uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
“Sinto-me feliz por aquilo que fiz pelos outros”

“Sinto-me feliz por aquilo que fiz pelos outros”

José dos Santos de Jesus, mais conhecido por Bioucas, é uma referência em Abrantes

Foi presidente de câmara, bombeiro voluntário, empresário, professor e fundador e dirigente do Centro de Recuperação Infantil de Abrantes até à actualidade. Estas são algumas das facetas de um homem que sempre se sentiu bem a servir a comunidade e que é um exemplo de cidadania activa.

Chegado aos 84 anos, olha para trás e o que vê?A vida passou e fui estando nela conforme as circunstâncias que se apresentavam. Julgo que estive sempre no bom caminho e sinto-me feliz por aquilo que fiz pelos outros. Entreguei-me muitas vezes em profundidade aos outros, às vezes deixando para trás a família.A família cobrava-lhe esse alheamento?Graças a Deus compreendeu, partilhou e ajudou sempre. Nos bons e nos maus momentos tive sempre a família do meu lado. O amor à sua Abrantes natal foi manifestado de várias formas ao longo dos anos. Qual foi a que lhe deu mais prazer?É complicado responder. Não dou grande valor àquilo que faço pelos outros. Deu-me prazer tudo o que era fazer qualquer coisa pelo próximo, mas não posso deixar de lembrar a felicidade que tive em encontrar uma senhora directora dos serviços sociais em Abrantes, a Dra. Lourdes Jorge, numa reunião de trabalho em que falámos da problemática da deficiência. Foi a partir daí que me entreguei de alma e coração ao Centro de Recuperação Infantil de Abrantes (CRIA).A fundação do CRIA foi a sua obra de arte, digamos assim?Não, foi a minha obra apaixonada. Cumprem-se 36 anos no dia 23 de Março que foi feita a escritura da associação. Desde essa data até hoje tenho feito sempre parte dos órgãos sociais, como tesoureiro, como presidente da direcção e agora com presidente da assembleia geral. Essa é de facto uma obra pela qual me apaixonei e que em Abrantes toda a gente conhece.Qual foi a decisão mais difícil de tomar na sua vida ligada à causa pública?Não tomo decisões com dificuldade. Tomo decisões com a convicção de que estou a agir bem, embora agora, vinte anos após ter saído da câmara, tenha a certeza que decidi mal algumas coisas. Não houve uma decisão que lhe custasse mais a tomar, pelas suas implicações na comunidade?Não. Decido e acabou! Penso nisso mas não me preocupo com isso. Tive problemas difíceis para resolver, mas isso é outra coisa... Como o do novo hospital de Abrantes, da Central do Pego, da creche e jardim de infância nas Barreiras do Tejo, da escola profissional agrícola das Mouriscas - essa foi decidida numa noite. Como lida com o envelhecimento? Muito bem! Quando está frio não me levanto da cama antes das 09h30 ou 10h00. Isso é o mínimo. Quando está bom tempo vou para a galderice, ando por aí a passear. Manter o cérebro e o físico ocupados é uma forma de contrariar a biologia.Tem que ser. Gosto de estar atento ao que se passa, ao que se diz e aos resultados. Mas as conclusões ficam só para mim. Continuo a gostar dos meus carros (antigos), dedico algum tempo para estar ao pé deles, mas já é raro dar uma voltinha.A idade traz experiência. O que acha que poderia e gostaria de ensinar hoje aos mais jovens?Tudo aquilo que aprendi e que fosse útil para a sociedade.Muitas associações queixam-se de falta de voluntários que as mantenham em actividade. É verdade. A minha última acção no voluntariado foi e é no núcleo da Liga Portuguesa Contra o Cancro. Sou voluntário e quando for preciso têm-me sempre à disposição.Por que razão as pessoas se envolvem menos na comunidade actualmente?Muitas, talvez, porque se sentem frustradas com tudo aquilo que vêem em seu redor e acham que não vale a pena. Mas eu acho que merece sempre a pena ajudar e dedicarmo-nos a quem faz bem ao próximo. Há um défice de cidadania actualmente?Não lhe chamaria défice. Com a conjuntura em que vivemos a maior parte das pessoas não acredita. E se calhar por isso, porque não acredita, não colabora. O que está mal. Devia-se era lutar por acreditar, dar uma volta de 180 graus nessa forma de pensamento.A “culpa” não será também das diversas solicitações da vida actual, que leva os mais jovens a dedicarem-se menos às associações?Os mais jovens estão a pagar uma factura muito cara. Ultimamente mandaram-nos emigrar, depois dizem que não, que é para os conservar cá. Andam neste pingue-pongue. Há uma falha nas opções políticas em relação aos mais jovens. E