“Sou um gestor que presta contas a mais de vinte mil patrões”
Dionísio Mendes é presidente da Câmara Municipal de Coruche desde 2001
Foi professor de História e empresário mas acabou por fazer carreira na política. Antes de ser eleito presidente da Câmara de Coruche pelo PS foi vereador pela CDU. Nunca se filiou em partidos. Rejeita a disciplina que isso obriga. Como autarca sente-se um gestor que tem que prestar contas a mais de vinte mil patrões. Lamenta que os autarcas estejam a perder a autonomia política e financeira o que fará com que a actividade deixe de ser interessante. Está a cumprir o último mandato e não sabe o que vai fazer a seguir. A única certeza é a de que não vai calçar pantufas.
Foi vereador da CDU antes de ser eleito presidente da Câmara de Coruche pelo PS. Como é que um militante comunista se torna socialista?Começa por não ter sido militante comunista nem ser militante socialista. Sou independente. Não tenho a disciplina que é preciso para ser militante partidário apesar de muitos convites e insistências. Apesar de nunca se ter filiado em partidos é um homem de esquerda...Sim, embora não me reveja necessariamente nos partidos que trabalham à esquerda. Continua a haver ricos e pobres e um sonho de justiça que a esquerda ajuda a cumprir muito mais que a direita. Sou de esquerda pelas minhas origens e porque vivi as alegrias do 25 de Abril. Tinha 17 anos. Estava a estudar em Santarém. Digo a brincar que também participei porque Salgueiro Maia saiu de perto da casa onde eu vivia na altura.Continua a sentir-se confortável na pele de político?Não comungo da ideia de que os políticos são maus. Há bons e menos bons como em tudo na vida. A política é uma actividade nobre. Ouvir dizer mal é o discurso fácil e recorrente quando há problemas. No futebol descarrega-se nos árbitros. Na política descarrega-se nos políticos. Os autarcas escapam um pouco a esse tipo de críticas... É justo porque todos os dias somos escrutinados. Desde logo pelos funcionários que são 400 nesta casa. São os primeiros a ter opinião sobre o presidente. Costumo dizer que temos mais de vinte mil patrões que são os habitantes do concelho. Temos obrigação de tentar dar resposta aos seus anseios. Qual foi o comentário mais caricato que ouviu de um desses patrões?Lembro-me da celeuma que deu a primeira rotunda. Muita gente especulou. Juntavam-se ali dezenas de pessoas, quase por turno, dizendo os maiores disparates. Uns porque tinham estado emigrados, outros porque tinham sido encarregados de obras. Lembro-me de ouvir alguém gritar: «Quero ver se passa aqui o meu camião». Seis meses depois perguntei-lhe se o camião lá passava. Não só passava como já nem essa pessoa se lembrava do que tinha dito. São coisas que nos ferem mas temos que ter calma... Foi um exercício que aprendeu a fazer?Sim. Como ribatejano que sou tenho o coração ao pé da boca. Faço um esforço para me controlar. Há coisas que o tempo ajuda a resolver. Continua a achar, tal como quando se tornou presidente, que os autarcas não têm tanto poder como se pensa? Não têm tanto poder como se pensa e o que ainda resta tem vindo a ser posto em causa. O futuro não me parece interessante em termos de actividade autárquica. Há um conjunto de imposições do Governo e cortes que vão prejudicar o trabalho dos autarcas quer em termos de autonomia política quer do ponto de vista financeiro. Poderemos estar face a uma alteração do modelo autárquico que é das grandes conquistas de Abril. Quais são as imposições que mais o chocam?Caímos todos na mesma malha apesar de não termos o mesmo desempenho. A câmara não tem dívidas, paga a tempo e horas, tem dinheiro a prazo no banco e obra feita mas mesmo assim é penalizada. É quase um castigo. O que se está a fazer com a extinção das freguesias é outro disparate. Percebe-se por que é que um ex-forcado é o presidente da secção dos municípios com actividade