Um filho do povo preside à Real Associação do Ribatejo
José Carlos Ramalho lidera a organização monárquica sediada em Santarém que celebra agora 25 anos de vida
Filho do povo e sem títulos académicos, como realça, José Carlos Ramalho reconhece que é difícil mobilizar pessoas para a causa sem ter nada para dar em troca. Natural de Benavente, passou parte da infância em Marinhais, fez a vida profissional em Lisboa e actualmente vive em Almeirim. Diz que falta sensibilidade a alguns autarcas para a preservação do nosso património histórico e admite que não acredita vir a assistir à restauração da monarquia.
“Se mandarem os reis embora, hão-de tornar a chamá-los”. O vaticínio é atribuído a Alexandre Herculano, encontra-se inscrito no blogue da Real Associação do Ribatejo na Internet, mas até à data não se concretizou. Pelos vistos os portugueses não sentem saudades da monarquia.Só passaram cem anos e a manipulação existe não só na falta de informação que chega à população como também nas próprias escolas. As nossas criancinhas, e eu vejo pela minha neta, quando chegam ao 25 de Abril escrevem de acordo com aquilo que os professores querem que elas escrevam. Estão a ser formatadas. É o reflexo da História ser escrita pelos vencedores, como se costuma dizer.Mas pode ser uma História mentirosa. A República faliu pela segunda vez e a democracia não entrou em Portugal com o 25 de Abril. Entrou para aí em 1820 quando veio o rei maçon D. Pedro brigar com o irmão D. Miguel e instituir a Carta Liberal. O regime democrático ainda continua a ser o menos mau, como dizia Churchill?Sim, mas eu não sei exactamente o que é a democracia. Ainda tive esperança no 25 de Abril de 1974 de viver em democracia, mas realmente vivemos é numa partidocracia. Não tenho dúvidas. Dos partidos políticos sai aquela gente que faz as leis, que vai governar, etc... E depois, quando terminam os seus mandatos de Governo ou de deputados, arranjam sempre uns lugares nas administrações de empresas, como Jorge Coelho ou Ferreira do Amaral.Esse argumentário podia ser perfeitamente partilhado pelos líderes do PCP ou do Bloco de Esquerda.São coisas concretas, reais, e tanto se dá que as digam o PCP ou outro partido qualquer. O que nos interessa é a verdade. Pode dizer-se que a causa monárquica está bem viva no Ribatejo? A causa monárquica tem uma implantação territorial por distrito. Temos inscritas na Real Associação do Ribatejo cerca de 636 pessoas, sendo a maioria considerada simpatizante. No Ribatejo acompanhamos 30 municípios, o que é muito. Em termos de actuação prática temos muita dificuldade porque por vezes as pessoas só aderem a certas causas se tirarem alguns dividendos disso. Temos grandes dificuldades em realizar acções, precisamente por isso. Além disso, as pessoas não têm dinheiro e a nossa perspectiva a curto prazo também não é concretizável, dado o sistema que se implantou. Em termos políticos não há praticamente organização. Não há movimentos monárquicos a concorrer, por exemplo, nas eleições autárquicas. Porquê?Essa é uma questão para os partidos políticos.Mas existe um Partido Popular Monárquico.Mas não tem nada a ver connosco. É um partido da República também, só que é formado por gente monárquica. Aliás, é um partido que até há bem pouco tempo teve uma pessoa à frente que é, direi, inimiga do senhor D. Duarte. É um senhor que canta o fado e de que me abstenho de dizer o nome.Não seria lógico que os monárquicos se agregassem em torno do seu partido?Não. A monarquia está acima dos partidos políticos, embora haja muita gente nos partidos que é adepta da causa. E ainda bem, deviam ser todos, porque é uma questão de regime que está em causa.As ideias monárquicas são muitas vezes associadas a certos conceitos ou tradições, como a festa brava, o fado ou o mundo rural. Faz sentido essa conexão?Faz todo o sentido. Quem, mais do que o arquitecto Ribeiro Telles, defendeu as questões ecológicas? Quem é que a nível das organizações se indignou contra a construção de tantos estádios de futebol em vez de terem construído hospitais? Foi o senhor D. Duarte. Os monárquicos interessam-se por tudo e na zona do Ribatejo a tourada para nós é muito importante. Mas respeitamos quem não gosta. Não gostamos nada é do fanatismo.E de fado, também gosta?Gostamos de fado, de rock, de música pimba...Até dos fados de Nuno da Câmara Pereira?Esses não! São muito mal cantados. O cavalo até fica ruço (risos)...Santarém, Tomar, Almeirim e Salvaterra de Magos são localidades que tiveram muita importância em certos períodos da