em relação aos mais velhos também...Teve uma empresa, que decidiu vender em 1977. Consegue imaginar-se hoje no mundo empresarial?Não me adaptava à forma como isto está a funcionar. Estamos sobrecarregados com impostos e chega-se ao fim do mês e não se vê resultado nenhum.Não se arrependeu desse passo de se desligar da vida empresarial?Na altura chorava, ia para a cama a chorar. Mas depois vi que foi a sorte grande que me saiu, pois fiquei com uns trocos. A qualidade dos políticos tem acompanhado o desenvolvimento do país?Não tenho elementos para os qualificar. No princípio as pessoas entregaram-se a esses cargos por amor ao país e para implantar a democracia, o que conseguiram. Hoje, é o que estamos a ver. E mais não digo.A auto-estrada trouxe para Abrantes mais do que o que levou?Creio que trouxe mais vantagens do que desvantagens. Se não tivéssemos boas acessibilidades, quer rodoviárias quer ferroviárias, se calhar não tínhamos cá a Mitsubishi no Tramagal, a Tupperware em Montalvo, a Bosch em Alferrarede. Mas as auto-estradas também permitem o escoamento de pessoas para outro lado com mais facilidade.Sente-se orgulhoso em ter um largo em Abrantes com o seu nome?Um dia telefonaram-me (eu não sabia de nada) a dizer que iam dar o meu nome ao largo do hospital, porque eu é que tinha sido o homem que trouxe para Abrantes o hospital e que tinha sido o autor do largo. Disse logo que não queria saber disso para nada e que o meu nome não o punham lá. Se isso era política então pusessem lá o meu nome de guerra político e acabou a conversa. E não está lá o nome do José dos Santos de Jesus, que é o meu. Está lá Largo Engenheiro Bioucas. Eu sei que sou eu, mas também pode ser o meu irmão Alberto ou o meu irmão João.Ajudar a comunidade sempre foi o seu lemaÉ José dos Santos de Jesus de sua graça, mas em Abrantes todos o conhecem por Bioucas, apelido paterno que um funcionário do registo civil considerou estar a mais. O Largo Engenheiro Bioucas é uma marca na toponímia abrantina da passagem deste homem pela Câmara de Abrantes, de 1974 a 1990, num tempo em que não havia fundos comunitários e estava quase tudo por fazer. Avesso a falar de política, actual ou passada, José Bioucas recorre com frequência à refinada ironia e ao humor desconcertante, imagens de marca do ex-autarca. Feito, nascido, baptizado e casado em Abrantes, onde sempre viveu, José Bioucas nasceu na casa em frente à antiga oficina do pai. A data de nascimento oficial é 25 de Março de 1928, “mas é mentira”, diz. Nasceu um dia antes da data que consta no BI. O amor de José Bioucas à terra natal tem sido manifestado de diversas formas ao longo da vida. Foi voluntário nos Bombeiros Municipais de Abrantes dos 18 aos 60 anos, onde conduzia viaturas e ajudava a apagar incêndios, mesmo depois de já ser autarca. Homem de acção, enfrentava os problemas de frente. Quando era presidente de câmara, na conturbada segunda metade da década de 70, houve uma greve do pessoal da recolha do lixo. José Bioucas não esteve com meias medidas: agarrou numa camioneta da sua empresa, requisitou os filhos e foi recolher o lixo. Os trabalhadores acusaram-no de ser “fura-greves”. Ele respondeu-lhes à letra: a camioneta e os filhos eram dele e por isso fazia o que achava que devia fazer.Pai de três filhos e avô de seis netos, a sua postura foi sempre a de ajudar a comunidade, dando como exemplo a sua ligação ao Centro de Recuperação Infantil de Abrantes, que ajudou a fundar e de que foi presidente da direcção durante muitos anos, liderando agora a assembleia geral.Com um pai dono de uma oficina e com a paixão pelos automóveis não surpreende que tenha optado por cursar engenharia electromecânica em Lisboa. Começou a trabalhar muito jovem na empresa familiar e após a licenciatura dedicou-se também ao ensino. Deu aulas no Cacém, em Torres Novas e na Escola Industrial de Abrantes. Reformou-se como professor efectivo da Escola C+S do Tramagal onde curiosamente nunca deu aulas, pois estava destacado em comissão de serviço enquanto autarca na Câmara de Abrantes. Em 1977, nos conturbados tempos pós-25 de Abril, decidiu vender a empresa de família. Diz que foi o melhor que fez. Hoje passa os dias entre a casa em Abrantes e o remanso da sua propriedade em São Simão. Aí trata das flores e da horta, desfruta da paisagem e dos bons ares do pinhal e faz companhia à esposa, especialista no fabrico de licores.
“Sinto-me feliz por aquilo que fiz pelos outros”

Mais Notícias

    A carregar...