Por acaso
Uma coisa é o acaso-sorte de nos sair o euro-milhões e outra, muito diferente, é o acaso-acidente que leva ao avanço do conhecimento. Há muitas descobertas científicas que foram feitas “por acaso”… mas Louis Pasteur dizia: “O acaso só favorece os espíritos preparados e não prescinde da observação”.Hoje quero referir-me a uma descoberta relevante feita em Portugal a que o acaso não foi estranho. O assunto tem a ver com neutrões. Para o leitor menos familiarizado com estas matérias, direi que toda a matéria – sem excepção, seja ela sólida, líquida ou gasosa–é constituída por átomos, e que os neutrões (assim chamados por serem electricamente neutros) são partículas que fazem parte dos átomos.Um reactor nuclear de investigação é uma máquina que produz neutrões,que podem ser utilizados em diversas aplicações. Muitas destas aplicações obrigam a colocar uma amostra de pequenas dimensões (de fracção de milímetro a centímetros), durante um certo tempo (de segundos a dezenas de horas) no meio onde os neutrões são produzidos. Ao serem bombardeadas com neutrões, as amostras tornam-se radioactivas. É este o efeito pretendido. Só que é preciso saber fazer bem os cálculos para se ter o resultado desejado…A primeira vez que tomei consciência disto foi em meados da década de 1960, aquando da produção de uma fonte radioactiva no Reactor Português de Investigação para ser utilizada no controlo de soldaduras numa empresa metalomecânica de Alverca. Pelo facto de não se ter tido na devida conta um fenómeno designado por autoprotecção neutrónica, a experiência saldou-se por um fracasso: em vez da intensidade pretendida para a fonte radioactiva, obteve-se cerca de metade do valor que se esperava alcançar! A autoprotecção é consequência de os neutrões não se distribuírem uniformemente em toda a amostra: a absorção de neutrões na parte externa faz com que haja menos neutrões na parte interna. Este fenómeno depende:(1) do material que é sujeito à acção dos neutrões (cobalto, ouro, etc.), (2) da forma da amostra (folha, fio, esfera, cilindro) e (3) das dimensões da amostra. Por outras palavras, há uma infinidade de combinações possíveis em que é necessário saber calcular o factor correctivo de autoprotecção.Durante mais de meio século, os valores existentes(na literatura científica)do mencionado factor correctivo foram obtidos caso a caso, isto é, consoante o material,a geometria e as dimensões da amostra. Imprevistamente, um estudo sistemático (mediante simulação computacional) realizado no Laboratório Nuclear de Sacavém, entre 2000 e 2004, acabou por levar à descoberta de uma curva única, que pode ser aplicada universalmente. A validade dos resultados da nossa equipa tem sido confirmada internacionalmente por cientistas de três dezenas de países que desde então os têm utilizado e citado nos seus trabalhos. Eduardo Martinho
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