“Sinto-me desiludido com a política mas ainda não estou abatido”
Alfredo Trindade, 62 anos, presidente da Junta de Freguesia de Benfica do Ribatejo
O seu primeiro trabalho foi como aguadeiro. Era criança e levava água aos trabalhadores que andavam nos campos. Já adulto trabalhou cinco anos na construção civil, no Egipto. Só depois, já lá vão 25 anos, comprou um carro de praça e se fez taxista. Alfredo Trindade, 62 anos, nasceu em Muge, mas adoptou Benfica do Ribatejo como sua terra. É o presidente da junta e diz que sofre por não conseguir ajudar muitas pessoas que passam por dificuldades.
Há quem tenha comido o pão que o diabo amassou mas eu nem esse pão tinha. Éramos sete irmãos. Os meus pais trabalhavam nos campos. Tirei a quarta classe e comecei logo a trabalhar como aguadeiro. Levava água em cântaros para os ranchos de trabalhadores ou guardava o gado. Estive a aprender o ofício de correeiro mas vi que tinha os dias contados e mudei-me para a construção civil. Na altura não existiam betoneiras ou martelos pneumáticos. Era tudo à unha. Nunca ganhei muito nas searas de tomate mas dava para pagar dívidas. Depois de regressar da tropa dediquei-me à agricultura. Comecei com a minha esposa a fazer searas de tomate nos campos de Vila Franca de Xira. Só contratávamos alguém na altura da plantação e apanha do tomate. Como as searas eram mais no Verão, no Inverno regressava à construção civil. Emigrei ainda para a Arábia Saudita para trabalhar nas obras, mas como as condições não eram as que me tinham prometido, vim-me embora dois meses depois. Vivi cinco anos maravilhosos no Egipto. Tinha 35 anos quando vi que em Portugal não conseguia melhorar a minha vida. Fui trabalhar para lá, para as obras. Seis meses depois mandei chamar a minha esposa e a nossa filha que na altura tinha dois anos. Ocupávamos o tempo livre a visitar as pirâmides e a realizar passeios no Nilo. A minha filha falava melhor o árabe do que o português. Como não tínhamos lá escola portuguesa resolvemos regressar. Não sou rico, mas consegui algum equilíbrio para a minha vida. Estava a construir o Banco de Portugal em Santarém quando vi que o meu futuro passava pelos táxis. Estava sempre a vê-los a circular e quase por instinto comprei um e comecei a trabalhar por conta própria. É uma vida muito dura, tem de se estar sempre disponível ou então as coisas correm mal. Hoje tenho dois funcionários e já consigo ter mais tempo livre. Desiludi-me com a política. Há anos que sou um militante activo do PS. Sempre trabalhei na sombra e neste último mandato tudo se proporcionou para que eu me candidatasse à junta. Pensei que estava na altura de dar alguma coisa à freguesia. De repente, cai-me a realidade em cima. Vejo que as pessoas deveriam estar em primeiro lugar quando não o estão. Sinto muita gente em dificuldades e eu não as consigo ajudar. Essa é a minha mágoa. Quero ver se as feridas se curam para voltar novamente à luta. Não estou ainda abatido, mas não penso recandidatar-me. Só se as coisas melhorarem muito. O carro e o telemóvel que estão ao serviço da junta são pessoais. Os meios da junta mal servem para pagar as despesas fixas. Se puder ajudar de alguma maneira, mesmo com prejuízo material, ajudo. A minha esposa costuma dizer que tenho de colocar na junta uma cama. Faço alguns serviços de táxi e o resto do tempo é ocupado a conversar com os amigos e a ir a eventos e comícios do PS. Nasci em Muge, mas sou de Benfica do Ribatejo. Mudamo-nos para Benfica do Ribatejo quando eu tinha nove anos. O meu pai arranjou cá trabalho. Foi aqui que me fiz homem e é esta a minha terra. Quando comecei a trabalhar como taxista ia todos os dias para Santarém e só regressava à noite. Tinha de almoçar e jantar fora. Tive oportunidade de comprar uma casa em Santarém e até me ajudava a poupar algum dinheiro. Mas sempre gostei de morar em Benfica. O meu desporto é conversar, comer e beber. Gosto de comer uma boa caldeirada bem regada. Sou um bom garfo à mesa. Ao domingo costumo sempre sair com a minha esposa e almoçamos fora. Às vezes vamos passear até Lisboa, levamos a neta ao jardim zoológico ou parámos na praia. De vez em quando também viajo com amigos para o estrangeiro. Toda a minha vida trabalhei e agora tento aproveitar. Não suporto estar com alguma coisa atravessada e por isso digo tudo aquilo que penso e sinto. Pode não ser com palavras caras mas exprimo-me à minha maneira. Uma palavra de honra vale mais do que todos os contratos do mundo. O que mais me custa é a falta de seriedade das pessoas. Tenho sido muito enganado e quase sempre por aqueles em quem confiava. As pessoas mais sérias são as que menos têm.Eduarda Sousa
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