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“A restauração é uma licenciatura inacabada”

Alberto Pereira, 65 anos, Empresário, Póvoa de Santa Iria

Alberto Pereira, 65 anos. Em Setembro celebrou o 40º aniversário do seu restaurante cervejaria - Cabana na Póvoa de Santa Iria. A restauração é para si uma arte. Diz que até um simples copo de água deve ser servido com todo o carinho. Em mais de meio século no ramo só perdeu uma vez a cabeça com um cliente. Considera-se um grande conversador. Gosta de conhecer pequenas aldeias e as pessoas que as habitam.

Não tive tempo para ser menino. Sou o mais velho de seis irmãos. Mal chegava a casa da escola ia logo trabalhar para o campo ou tomar conta das vacas e ovelhas. Também tomava conta dos meus irmãos. Um dia andava a brincar com os meus amigos no campo e distraí-me. As vacas desapareceram e quando as descobrimos já tinham invadido um campo de milho. Quando cheguei a casa, levei dos meus pais. Isto em Ponte de Lima onde nasci e onde vivi até ir para Lisboa trabalhar. Em Lisboa entrei num táxi e pedi para me levar a uma rua que era a rua onde eu estava sem saber. Foi um momento de aflição em Lisboa. Eu tinha 14 anos e tinha acabado de chegar à capital. A pessoa que deveria estar à minha espera não apareceu. Fiquei atrapalhado e comecei a andar por algumas ruas. Quando o homem do táxi me explicou que eu estava no sítio certo ainda insisti para ele me levar uns metros mais à frente. Oito meses de trabalho numa carvoaria renderam-me oito escudos. Comecei a trabalhar numa casa de carvoaria e vinhos em Lisboa. Passava o dia a distribuir carvão e vinho pelas quintas em redor. Partia carregado de sacos e garrafões nas mãos e andava quilómetros. Punha um saco na cabeça para me proteger da chuva. À noite ainda ia trabalhar no carvão em bruto, parti-lo e secá-lo para ser depois vendido. Nem sequer tinha água quente para tomar banho. Despedi-me depois de receber o primeiro ordenado. Tinha colegas que me diziam para não ser forreta como o tio Patinhas (personagem de banda desenhada da Disney). Sem os sacrifícios que vivi nunca teria conquistado nada. Enfrentei obstáculos desde muito cedo. Depois do 25 de Abril, ganhou-se dinheiro desordenadamente. Eu era poupadinho, a vida ensinou-me a ter de me privar e a pensar no amanhã. Trabalhei em muitos restaurantes antes de me dedicar em exclusivo à Cabana que comemorou a 9 de Setembro o 40º aniversário. Sinto a Póvoa de Santa Iria como se fosse a minha terra. Quando casei vim morar para a Póvoa. Gostei logo desta zona que na altura era só mato e olivais. Não nego as minhas raízes. Sou de Ponte de Lima, mas sinto-me muito bem integrado e estimado na Póvoa. Sou conversador e tenho a sorte de a minha esposa ainda ser pior do que eu. Acho que foi por causa disso que uma altura fiquei uma hora retido em Cuba. Impediram-me de embarcar. Enquanto lá passei uns dias deixei-me levar pela curiosidade e conversei com muita gente, questionando muita coisa. Retiveram-me uma hora à saída. Não sei o que imaginaram. Gosto muito de viajar e de visitar pequenas aldeias. Gosto de entrar num café ou numa taberna e sentar-me ao lado das velhotas a puxar conversa. A restauração é uma arte. Um simples copo de água tem de ser servido com todo o amor e carinho. Um prato a apresentar deve ser servido com um sentido profissional e social. A restauração é uma licenciatura inacabada. A cada minuto que passa estamos sempre a aprender qualquer coisa. Só perdi a cabeça uma vez com um cliente. Estava sentado num canto a chatear um empregado. Eu tinha a casa cheia e ele estava a criar mal estar mas aguentei. Só quando a casa esvaziou é que troquei com o empregado. Começou a chatear-me a mim. Não liguei. Quando quis fechar o restaurante, pedi-lhe para sair e ele perguntou-me quem é que eu era para o mandar para a rua. Peguei nele e atirei-o lá para fora. Ele levantou-se e veio-me fazer peito. Voltou a levar. Hoje passa por mim e cumprimenta-me pelo nome. Vou tolerando muita coisa e depois rebento. Tenho muita dificuldade em lidar com a falta de respeito ou com a mentira. Fui obrigado a ter de ser assim.Eduarda Sousa

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