monarquia. Essa memória tem sido bem preservada?Talvez não tenha sido muito bem preservada nalguns casos. Tem a ver com a sensibilidade dos autarcas. Mas, curiosamente, em Salvaterra de Magos, onde é presidente uma senhora do Bloco de Esquerda, já vi coisas muito interessantes, como a recuperação da falcoaria. Há dias houve lá uma representação sobre a chegada da corte a Salvaterra. Tenho visto coisas muito bem feitas por aí. O antigo Paço dos Negros, em Almeirim, merecia mais atenção?Em Almeirim, pelo que me apercebo, os vestígios foram quase todos apagados. Há um projecto de um arquitecto que seria de desenvolver, de construir uma réplica virtual desses sinais, à semelhança do que acontece no centro de interpretação da batalha de Aljubarrota. O próprio arquitecto queixa-se que a Câmara de Almeirim não tem sensibilidade para essas coisas.Pois, o problema é esse, a sensibilidade. Isso depende do perfil das pessoas.Quando toca o hino nacional canta-o?Nós os monárquicos somos patriotas. E a maior parte de nós, da minha geração, assentou praça e jurou perante a bandeira da República, que para nós é a bandeira nacional, não há dúvida nenhuma. E se voltássemos um dia à monarquia não teria interesse mudar a bandeira. D. Duarte no 25º aniversário da Real Associação do RibatejoNo sábado, 26 de Janeiro, a Real Associação do Ribatejo comemora o 25º aniversário da sua fundação com um programa que se inicia pelas 12h00 com uma missa na Igreja do Santíssimo Milagre, em Santarém, seguindo-se pelas 13h30 o X Almoço do Rei, marcado para o Santarém Hotel e onde deverão comparecer D. Duarte Pio de Bragança e D. Isabel de Herédia. O programa encerra com uma assembleia geral a realizar na mesma unidade hoteleira a partir das 17h30.Um homem das artes gráficas que partilha conhecimentos em AlmeirimJosé Carlos Ramalho assume-se como gráfico, tendo feito o trajecto profissional ligado à indústria gráfica e papeleira. Entre outros cargos foi professor de impressão tipográfica e de offset nas escolas profissionais Salesianas em Lisboa, director de produção na NCR Portugal Informática, director de assistência técnica papeleira na Sarrió Portugal, sócio-gerente da Grafiton, assistente técnico de impressão digital na Rank Xerox Portugal, formador de vendedores na Tecnopap/Inapa/Luspap, administrador da Printima e gestor de produtos gráficos na Papelaria Fernandes Indústria e Comércio.Está aposentado há cerca de oito anos mas ainda ministra algumas acções de formação - embora ache que a formação profissional em Portugal “não existe” e “é uma falácia” - e dá assessoria técnica a empresas. Em Almeirim, onde comprou casa, está ligado ao Centro de Convívio de Almeirim, um grupo sénior no âmbito da paróquia local onde se partilham saberes e conhecimentos e em que transmite alguns ensinamentos de informática e pintura. Além disso, organiza caminhadas, actividade a que está ligado há muito tempo. A mensagem monárquica não chega à populaçãoTem esperança de ainda vir a assistir à restauração da monarquia em Portugal?Não. A censura em Portugal é um sistema republicano vigente desde a 1ª República. A nossa mensagem não chega à população. Na 1ª República havia as brigadas que entravam nas tipografias e empastelavam todos os jornais e revistas afectos à monarquia, para não serem publicados. Depois tivemos a 2ª República, do Salazar, que foi fascista, onde existia a censura. E hoje temos outro tipo de censuras. No último 5 de Outubro, D. Duarte fez um discurso de Estado no Palácio da Independência, com a sala cheia, que foi filmado por vários órgãos de comunicação social e não foi nada publicado. O discurso sério de Estado não passou, como aliás aconteceu noutras vezes.Ser monárquico numa República é um acto de obstinação?Não será. A única esperança é que o povo português um dia acorde e perceba que de facto há uma alternativa. O que está em causa no meio disto tudo é a questão do árbitro, da chefia do Estado. O que ganharia o nosso país em ter um rei no lugar de um presidente?Muito! Nem queria falar na questão económica. A Presidência da República gasta 16 milhões de euros por ano. A Casa Real espanhola gasta cerca de metade. Além disso, a Presidência da República é uma fonte permanente de conflitos. Os candidatos a presidente são escolhidos pelos partidos, muitos deles sem qualquer preparação para o cargo. Tanto pode ser escolhida uma pessoa com consciência das coisas como pode ser escolhido um louco.Numa monarquia também se corre o risco de se ter um rei com problemas psicológicos. Aliás, houve alguns na nossa