“Não podemos querer manter um tribunal no nosso quintal só porque dá jeito”
Presidente da delegação de Vila Franca de Xira da Ordem dos Advogados diz que há resistência das juntas em fazer protocolos para consultas jurídicas
Paulo José Rocha não é contra o novo mapa judiciário que implica o fecho de tribunais e considera mesmo que tem havido muito ruído político neste processo. Tem uma visão positiva do sector mas reconhece que para a maior parte dos cidadãos a justiça é cara. Um dos seus projectos é implementar um sistema de aconselhamento jurídico a preço simbólico nas várias freguesias do concelho, mas diz que tem encontrado resistência por parte de algumas juntas.
Como vê a evolução da comarca de Vila Franca de Xira?É uma comarca que não tem tido grandes alterações. Já há muitos anos que tem o mesmo número de secretarias judiciais. O tribunal de família e menores não está com capacidade de resposta mas se fechar um tribunal com pouco movimento algures e os recursos humanos forem transferidos para Vila Franca há um ganho para a justiça. Porque vai conseguir-se despachar os processos mais rapidamente.A delegação da Ordem dos Advogados tem vindo a combater a procuradoria ilícita. Ainda há pessoas a fazerem ilegalmente trabalho que é competência dos advogados?Há e vai continuar a haver mas o combate tem sido eficaz e já não existe um número de casos tão grande. Há trabalhos burocráticos que pessoas com alguma tarimba acabam por conseguir fazer. E fazem disso uma forma de ganharem dinheiro. Tenho conhecimento de, por exemplo, alguns contabilistas fazerem coisas que cabem a advogados, como contratos de trabalho. Percebo que as pessoas tendo um contabilista não queiram pagar a um advogado, mas um advogado também não deve fazer contabilidade.Por que é que a delegação não tem programas de aconselhamento aos cidadãos em todas as freguesias do concelho?Fazemos o dia da consulta jurídica gratuita num dia do ano, inserido numa acção nacional. Neste momento só temos um protocolo com a Junta de Freguesia da Póvoa de Santa Iria para consultas que custam simbolicamente 25 euros. Queríamos implementar este sistema nas outras freguesias do concelho, com consultas feitas por advogados da delegação em regime de rotatividade, mas não tem sido fácil.O que é que está a dificultar esse processo?Temos assistido a alguma resistência por parte das juntas. Talvez por questões de interesses e amizades. Eventualmente, conivência entre alguns autarcas e alguns advogados. Sei que esta posição é polémica, mas assumo-a. A delegação está a tentar perceber que tipos de apoio dão as juntas a alguns advogados que usam as suas instalações. Estamos a tentar perceber as relações entre as freguesias e os advogados. Porque é eticamente reprovável que existam advogados nas autarquias a fazerem consultas gratuitas como forma de angariarem clientes para os seus escritórios.Compensa ser advogado em Vila Franca?Compensa porque as rendas são mais baratas que em Lisboa (risos). Antigamente o advogado tinha o escritório em determinada localidade e praticamente só trabalhava naquela comarca. Hoje em dia ter um escritório em Vila Franca é apenas um sítio onde se trabalha, porque os advogados têm clientes de vários pontos do país.O concelho ainda dá muito trabalho aos advogados?Em termos de apoio judiciário a comarca é conhecida como atractiva. Mas em termos comerciais já não é o que era porque houve uma redução brutal do tecido empresarial. As empresas são quem dá o grande volume de trabalho aos advogados. Não é viável depender do cliente particular. Além de que um cidadão, genericamente, precisa de um advogado uma vez na vida.