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“A vida é tão bela que deve ser aproveitada ao máximo”

“A vida é tão bela que deve ser aproveitada ao máximo”

Telmo Fernandes é surdo de nascença mas isso não o impede de estar bem integrado na sociedade

Foi a professora da escola primária que, aos seis anos, descobriu que Telmo Fernandes era surdo. Até essa idade os pais julgavam que o filho tinha uma deficiência mental porque não falava, apenas emitia sons. Depois de consultar médicos chegou-se à conclusão que a sua surdez era irreversível e que teve origem em complicações durante o nascimento. Nada que trave a vontade de viver e o desejo de aprender deste jovem médico e advogado, que é casado e tem um filho.

Telmo Fernandes, 33 anos, é advogado, médico de medicina chinesa, com especialização em acupunctura, professor universitário, está a tirar doutoramento em ciências da educação, joga futebol de salão federado, corre, pratica BTT e… é surdo de nascença. Uma limitação que não lhe afecta o dia-a-dia. Natural de Coimbra, está em Fátima há cerca de um ano onde é coordenador da acção pastoral da paróquia de Fátima e assessor do padre Rui Marto. É casado e tem um filho com 18 meses.Quem fala com Telmo Fernandes não percebe que é surdo. O seu discurso é fluente, perceptível e entende tudo o que lhe é dito. O som do telemóvel está adaptado de maneira a que consiga ouvir o que é dito do outro lado da linha. “Os nossos ossos também captam sons e através da vibração também consigo perceber o que dizem”, explica.Foi a professora da escola primária que, aos seis anos, descobriu que Telmo Fernandes era surdo. Até essa idade os pais julgavam que o filho tinha uma deficiência mental porque não falava, apenas emitia sons. Depois de consultar médicos chegou-se à conclusão que a sua surdez era irreversível e que teve origem em complicações durante o nascimento. Frequentou a escola mas não falava. Por volta dos 15 anos tudo mudou quando Telmo começou a oralizar as palavras. Ainda hoje tanto os médicos como o próprio não sabem explicar como isso aconteceu. Nunca ouviu o som da sua voz nem a dos outros. Confessa que são os seus olhos que ouvem. Aprendeu a ler os lábios e percebe pelo rosto e expressões das pessoas se estão a perceber o que está a dizer. Usa um aparelho auditivo no ouvido direito, desde os seis anos, que apenas ajuda a descodificar alguns sons mais fortes. Tentou colocar um aparelho no outro ouvido mas provocava-lhe desequilíbrio e não se adaptou. “Como autodidacta que sou arranjei mecanismos para entender o que as pessoas dizem, apesar de não ouvir as vozes dos outros. O facto de ter conseguido oralizar deu-me mais independência e autonomia, o que é muito importante”, explica a O MIRANTE.Telmo Fernandes tenta adaptar-se a todas as situações, sobretudo a nível profissional. Quando está num julgamento, por exemplo, posiciona-se de maneira a conseguir ver todos os intervenientes que estejam na sala e a ver também os seus lábios para entender o que está a ser dito. Tem tendência a controlar a conversa para se sentir seguro. E ser surdo também tem algumas vantagens. O advogado refere que consegue perceber, através dos lábios, o que alguém a cem metros de distância está a conversar. Vai a discotecas ocasionalmente mas não é algo que adore fazer. “Gosto de dançar porque, apesar de não ouvir a música, sinto a vibração dos sons. O problema é que percebo todas as conversas que se têm e a maioria não é das mais apropriadas”, brinca. Confessa também, entre risos, que já fingiu não perceber o que a esposa estava a dizer para não discutirem. “Tenho que aproveitar algumas vantagens de ser surdo”, diz.Não precisa de som para ver televisão. Basta-lhe ler os lábios. O nascimento do filho fê-lo alterar algumas rotinas. Até então, Telmo não tinha preocupação com o barulho que fazia em casa, porque não ouvia. Agora tem cuidado a abrir a porta de entrada ou a arrumar mesas e cadeiras. “Tenho que perceber que tenho um bebé em casa, que ouve, e pode acordar com o meu barulho”, explica. Se por algum motivo tem que ficar com o filho em casa não é motivo de preocupação. Existe uma fita que coloca no seu pulso e outra no filho que emite uma vibração em caso de choro ou agitação. Telmo Fernandes vive cada dia como se fosse o último. “A vida é tão bela que deve ser aproveitada ao máximo. Aprendi a viver com a surdez e aproveito a energia que tenho que ter para ultrapassar todos os obstáculos para absorver tudo o que a vida tem de melhor”, considera.A sociedade não está preparada para quem tem alguma deficiência O médico e advogado garante que a sociedade não está preparada para os surdos ou para quem tem algum tipo de deficiência. Diz que se fosse arquitecto desenhava um mundo adequado às pessoas surdas. E dá vários exemplos. Os surdos não ouvem a campainha tocar. As casas deviam estar equipadas com iluminação sonora sempre que a campainha toque. Um surdo quando vai ao hospital não ouve chamarem pela sua vez. O 112 [número de emergência nacional] não tem possibilidade de accionar este meio através de mensagem escrita de telemóvel. A solução neste caso é enviar mensagem para a Guarda Nacional Republicana (GNR). A televisão não tem intérprete de língua gestual 24 horas por dia em todos os canais.Telmo Fernandes gosta de dar a conhecer a comunidade surda às pessoas e luta pela integração dos surdos na sociedade. “Somos pessoas normais que temos algumas barreiras no nosso dia-a-dia porque não ouvimos. A nossa deficiência ou limitação às vezes é a nossa eficiência. Também gosto de explicar que todos podem dar muito a quem mais necessita e que ninguém sabe o dia de amanhã. Esta é uma situação que pode acontecer a qualquer pessoa”, sublinha.Considera-se um homem realizado mas tem o sonho de um dia poder criar uma instituição onde possa ajudar pessoas com deficiências, incluindo um lar para surdos. “Quem sabe se um dia não consigo”, deixa no ar com o seu sorriso simpático. Pelo que vimos, não existem impossíveis para Telmo Fernandes.
“A vida é tão bela que deve ser aproveitada ao máximo”

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