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“Nunca recuso trabalho”

“Nunca recuso trabalho”

Paulo Vasconcelos, 48 anos, solicitador e agente de execução, Torres Novas

Nasceu no Entroncamento mas sempre viveu em Torres Novas. Após acumular várias experiências profissionais, tirou o curso de Solicitadoria, actividade que exerce por conta própria há 22 anos e que complementou, mais tarde, com a formação de agente de execução. É apaixonado por História e o seu escritório localiza-se em pleno centro histórico, na casa onde viveu o pintor Carlos Reis. É casado, tem dois filhos e monárquico por convicção.

Em criança dizia que queria ser arqueólogo. Pratiquei arqueologia como passatempo num grupo que existia em Torres Novas do qual fui fundador. Antes de optar pelo curso de Solicitador fiz um estudo de mercado e verifiquei que existiam poucos pelo que poderia ser um caminho. Os meus pais não me podiam pagar um curso na faculdade e por isso escolhi tirar Solicitadoria no Centro de Estudos Judiciários, em Lisboa, dinamizado pela Câmara dos Solicitadores, porque tinha uma menor duração e permitia-me trabalhar e estudar ao mesmo tempo.O meu escritório é na casa onde viveu o pintor Carlos Reis. Vi o imóvel à venda, apresentei uma proposta e acabei por adquiri-lo há dois anos. Para mim a História é tudo. Quando entro numa casa que sinto que tem algo subjacente valorizo-a de imediato. Já nasci assim. Gosto de casas antigas, de escritórios antigos, de carros antigos. Gosto do antigo. Tudo o que tenha história por trás é mais interessante.Gostaria de ter seguido a carreira militar mas não foi possível. Faço parte da Associação Portuguesa de Veículos Militares, um clube com sede em Oeiras. Restauramos carros do exército. Tenho dois carros antigos que acabam por ser o meu escape. Fui dos primeiros torrejanos a aparecer vestido a rigor na primeira Feira Medieval de Torres Novas. Apanhei toda a gente desprevenida e até diziam que a câmara me pagava para andar assim vestido. Fui a Espanha passear e comprei fatos para toda a família. No ano seguinte toda a gente aderiu. Ser profissional liberal é ter um horário a tempo inteiro. Uma pessoa habitua-se a não saber como vai ser o dia de amanhã. É um risco ser negociante. As leis mudam todos os dias e é preciso ter perfil para exercer esta profissão. O mercado demora anos a ser conquistado. Quando comecei havia poucos solicitadores mas agora, por causa da crise, é moda. Quando não tinha trabalho ia à procura dele. Passei muitas noites sem dormir, a pensar como é que havia de dar a volta aos assuntos. Trabalho em média 15 a 16 horas e só descanso ao domingo. Não se pode entrar às nove e às cinco vou para casa descansar. Comecei a exercer numa sala alugada e apenas com uma máquina de escrever. Actualmente dou emprego a oito, nove pessoas.Não acredito na figura do patrão de chicote na mão. Sou exigente embora tenha uma maneira de estar diferente. Não gosto de andar a ralhar com ninguém e aposto na verdadeira equipa de trabalho. Felizmente, criei essa equipa e posso estar quatro/cinco dias sem estar no escritório que tudo funciona. Quem quer estar está, quem não quer meta o lugar à disposição. Sinceridade e frontalidade acima de tudo. Nunca recuso trabalho. Esta área é muito exigente, não pode haver falhas. Há uma organização desorganizada uma vez que os processos não podem estar parados na prateleira. É bom sinal ver montes aqui e acolá porque é sinal que as coisas estão a andar. Por nunca ter recusado trabalho fui obrigado a crescer porque atrás de um cliente vem outro. Uma casa demora anos a fazer.Sou dos primeiros agentes de execução do país. Tirei um curso de seis meses em Leiria. Quando me instalei o trabalho era dividido por Comarcas e tive que abrir um escritório em Tomar e Ourém, onde existiam tribunais. Em 2009 a lei mudou e fiquei com o escritório em Torres Novas e nas Amoreiras, em Lisboa, onde só atendo por marcação. Fazer execução é cada vez mais arriscado porque as pessoas estão desesperadas. Há penhoras que são aplicadas porque as pessoas não querem pagar mas também há aquelas que não pagam devido a dificuldades económicas. Quando vamos a casa de uma família com menores para ser despejada não é uma situação fácil. Também temos coração. Mas, quando se chega a esta situação, as pessoas estão mais que avisadas. Não é nada que apanhe as pessoas desprevenidas. O mau da fita sou eu porque sou eu que estou ali. Só em último recurso é que levo as autoridades comigo. A persistência dá frutos. Antes de me estabelecer por conta própria trabalhei em vários locais. Fui servente, pedreiro, apanhei figos, fui operário numa fábrica de foguetes e nos Curtumes em Alcanena e, já depois de tirar o curso, num banco. Quem não arregaça as mangas nunca sai da crise. Nunca desligo o telemóvel mesmo nas férias. Estamos sempre com o coração nas mãos. Gosto de ler, de ver televisão, vou a concentrações de veículos antigos e tento conviver com colegas mas o tempo livre não é muito. Sou casado com uma advogada e, em casa, trocamos muitas impressões. Nunca partilhámos escritório porque achamos que iriamos chocar e levar os problemas para casa. Sou um monárquico convicto. As Monarquias resultam mais do que as Repúblicas em termos de figura de Estado, de representação do país. Estive em Marrocos há dois anos, que tem 22 partidos políticos, e as pessoas unem-se em torno da figura do rei. É um mediador que é respeitado, o que não acontece com o Presidente da República.Elsa Ribeiro Gonçalves
“Nunca recuso trabalho”

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