem que são ignorados e com razão, eu próprio senti isso. Mas reconheço que é chato alguém estar a comer e ter de interromper a refeição para bater palmas só porque fica bem. Percebo as duas partes. Às vezes mais valia estar um CD a tocar do que estar a sacrificar três músicos (risos). Tem passado pela televisão integrado em bandas que fazem os separadores dos números em eventos como os Globos de Ouro ou as galas de natal. Gosta desse tipo de trabalho?É um desafio que acho interessante e cada projecto tem pormenores diferentes que é preciso estudar. Alguns programas são para tocar durante três horas, outros apenas para fazer separadores ou pequenos temas curtos. E como é tudo em directo as coisas não podem falhar. Um músico que faça isto tem de ser rápido e eficaz. Tem de ter as peças na cabeça. Somos coordenados por um maestro ou um director musical, que escreve os temas. O que menos gosto na TV são as longas horas de estúdio. Estarmos seis horas à espera para tocar uma hora é mais difícil. Mas arranjamos sempre maneira de estarmos entretidos.Como conseguiu agarrar o seu lugar?Comecei como todos os músicos. Um dia um colega saxofonista adoeceu e pediu-me para o substituir. Fiz o trabalho e gostaram. É um percurso que se vai fazendo. Há sempre espaço para todos os músicos.É verdade que há músicos jovens e desconhecidos que são capazes de pagar para integrarem algumas dessas bandas?Geralmente os músicos têm de passar por audições para terem os trabalhos. Eu nunca vi isso e espero que não aconteça.Como é trabalhar com Herman José?É um espectáculo. Ele é um músico amador que é melhor que muitos profissionais. É muito culto, sabe trabalhar, é pontual, é exigente e tem bom gosto. E com Áurea?Foi uma surpresa, ajudei a gravar o disco dela que se tornou um grande sucesso. Tudo começou nos Morangos Live onde ela foi convidada. Eu fazia parte da banda, que era também a banda dos D’zrt e das Just Girls. Estamos agora numa tournée onde já fiz mais de 50 concertos com ela, incluindo a gravação do Coliseu.O tempo em que os artistas tocavam acompanhados com orquestra já lá vai. Agora os promotores de espectáculos pagam pouco e os artistas não podem contratar muitos músicos…Actualmente não se dá o devido valor à profissão de músico. Especialmente nos momentos de crise.O que vai acontecer aos novos músicos?Vai sempre haver trabalho. É preciso descobrir novas formas de trabalhar. Os jovens músicos em vez de estarem à espera de trabalho devem criá-lo. Não se pode pensar que se vem para esta profissão para ter alguma coisa em troca. Há uma ideia romantizada da profissão. É uma ilusão. Às vezes ando de rastos, há dias em que quero estudar e nem tenho energia para o fazer, de tanto trabalho. A música não se pensa, acontece.Tocou com muitos artistas conhecidos. Já foi maltratado ou humilhado por algum?Nunca. Mas já ouvi histórias de que isso por vezes acontece, sobretudo com artistas que andam com orquestras.Um músico autodidacta é mais criativo do que um músico com formação?A criatividade nasce connosco mas também vem de onde a bebemos. Um autodidacta procura-a e percorre um caminho de tentativa e erro. O músico com formação sabe o que tem de fazer. O percurso do autodidacta é interessante porque permite experimentar várias alternativas musicais e às vezes dos erros nascem boas ideias. O que distingue um bom músico de um músico fantástico?Trabalho, trabalho e trabalho. Os bons músicos distinguem-se pela excelência com que fazem música. E a forma com que lidam com ela. Os outros limitam-se a tocar. Nas aulas encontro alunos mais dotados para a música que outros. Já tive alunos com más competências que com trabalho e empenho vieram a ser excelentes músicos. E já tive miúdos com jeito que não fizeram nada para serem bons. O Elmano compõe ou só toca?Toco peças de toda a gente mas não tenho um repertório da minha autoria. É um sonho que tenho, vir a compor. Há saxofonistas de jazz famosos. Gosta de algum em particular?Coltrane, Sean Parker, Bob Berg. Gostava de tocar com uma banda rock?Adorava, com os Rolling Stones ou com os Jamiroquai. Também gosto muito dos Incógnito. Acima de tudo gosto de música e nesse caso seria