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“Se um espectáculo não presta as pessoas não vão lá nem de borla”

“Se um espectáculo não presta as pessoas não vão lá nem de borla”

António Manuel Cardoso, Nené, é o mais antigo empresário tauromáquico

Está a favor da redução do tempo destinado aos cerimoniais das touradas que prolongam desnecessariamente o espectáculo. Defende uma maior participação do público na consagração dos melhores em praça. Não compreende a formação de uma associação de forcados que funciona quase como um sindicato e diz que preferia contratar livremente oferecendo mais aos melhores. Conhecido por Nené, António Manuel Cardoso é um dos empresários portugueses que mais tem feito em prol da festa brava, que considera um marco da cultura nacional.

Os empresários estão sempre a queixar-se que a tauromaquia não dá dinheiro, mas não deixam de trabalhar.Esta actividade sofre dos mesmos problemas que os outros sectores empresariais no país. As coisas não estão fáceis e não quero com isto estar a lastimar-me. Mas o que acontece é que andamos a trabalhar para sobreviver. Com a crise os próprios toureiros e ganadeiros estão a ajustar-se à situação económica que vivemos e há algum abaixamento dos valores que até agora eram praticados. A conclusão é que estamos todos a perder com a situação mas vamos continuando por aquilo que nos move essencialmente, que é a arte e o amor à festa dos toiros, que é um marco da cultura portuguesa. Não preferia ter um emprego mais estável?Fui funcionário da Segurança Social antes de me dedicar de corpo e alma à tauromaquia. Era realmente uma actividade mais estável a vários níveis mas não me incentivava nada a trabalhar. Não tenho perfil para funcionário público. O que é que sente quando tem um grupo de manifestantes anti-touradas em frente à praça onde vai decorrer uma corrida?Cada um tem a liberdade de gostar do que quer. Não temos é o direito de impedir que alguém goste de alguma coisa. É bom haver os que não gostam, porque fazem com que os que gostam ainda gostem mais. A polémica tem que existir na vida senão estamos todos a dormir. Agradeço aos anti-taurinos que façam manifestações porque nos estão a fazer publicidade gratuita. Muitos deles também comem carne e eu vendo a carne dos toiros lidados aos supermercados por um preço mais baixo.Há muita gente a pedir-lhe bilhetes grátis para as touradas? É habitual, mas isso até é um bom sinal. Porque quando não há gente interessada em ver um espectáculo, nem de borla, é porque ele não tem interesse. Se há muitos a pedirem bilhetes é porque geralmente vai haver muita gente a comprar bilhete.Os empresários também oferecem bilhetes para comporem de público as praças maiores.Não faço isso. Quando dou bilhetes não é com esse objectivo. Costumo dar algumas borlas a amigos e nas corridas que organizo mas 99,9 por cento das pessoas que estão a assistir têm bilhete comprado.A tauromaquia está cheia de vedetas? Como é que lida com isso?Numa corrida de toiros há uns artistas melhores e outros piores. E é verdade que é mais difícil lidar com os artistas de topo mas isso também acontece porque são os que levam público às praças. Os toureiros de segundo ou terceiro plano chegam a oferecer-se para tourear. Temos que aprender a lidar com todos porque todos fazem parte da festa. Também foi forcado e jogador de futebol, podia ter seguido uma carreira no desporto.Joguei no Alcochetense e considero que fui um mau jogador. Para seguir por exemplo uma carreira de empresário desportivo só valeria a pena se fosse empresário de jogadores como o Ronaldo ou o Messi. Esta foi uma área que não passou pela minha veia sentimental e a vida tem que ser vivida com sentimento.Quando era forcado os grupos não estavam organizados e hoje têm uma associação. Foi uma forma de se valorizarem?Os forcados organizaram-se e têm uma associação com normas que impuseram exigindo mais segurança e uma tabela de preços. Quando um forcado amador se gere por princípios comuns é mau. Cada grupo deve ter os seus princípios.Para os empresários tauromáquicos deve ser pior.Sou contra o facto de estarem todos normalizados de forma a que