taurina da Associação Nacional de Municípios Portugueses.As populações têm tradições que apesar de parecerem exóticas fazem sentido. É mais difícil para mim assistir a um combate de boxe que a uma tourada. Os animais estão num patamar diferente dos humanos. Quando pretendemos humanizar os animais há qualquer coisa que vai mal. Qual foi a obra que lhe deu mais prazer conquistar?Coruche não tinha praticamente rede de esgotos em 2001. Só duas ETAR’s funcionavam. Hoje temos um rio despoluído cujas margens estão valorizadas e que é hoje local de desporto e lazer. Além disso acabaram as cheias. Temos um parque desportivo sem luxos mas com qualidade e utilização e valorizámos o parque escolar. Coruche é hoje um nome incontornável na fileira da cortiça. É também o principal produtor de pinhão. A crise existe mas a agricultura e floresta são rentáveis e têm futuro. Quando assumiu o cargo disse que só faria dois mandatos mas já vai em três...Dois ou três mandatos é o ideal para fazer trabalho ainda que não concorde com a limitação de mandatos. É uma imposição para autarcas mas não para outros cargos políticos... O que vai fazer depois de deixar de ser presidente de câmara?Alguma coisa mas ainda não sei o quê. Não me vejo parado e de pantufas calçadas até porque não gosto de estar no sofá.Um ex-forcado que gosta de cozinhar e dispensa o motorista Dionísio Mendes, 56 anos, é presidente da Câmara Municipal de Coruche, eleito pelo PS, desde 2001. Antes já tinha sido vereador da CDU durante dois mandatos. É um homem de esquerda mas recusa filiar-se num partido por ser contra a disciplina que isso implica. O autarca tornou Coruche um nome incontornável quando se fala de cortiça. Criou uma feira internacional e um observatório dedicado ao tema. Orgulha-se de ter requalificado o parque escolar num concelho que passou a ter espaços de qualidade para a prática desportiva. Graças ao seu trabalho o saneamento básico cobre agora todo o município. Orgulha-se de ver correr limpo o rio Sorraia que atravessa a vila. Quando chegou à câmara trocou o escuro gabinete do presidente por um espaço luminoso, embora sem casa de banho privada, onde não precisa de ligar o aquecimento no Inverno. Um quadro com rosas vermelhas é o mais forte elemento de decoração no gabinete. Gosta de escrever à mão. A secretária já se habituou a decifrar a caligrafia. Sai para tomar café a meio da manhã e almoça em casa ou na cantina da câmara. Na maior parte das saídas oficiais dispensa o motorista. Gosta de ir aos locais sozinho para não criar distâncias com os munícipes. Continua a ser um dos primeiros a chegar à câmara e dos últimos a sair. Procura não levar trabalho para casa e quando é preciso adiantar processos de obras prefere passar uma tarde de sábado ou domingo na câmara. Dionísio Mendes foi professor de História e teve uma breve passagem pelo mundo empresarial. Está a cumprir o terceiro e último mandato à frente da autarquia de Coruche e ainda não sabe o que vai fazer quando este desafio chegar ao fim. O presidente da secção de municípios com actividade taurina da Associação Nacional dos Municípios Portugueses já foi forcado e jogador de futebol. Ainda dá uns pontapés na bola no pouco tempo que a política lhe deixa livre. Continua a ser um consumidor compulsivo de livros. Gosta de José Luís Peixoto e está a ler ao mesmo tempo um romance histórico sobre a Marquesa de Alorna, de Maria João Lopo de Carvalho, e uma obra sobre as ironias do projecto europeu de Rui Tavares. Gosta de cozinhar para aliviar a tensão depois de um pesado dia de trabalho. A companheira, funcionária da Câmara Municipal de Coruche, agradece e aprecia. Tem dois filhos. O mais velho, de 24 anos, está a seguir a carreira de investigação na área da química. O mais novo, de 21 anos, seguirá muito provavelmente, os passos do pai na política.
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