“Não podemos exigir que existam tribunais em todas as terras”Também é dos que está contra o novo mapa judiciário que implica o fecho de tribunais?Antes de ser advogado sou cidadão, sou pai e também gostaria de deixar o meu país melhor às novas gerações. Para isso o Estado tem de poupar e deixar de ser tão pesado. Não podemos andar preocupados em querer corporativamente manter um tribunal no nosso “quintal” só porque nos dá jeito.Há muito ruído político nesta questão?Sem dúvida. As pessoas andam entretidas a falar em detalhes e distraem-se das decisões macroeconómicas e políticas relacionadas com as nossas vidas.O anterior bastonário da Ordem, Marinho e Pinto, chegou a defender a existência de tribunais em todos os concelhos por uma questão de proximidade da justiça ao cidadão.Isso é um disparate. Posso ir de Vila Franca a Alenquer a pé e há quem faça habitualmente 10 quilómetros de corrida, só por desporto. Provavelmente há razões para que existam tribunais nestas duas localidades mas não podemos exigir que existam tribunais em todas as terras. Está agendada assembleia de advogados para auscultar as opiniões de todos os advogados que poderão ser substancialmente diferentes da minha.Quando há tomadas de posse de dirigentes das delegações fala-se sempre na necessidade de defender a classe. É preciso defendê-la de quê ou de quem?No meu caso não falei nisso porque não sinto necessidade de defender a classe de ninguém nem de nada. Mas sinto que é necessário promover a união da classe. Se as pessoas estiverem desunidas mais dificilmente conseguem fazer vingar um interesse para elas e para a classe.Deve ser difícil promover a união de profissionais que ao mesmo tempo são concorrentes.Somos concorrenciais porque “vendemos” o mesmo serviço e muitas vezes somos até adversários uns dos outros. Mesmo defendendo interesses opostos temos a nobreza de a seguir nos sentarmos a uma mesa a confraternizar e não trazer para “cima da mesa” aquilo que nos separou na defesa desses interesses opostos. Poucas profissões se podem orgulhar de ter este ambiente.A sensação que as pessoas têm é que não se investe na justiça. Porquê?O investimento na justiça politicamente não tem o mesmo impacto que tem por exemplo na saúde. Em termos de votos tem mais impacto investir na saúde porque é aquela área a que toda a gente recorre. A grande percentagem dos cidadãos não recorre aos tribunais. São imensas as vezes que as pessoas nos dizem: “nunca entrei nem nunca pensei entrar num tribunal”.Tem havido algumas medidas ao longo dos anos com o objectivo de melhorar a resposta dos tribunais mas parece que os problemas continuam.Houve alturas em que a justiça esteve muito pior em termos de morosidade. Melhorou-se muito em termos de execuções. A justiça está mais célere do que já esteve nos últimos dez anos. Por exemplo, o novo Código do Processo Civil vem muito menos comezinho com uma justiça mais material e menos formal. Mas também é verdade que se podia ter feito muito mais coisas.O que é que melhorou?Na ligação do cidadão à justiça temos uma plataforma que é o Citius que em Espanha não existe. Posso estar no meu escritório a preparar uma contestação com um prazo que termina à meia-noite e mandá-la online através do Citius minutos antes do prazo.Justiça deve ser entendida pelos cidadãosPor que motivo os tribunais continuam a ter uma linguagem que não é compreendida pelos cidadãos?Parece às vezes uma vaidade ou uma forma de criar uma espécie de nicho de negócio. Quando a justiça devia ser o oposto. Se a justiça está ao serviço do cidadão e este não a percebe, o que estamos aqui a fazer? Por exemplo um dos efeitos da justiça criminal é o dissuasor mas se a pessoa não percebe as decisões está-se a perder um dos objectivos do direito penal.Se os tribunais comunicarem com a comunicação social evita-se muitos dos problemas relacionados com a violação do segredo de justiça?Ao contrário dos advogados que têm muita vontade de aparecer sobretudo por questões comerciais, os magistrados do Ministério Público e os juízes são pessoas reservadas. A justiça tem que se abrir mais, pois há um pudor, uma vergonha transversal destes intervenientes da justiça, que ainda não entendi. Há uma tendência para fazer tudo tão discretamente que às vezes parece que é mesmo secretamente. É um erro. Há quem pense que a justiça é o centro do mundo, mas esta está ao serviço da economia e por conseguinte ao serviço das populações. Para evitar a violação do segredo de justiça e sobretudo a deturpação dos factos devia haver uma efectiva preocupação na gestão da informação que se deve tornar pública através da comunicação social salvaguardando o prudente segredo de justiça.Há a