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Uma audição por telefone mudou a vida do tenor Armando Calado

Cantor começou a cantar no coro da igreja de Muge e ainda pensou ser padre

Bastou um telefonema para a Royal Academy of Music, em Londres, se convencer do potencial da voz do ribatejano apaixonado pelos cânticos religiosos.

Ana Isabel BorregoFoi por telefone que o tenor Armando Calado fez uma audição directamente para a Royal Academy of Music, em Londres. A cantora lírica Ana Ester Neves fez o primeiro contacto e a professora da escola de música ouviu-o e disse-lhe que o queria como aluno. Armando Calado não pensou duas vezes. Em Setembro de 1996 fez as malas e foi para Londres onde viveu onze anos. Para entrar no Conservatório de Música de Lisboa, anos antes, nem precisou de qualquer audição como é habitual. Depois de o ouvirem os próprios professores de canto propuseram o seu nome para ser aluno e foi admitido. Algo que só acontece a quem tem muita qualidade.Armando Calado nasceu em Muge, concelho de Salvaterra de Magos, há 41 anos. Canta desde menino e aos nove anos já integrava o coro amador da igreja local. A sua grande paixão sempre foi a música sacra. Em criança gravava cassetes de cânticos religiosos que passavam na rádio antes da transmissão em directo da missa na Sé de Lisboa. “Estava sempre à espera para gravar as músicas. Depois, à noite, antes de adormecer punha as cassetes a tocar e cantava. Sabia as músicas todas de cor”, recorda.Religioso convicto entrou no seminário com 16 anos. Esteve dois anos no pré seminário em Santarém e o mesmo período no seminário em Almada. Ainda ponderou ser padre mas o seu destino acabou por ser outro. No segundo ano do seminário foi convidado a integrar o grupo de música litúrgica do seminário Scola Cantorum. Ainda frequentou o primeiro ano de Teologia, na Universidade Católica, mas, entretanto, foi para o Conservatório de Música. Foi durante uma audição com a professora Elisete Baian - cantora lírica portuguesa que chegou a cantar na Ópera Estatal de Viena de Áustria - que Armando Calado decidiu o rumo da sua vida. Quando Elisete Baian o ouviu cantar disse-lhe que, se pudesse, para sair de Portugal. “Foi depois desse conselho que pensei numa carreira a sério no mundo da música lírica”, conta a O MIRANTE.Entretanto, surgiu a oportunidade de estudar em Londres. Depois da Royal Academy of Music, o tenor foi admitido no Trinity College of Music. Nunca teve bolsas de estudo. Sempre trabalhou para se sustentar e pagar os estudos em Inglaterra. Foi empregado de mesa, trabalhou em lojas de flores, limpezas. Tudo o que lhe permitisse viver o seu sonho.PORTUGAL DÁ POUCO VALOR AOS SEUS ARTISTASArmando Calado regressou a Portugal há cerca de quatro anos (ver caixa). Na tarde de domingo, 16 de Dezembro, organizou e participou num Concerto de Natal realizado na Igreja do Seminário em Santarém. Com ele estiveram Luísa Brandão (soprano), Susana Moody (contralto) e Rui Baeta (barítono), acompanhados ao piano por Lioudmila Litvinova, onde cantaram diversas músicas alusivas à época natalícia.Há três anos criou o Coro de Almeirim que, garante, está a dar frutos e com espectáculos de qualidade. O tenor considera que as pessoas dos meios mais pequenos estão receptivas a espectáculos de ópera ou de música erudita. O problema é que não existe esse tipo de oferta. Prova disso foram os espectáculos de ópera que realizou em Almeirim e que tiveram sempre casa cheia. O tenor critica as autarquias que preferem apostar em espectáculos mais populares ao invés de dar ao público a oportunidade de verem outros tipo de espectáculos. Na sua opinião é muito difícil viver apenas da música em Portugal, onde não existe o cultivo das actividades culturais desde criança como acontece nos países mais evoluídos. Neste momento se alguém quiser viver da música lírica tem que ir para o estrangeiro. Cá as oportunidades são escassas. “Portugal dá pouco valor aos seus artistas”, critica.Uma amizade muito forte que nasceu em InglaterraArmando Calado cantou durante aproximadamente nove anos como solista numa igreja católica em Londres. Depois de um ano a cantar sozinho juntou-se uma cantora com quem fez duetos também durante um ano, até ao momento em que a parceira decidiu largar tudo para se tornar freira. A cantora que tomava conta de uma senhora inglesa perguntou ao tenor ribatejano se ele queria ficar com o seu trabalho. Armando Calado disse que ia experimentar para ver como funcionava. “Funcionou tão bem que passados 14 anos continuo a tomar conta dela”, diz.Com 85 anos, sem filhos e sozinha, Armando Calado desenvolveu com essa senhora uma relação forte, de avó e neto. “O seu círculo de amigos era muito reduzido, uma vez que viveu grande parte da sua vida no estrangeiro, e após a morte do marido ficou muito sozinha. Estabelecemos uma relação de amizade muito forte e quando saí de Londres ela veio comigo”, explica.Depois de onze anos em Inglaterra, surgiu a oportunidade de estudar em Itália. O regresso a Portugal aconteceu há quatro anos. Não estava planeado mas devido ao estado muito debilitado de saúde da senhora que acompanha Armando Calado vai ficar por Portugal. “Enquanto ela for viva não deixo o país”, esclarece. Nos tempos livres pratica natação e dedica-se à jardinagem. Neste momento, anda entretido a construir um roseiral à inglesa na quinta onde vive, no concelho de Alpiarça. Ideias que trouxe de Londres.

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