História. A escolha é meramente biológica.Não, isso é um engano. Não vamos falar nos reis da Idade Média. Hoje nas monarquias, como as dos países mais desenvolvidos da Europa, é por hereditariedade que são escolhidos os reis, mas se não tiverem condições para tal há sempre outro que avançará. E nunca serão reis sem uma assembleia representante do povo os aclamar. Os adversários da monarquia dizem que esta cria ou favorece determinadas castas, a aristocracia, o chamado sangue azul. Esse pode ser um obstáculo à vossa causa num tempo em que os privilégios são muito mal acolhidos pelo povo?Não leve a mal a brincadeira, mas sangue azul só conheço o meu, porque sou do Belenenses. De uma maneira geral, e respeitando todas as pessoas que tiveram origem em certas linhagens ligadas à monarquia feudal, hoje é-se monárquico por razão e por coração. Ou seja, pela lógica de que um Chefe de Estado Real tem muito mais tranquilidade, não precisa de andar em bicos de pés para se eleger, tem muito mais condições e conhecimentos para unir os portugueses.Acha que D. Duarte teria condições para exercer melhor essas funções tutelares do que o actual Presidente da República Cavaco Silva?Não tenho dúvidas. E diria mais: até do que o dr. Mário Soares, que foi o melhor presidente que tivemos, na minha opinião e na de muita gente. D. Duarte conhece o povo e o país sem que alguém lhe vá pintar as coisas de outra maneira. É uma pessoa que se interessa por tudo.O que pensa deste Presidente da República?Acho que se ele tivesse a coragem de um rei, como teve D. Carlos, já teria feito um Governo de salvação nacional. Fora de partidos políticos e com os sábios da sociedade civil.Monárquico por influência dos avósNascido a 4 de Julho de 1947 em Benavente, José Carlos Ramalho passou parte da infância em Marinhais (Salvaterra de Magos) e fez a maior parte da sua vida em Lisboa, onde estudou e trabalhou nas áreas da indústria gráfica e papeleira. Divorciado, pai de um casal e avô de duas netas, vive actualmente em Almeirim, embora também tenha casa em Marinhais. Escolheu a terra da sopa da pedra para estar mais perto de Santarém, cidade de que gosta e que visita com regularidade, ou não estivesse lá sediada a Real Associação do Ribatejo, entidade a que preside há um ano tendo mais dois anos de mandato pela frente.Filho do povo e sem títulos académicos, como se define e sublinha, optou pela causa monárquica por influência dos avós. “O meu avô paterno foi soldado do rei D. Carlos em Vila Viçosa. A minha avó materna foi empregada numa casa senhorial, aquando do 5 de Outubro de 1910, os donos da casa rasgaram a fotografia da família real. A minha avó, mesmo sendo do povo, arrecadou os bocadinhos no avental, passou-os à minha mãe e a minha mãe passou-os a mim. Portanto o meu gosto pelas questões da monarquia, sem qualquer tipo de fundamento, vem de pequenino. Os meus avós, apesar de serem gente do povo, já me falavam dos reis e daquelas coisas que tinham que ser faladas um bocadinho às escondidas com medo da República”. O avô paterno, nascido em Évora, trabalhou na Casa Palha na Herdade da Foz, e era conhecido em Benavente por Luís da Foz ou Luís “do motor”. A avó paterna nasceu em Santo Estêvão e trabalhou em casa do Almirante Sousa Dias. Já os avós maternos, ambos de Benavente, viviam da agricultura e o avô teve uma taberna. O pai foi mecânico e mais tarde especialista em ceifeiras debulhadoras Massey Ferguson e a mãe doméstica.José Carlos Ramalho amadureceu o afecto pela causa monárquica na sua juventude. Frequentou o 1º ano da Escola Industrial em Santarém e depois estudou nas escolas profissionais dos Salesianos, em Lisboa, e conheceu de perto a história da expulsão das ordens religiosas de Portugal após a implantação da República. O que contribuiu para aumentar a admiração pela monarquia. “Foram-nos contando as histórias que nos revoltavam, mesmo sendo nós crianças. Fui ficando com alguma informação e fui formando a minha própria ideia. Mas só tomei consciência das coisas quando aparece o arquitecto Ribeiro Telles com a bandeira do PPM a dizer aos portugueses que a monarquia não tinha sido assassinada e ainda havia monárquicos em Portugal”.Para a entrevista realizada no Santarém Hotel traz o computador portátil e uma biografia de D. Duarte, de quem é admirador confesso. Insurge-se contra a “forma republicana de governo” que na Constituição da República Portuguesa impede que se referende a monarquia em Portugal. “É uma imposição anti-democrática”, diz.
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