ideia de que os advogados ganham muito e que as pessoas não têm dinheiro para recorrerem a estes profissionais. Onde está o papel social da advocacia?Tem havido uma tendência, mesmo dos grandes escritórios, em anunciarem as suas actividades pro bono. As pessoas não têm consciência que a advocacia é uma profissão onde se dão muitas borlas, ou porque é um amigo, ou porque percebemos que a pessoa não tem muitas condições para pagar ou porque a consulta acabou por ser de apenas meia hora. O mais solidário que o advogado faz é o apoio judiciário, porque trabalha e não sabe quando recebe e se chega algum dia a receber do Estado.Os advogados são as pessoas certas para processarem o Estado pelos atrasos nos pagamentos.É verdade que há regras que o Estado não cumpre mas até hoje o grosso dos advogados não resolveu pôr acções em tribunal porque conhece a morosidade dos processos contra o Estado. O Estado é um devedor tremendo dos advogados. Já não conto com esse dinheiro para viver e sei de colegas que fazem as oficiosas e que já nem pedem o pagamento.Uma justiça cara como esta só prejudica os pobres?É dispendiosa mas paradoxalmente a pessoa que é muito pobre até tem melhor acesso à justiça do que aquela que é relativamente pobre. À muito pobre o Estado garante o apoio judiciário. À relativamente pobre há o problema de nem o Estado lhe conceder apoio nem a pessoa ter dinheiro para pagar ao advogado e as taxas de justiça. O que se tem que pagar de taxas para alguém da classe média representa uma justiça cara. Quem tem muito dinheiro tem a opção de escolher o advogado que quer e exigir mais atenção deste e pagar as taxas que sejam devidas.Cada vez mais os advogados estão a especializar-se. Como vê esta situação?Mal do advogado da nossa geração que ainda não percebeu que tem de haver alguma especialização na profissão. Quem faz tudo não pode fazer tudo bem. Estaremos a prestar um mau serviço se iludirmos as pessoas que conseguimos fazer tudo. Só trabalhando em equipa se presta um melhor serviço.O desportista que não gosta de futebol e não se revê na tradição auromáquica de Vila FrancaPaulo José Rocha, 41 anos, criado em Vila Franca de Xira não se identifica com a cultura tauromáquica da cidade. Confessa que detesta tourada. “Nunca me identifiquei com isto”, sublinha. Gosta de desporto, costuma fazer maratonas e sempre que pode vai para a neve praticar snowboard mas não liga a futebol. Não tem clube preferido nem sabe quem vai à frente do campeonato. “O mundo do futebol é para mim quase esotérico. Não me imagino no estádio a ver um jogo, a não ser que me ofereçam 100 euros”, diz em jeito de brincadeira. O advogado, sócio da RVF, sociedade que tem escritório no centro de Vila Franca, confessa que tem hoje alguma dificuldade em perceber o que considera o lado híbrido em que a cidade mergulhou. Nos seus tempos de juventude, diz, Vila Franca era uma terra de tradições. “Hoje não é tradicional, não é subúrbio nem cidade. Nem é a terra em que toda a gente se conhece nem é uma urbe”, realça. Mas, para o também presidente da delegação da Ordem dos Advogados, a cidade dá grandes vantagens para quem tem filhos. “Apesar de tudo é uma terra excepcional para educar as crianças e onde estas podem fazer as suas actividades extra curriculares com alguma autonomia porque fica tudo perto”.Esteve num colégio interno em Portalegre que classifica como um dos períodos mais fantásticos porque também foi onde criou laços para a vida. Ainda hoje mantém contacto com os colegas da altura. Só vê televisão de manhã enquanto se despacha para ir trabalhar. O seu tempo livre canaliza-o para o desporto e para a família e não se sente seduzido pelas actividades culturais e de lazer que existem em Vila Franca.No escritório faz parte de uma equipa jovem, uma segunda geração de advogados “com larga experiência e história na profissão, que após vários anos em exercício em prática isolada sentiu a necessidade de aliar a experiência e os saberes adquiridos num novo formato capaz de responder às necessidades e exigências dos que nos procuram”, segundo está na página do escritório no Facebook.
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