"Podem zangar-se comigo que eu não me zango com ninguém"
Armando Oliveira, 80 anos, Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Salvaterra de Magos
Armando Oliveira, de 80 anos, já perdeu a conta aos anos que ocupa o cargo de provedor da Santa Casa da Misericórdia de Salvaterra de Magos. Há pelo menos 50 que está ligado à instituição. Foi também presidente da junta, da associação de bombeiros e do clube columbófilo de Salvaterra de Magos. Não aguenta ficar parado. Diz que daqui a dois anos termina o seu mandato e não espera recandidatar-se. Todo o seu tempo continua a ser dedicado à misericórdia e aos pombos.
Em pequeno roubava fruta para comer como todas as crianças pobres. Tive uma infância muito difícil. As minhas irmãs andavam com a minha mãe a trabalhar no campo mas ganhava-se muito mal. O que vale é que as pessoas de Salvaterra eram muito dadas e tivessem se alguma comida em casa ela chegava sempre para quem aparecesse. A alimentação era à base de massas, feijocas, açordas e pão seco. Vejo varandas que foram feitas por mim em muitas casas de Salvaterra. Trabalhei durante 42 anos como serralheiro no antigo centro emissor da Raret, na Glória do Ribatejo. Ainda ia trabalhar para Lisboa durante a noite. Às vezes só conseguia descansar de dois em dois dias. Do que mais me orgulho é de ter conseguido proporcionar uma boa educação aos meus filhos. Dei-me sempre bem com a minha esposa. Tenho de andar ao jeito dela pois só tenho esta. Éramos colegas de escola e estávamos sempre a discutir quem é que tinha a letra mais bonita. Era a dela, provavelmente porque as mulheres têm sempre razão. Hoje em dia ela dá-me uma ajuda muito grande na Santa Casa da Misericórdia.Fui eleito duas vezes com maioria absoluta como presidente da junta. Estava pelo PS, mas cansei-me das directrizes que recebia do partido. Nunca quis estar num sítio exclusivo para um determinado grupo de pessoas. Já depois de sair da política, fui eleito presidente da Associação dos Bombeiros de Salvaterra de Magos. Tanto ia para o incêndio como ficava no quartel. Não podia era ficar parado. Sou um dos Provedores mais antigos do distrito. Há 50 anos que estou na Santa Casa da Misericórdia. Estive no estrangeiro a pedir dinheiro para construir o lar. Vivem aqui 60 pessoas. E temos o apoio domiciliário. Tenho pena que existam muitas famílias que não querem saber dos seus idosos. O golpe mais duro que sofrem nesta etapa da vida é não receberem carinho de quem mais amam. Tenho grandes dores de cabeça quando algumas funcionárias se zangam entre elas. Posso exaltar-me, mas passa-me logo tudo. Podem zangar-se comigo que eu não me zango com ninguém. Sinto-me estimado mas também sei que quando alguém tem funções de chefia recebe sempre alguma graxa. Não fecho a porta a ninguém. Temos muita gente a pedir-nos uma cama articulada ou uma cadeira de rodas e nós ajudá-mos. Seja qual for o partido político ou o estrato social ajudamos sempre toda a gente. Emprestamos dinheiro aos mais necessitados e ninguém sai daqui com fome. Também nos preocupamos em apoiar os que cá trabalham. As misericórdias só fazem sentido através do amor ao semelhante independentemente da sua religião. À meia-noite ainda estou na Misericórdia. Há a mudança de turno a essa hora e eu gosto de estar presente. É muita gente de idade e os problemas, principalmente de saúde, estão sempre a aparecer. Vou depois para casa, mas ainda acordo a meio da noite para apontar no meu caderno ideias de trabalho para o dia seguinte. Às 8h00 já cá estou. Vou depois à minha casa almoçar, durmo uma sesta e regresso novamente. Os pombos são o meu único vício. Toda a minha vida tive pombos e cheguei a ser presidente do Clube Columbófilo de Salvaterra. Dedico mais de uma hora por dia a cuidar dos meus 50 pombos. São de competição e precisam de um cuidado especial. Daqui a dois anos, quando acabar este mandato, não me recandidato. Deixo de ser Provedor. Pedi um empréstimo de 75 mil euros e quero deixar a casa sem dívidas antes de me ir embora. Já podia ter saído mas não gosto de estar parado. Quero morrer em pé. Eduarda Sousa
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