“Gosto do impossível porque lá a concorrência é menor”
José Dias Castelo, 49 anos, empresário, Santarém
José Dias Castelo, 49 anos, é um homem dos sete ofícios. Trabalha por conta própria e faz um pouco de tudo na área da electricidade e carpintaria passando pela canalização e pintura. Vive em Santarém com a mulher e a filha de sete anos. Andou na borga durante vinte anos mas hoje em dia é à família que dá prioridade.
Quando era pequeno construía os meus próprios brinquedos. Fazia volantes com arame e lã e com os meus amigos organizava a volta à estação da Ribeira de Santarém, onde cresci. Brincávamos ao hóquei com ramos de árvores, ao peão e ao berlinde. Construíamos carrinhos de rolamentos com latas, fazíamos arco e flecha com elásticos e caricas para imitar índios e cowboys. Os mais ricos é que tinham brinquedos e nós limitávamo-nos a olhar. Tive uma infância feliz ainda assim. Quando fui para a escola foi como se tivesse atingido a maioridade. Tínhamos que aprender a viver aos sete anos. Sempre que os miúdos iam para a escola as mães soltavam um alívio. Com essa idade já fritava uns ovos porque a minha mãe saía cedo e não podia dar-nos atenção. O pequeno almoço era óleo de fígado de bacalhau. Aos 12 anos fui trabalhar para uma tipografia mas fugi. Colocaram-me pedras dentro de latas de tinta vazias e quando fui despejá-las, no carrinho de mão, foi tudo por ali abaixo. Cheguei a trabalhar de noite a fazer pão e na Junta Autónoma de Estradas a desenhar os autocarros e os símbolos da curva e contracurva à esquerda e à direita dos sinais que eram feitos em pedra. Como era muito novo e não podia ser aumentado fui trabalhar para as obras. Ganhava dois contos e passei a ganhar oito. Passei muitas telhas à corda para o telhado do seminário, trabalhei em telecomunicações até que montei uma empresa de pintura. Estive três dias sem comer no Algarve porque um cliente para quem estava a fazer um trabalho não me pagou. Tinha pago o primeiro mês mas não pagou o segundo. Paguei tudo o que tinha a pagar aos oito funcionários e fiquei sem nada. Quando a minha irmã me telefonou contei-lhe o que me acontecera e ela fez-me uma transferência bancária. Não me arrependi de ter voltado à vida empresarial. Também aprendemos com estas situações. Andei vinte anos na borga. Casei cedo, divorciei-me cedo e resolvi aproveitar a vida. Trabalhei muito mas também me diverti muito. Durante uns anos foi chapa ganha, chapa batida. Aproveitei as três coisas que são um barril de pólvora: mulheres, tabaco e bebida. Não andava sem rumo. Sabia o que estava a fazer. Tudo mudou quando conheci a minha actual mulher. Houve uma química e foi tudo muito rápido. Estive sete anos sem tirar férias porque dei prioridade à casa. Eu e a minha mulher construímos o nosso bem estar. Remamos os dois no mesmo sentido. Somos uma máquina bem oleada. No ano passado a casa ficou pronta e já conseguimos tirar cinco dias de férias. Lá em casa se ganhamos dez só podemos gastar sete. Passou a ser esta a minha filosofia de vida. Desde que a minha filha nasceu que me dedico mais à família. Deixei de trabalhar aos sábados, domingos e feriados. Faço alguns arranjos no meu atelier para não ter em casa de ferreiro espeto de pau. Preferimos ficar em casa um mês e poupar para fazer depois um programa no jardim do zoológico, por exemplo. Sou o cozinheiro lá de casa. Faço de tudo um pouco e gosto de inventar. Vou à internet procurar ideias e crio. Faço bonecos com a fruta e a minha filha em vez de comer apenas maçã acaba por comer maçã, laranja e banana e nem se apercebe porque fiz um desenho no prato. Gosto do impossível porque lá a concorrência é menor. Este é o meu lema profissional. Trabalho em carpintaria, canalizações, electricidade, pintura, pequena construção civil e restauro. Faço tectos falsos e chão flutuante. Levo sempre na carrinha uma mochila com as ferramentas básicas para fazer de tudo um pouco. Sou confrontado com situações para as quais as pessoas acham que não há solução mas acabo por encontrá-la. Sou um inventor. Sou um rio com vários afluentes. Já fui músico, joguei futebol, pratiquei artes marciais e fiz remo. Sou do Benfica mas não sou fanático. Gosto de ver a vida de várias maneiras. Temos que ser realistas mas também precisamos da fantasia. Não acredito em religião nem em política. Só não sou ateu porque acho que existe uma força superior. Vivi até aos 11 anos no regime do Salazar. Lembro-me das dificuldades que se passava mas desde aí pouco ou nada mudou. Temos mais algum conforto mas a verdade é que estamos há 38 anos a viver de aparências.Ana Santiago
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