“Se fosse vivo, o homem que inventou o dinheiro seria hoje o mais triste do mundo”, disse-me este ano um homem na festa do Colete Encarnado, em Vila Franca de Xira. A frase ficou a martelar-me a cabeça durante uns minutos, até ser atacado por outra frase. “Não foi o tipo que inventou a roda que fez fortuna, foi o que tornou a roda num pneu, percebe?”, voltou a dizer-me o homem. Com estas duas frases deitou-me ao chão como o lobo mau destruiu a casinha dos porquinhos. Começámos a falar de como ele, um vila-franquense, via as festas do Colete Encarnado. Acabámos a falar da crise e dos políticos. O homem tinha 89 anos e era natural de Vila Franca. Disse-me que se chamava Raúl, mas que não valia a pena meter isso no jornal. Afinal de contas, o que importava era dar visibilidade à homenagem ao campino e às centenas de pessoas que foram à festa, um dos seus motivos de orgulho. Numa ou noutra ocasião desde as festas voltámos a encontrar-nos pelas ruas, cada um nos seus percursos, nesta cidade à beira Tejo. “Olha O MIRANTE”, dizia-me num tom jovial e grato por nunca o ter citado em papel, apesar das frases curiosas que me transmitiu. No princípio de Outubro, a conversar num café com o presidente de uma associação da cidade, soube que Raúl morrera entretanto, quase a completar os 90. Uma pena, pensei. Era um velho vila-franquense com garra de forcado que se abeirava das tábuas para ver os toiros passar com as mesmas ganas de um jovem de 20 anos. Não é preciso ser doutor, engenheiro ou arquitecto para ter uma ideia simples e humanista do mundo. Quantos de uma nova geração têm a capacidade de questionar o mundo que os rodeia? Ver um novo ângulo, desenhar uma nova ideia, cumprir um novo sonho? Nestes 25 anos de O MIRANTE dedico a minha crónica aos homens e mulheres que sonham mais alto, além-crise, por uma região mais forte, solidária e humanista. Afinal de contas, nem todos podemos inventar a roda mas todos podemos escolher o que fazer com ela. Filipe Matias - Jornalista