pela experiência. Se um Michael Bublé me chamasse para fazer uma tournée com ele ficava deliciado. Esse é um sonho (risos). Mas tenho passado grandes momentos recentemente. Ainda há pouco tempo estive com a Áurea num auditório em Taiwan carregado de chineses, foi fantástico. Tocar com os Trovante no Rock In Rio a abrir Elton John também foi muito bom.O som do saxofone é muitas vezes associado ao erotismo, nomeadamente em filmes. É justo que assim seja?Não me importo de ouvir um saxofone num filme pornográfico. Se calhar é um instrumento com sex-appeal, não sei. Talvez seja pelo som quente. Acontece com frequência estarmos a ver um artista no palco e ficamos apaixonados por ele. É um instrumento mágico.Já tocou para alguém por quem esteve apaixonado? Fez uma serenata?Já toquei para uma pessoa mas apenas na brincadeira. Uma serenata a sério fiz com quatro amigos a um outro que quis impressionar a namorada. Foi muito bom. Mas foi a única vez.Onde quer estar daqui a 10 anos?Gostava de ter uma família, sou músico mas não sou maluco. Gostava de somar mais tournées e ser melhor em tudo o que faço.Paixão pela música vem do GospelElmano dos Santos Coelho nasceu em Vila Franca de Xira a 25 de Novembro de 1982. O gosto pela música desenvolveu-se aos cinco anos e foi o saxofone do pai que o motivou. “O meu pai comprou o instrumento e como não conseguiu aprender guardou-o. Quando me comecei a interessar por música apanhei o gosto pelo saxofone”, explica. Teve as primeiras aulas de música com o maestro Luís Vicente na Igreja Evangélica Assembleia de Deus de Vila Franca de Xira. Em casa ouvia-se Gospel quando era criança. Diz que se não fosse a música da igreja hoje não tocava. Aos 11 anos entrou no Conservatório Regional Silva Marques em Alhandra. É licenciado em saxofone pela Escola Superior de Música de Lisboa desde 2006. Adicionou à sua formação clássica a influência da música improvisada, estudando com Pedro Moreira na Escola de Jazz Luís Villas Boas. Desde 2004 que lecciona saxofone na Academia de Música de Santa Cecília, em Lisboa. Já deu aulas no Conservatório de Música de Santarém, Conservatório de Música Silva Marques em Alhandra e Conservatório Metropolitano de Música de Lisboa.Trabalha regularmente em orquestras de televisão em projectos de Herman José na RTP e nos Globos de Ouro, Família Super Star, Chamar a Música, Uma canção para ti, galas de natal da TVI e Nasci para cantar. Também integrou vários musicais como In Love, Kisskiss, A canção de Lisboa, Esta Noite improvisa-se e Ópera do Vintem. Tem trabalhado com artistas como Fernando Tordo, Trovante, Herman José, Aurea, Paulo de Carvalho, Eduardo Paím, Paulo Flores, Paco Bandeira, Cool Hipnoise, Yuri da Cunha, Matias Damásio e Marco Lobo. Tem também colaborado com a Orquestra da Fundação Calouste Gulbenkian, Orquestra de Câmara de Cascais e Oeiras, entre outras. É membro fundador do Lisbon Underground Music Ensemble e faz parte da European Movement Jazz Orchestra, uma orquestra formada em 2007 com jovens músicos portugueses, alemães e eslovenos. Tem-se apresentado em diversos festivais em Portugal e no estrangeiro. Actualmente frequenta o Mestrado em saxofone na Universidade de Évora. Ocupa os tempos livres com desporto. Ler nunca foi o seu forte e interessa-se por história. Gosta do filme “The Bird” de Clint Eastwood sobre a vida de Charlie Parker. Há três anos que vive em Lisboa para estar mais próximo do trabalho. Gosta de coretos dos jardins. Não gosta de touradas mas aprecia pasodobles. Vai às festas da cidade mas não gosta das largadas. “Tive um amigo e um familiar que morreram por causa dos toiros”, lamenta.Demolir o Vila Franca Centro e construir um centro de artesSe Elmano Coelho mandasse já tinha mandado demolir o centro comercial Vila Franca Centro. No seu lugar nasceria um centro de artes, com muitas árvores e um palco para receber espectáculos de todo o país. “A sala do Ateneu é espectacular mas não é de todos, a cidade precisa de um palco que seja uma referência nacional. Temos o Museu do Neo-Realismo e um centro comercial ao abandono. Seria uma Gulbenkian em miniatura”, partilha.

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