quase parece um sindicato. Antes, como cabo dos forcados de Alcochete, cheguei a pedir mais dinheiro às empresas e conseguia conciliar uma justeza de valores. Agora há uma tabela. Como empresário não me custa pagar mais porque há grupos que valorizam mais a festa que outros. Há sempre os bons, os medianos e os maus e nos forcados é a mesma coisa. Preferia contratar um grupo que está no auge e negociar o que vou pagar.O que é que se perdeu com a criação da associação?Dou o exemplo do forcado Hélder Antoño que morreu na praça de Alcochete. O dinheiro que ganhámos foi para lhe fazer uma estátua. Tem que haver um espírito de união entre um grupo e não entre grupos, até porque há alguns que furam as regras da associação.É a favor de tanto cerimonial nas corridas de toiros que fazem prolongar o espectáculo por muito tempo?Está previsto num novo regulamento tauromáquico algumas alterações a esse nível. Pretende-se tirar alguns pontos mortos do espectáculo e já temos vindo a adaptar-nos a essa situação. Quando o cavaleiro vai à praça o seu bandarilheiro atravessa a arena e todos se cumprimentam, todos se abraçam seis vezes. Basta uma vez e nas restantes o cavaleiro entrar já com a bandarilha na mão, por exemplo. Tenho feito corridas com uma média de uma hora e 45 minutos, duas horas. E com um novo regulamento ainda mais tempo se vai poupar.Na corrida portuguesa há o hábito de se dar a volta à arena em jeito de prémio mesmo que o artista não tenha estado bem. A ideia é no futuro ser o público a escolher com os lenços, como acontece em Espanha. E depois o director de corrida autoriza se o toureiro pode dar a volta. Evita-se que toda a gente dê a volta à arena como um simples condimento do espectáculo. Isto torna-o mais sério e mais honesto para com o público.Sempre numa roda viva porque a vida é movimentoAntónio Manuel Cardoso, nascido em 16 de Junho de 1954, começou por ser futebolista. Esteve nas equipas jovens do Alcochetense onde chegou à conclusão que o seu futuro não passava por ali. Foi nessa altura que lhe puseram a alcunha de Nené, pela sua forma de jogar pouco agressiva e muito parecida com a de um jogador do Benfica da altura que usava aquele nome. Antes de entrar na vida empresarial foi funcionário público na Segurança Social mas era um emprego que apesar da estabilidade que lhe dava não lhe enchia as medidas. Foi forcado e chegou a cabo do grupo de Alcochete. Sabe o que é sentir o medo de enfrentar o toiro bravo olhos nos olhos e conhece a alegria de receber o reconhecimento e carinho do público. Agora como empresário passa despercebido e não tem direito a aplausos apesar do seu papel fundamental para que os espectáculos tenham brilho e os espectadores se divirtam. No Verão é quando o trabalho aperta e é nesta altura que tem de amealhar para viver no Inverno quando não há corridas. Assume-se como um “profissional dos toiros” e quando não está a trabalhar na montagem de espectáculos expande o seu amor pela festa brava nas tertúlias onde se debatem as corridas recentes ou se fala da tauromaquia em geral. “Sou muito conversador, se calhar até de mais”, afirma.Homem com “o coração ao pé da boca” apresenta-se com um ar confiante de quem não se esconde no silêncio. A sua vida é visivelmente agitada. Anda sempre numa roda viva. É difícil estar com ele dez minutos sem que o telemóvel não toque pelo menos uma vez. Tem três filhos, de dois casamentos. São eles que lhe dão uma mãozinha no negócio sobretudo quando envolve as novas tecnologias que não domina. São os filhos que tratam de fotografias e da divulgação dos espectáculos nas redes online. Nené é um homem que anda sempre em contra relógio. No ano passado a sua empresa, a Toiros & Tauromaquia, promoveu 29 corridas de toiros nas praças que explorava: Moita, Alcochete, Coruche, Évora, Reguengos de Monsaraz, Sobral da Adiça e Terrugem, sendo a empresa que mais espectáculos fez, a exemplo do que já tinha acontecido no ano anterior. António Manuel Cardoso foi fundador da APET - Associação Portuguesa de Empresários Tauromáquicos, tendo desempenhado o cargo de vice-presidente até 2011.
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