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“Estava em ascensão e por pouco não entrei em órbita”

Crónica
Estou concentradíssima a filmar aficionados à volta de um toiro que fugiu aos campinos. Todos os envolvidos se movimentam tão depressa que é quase impossível fazer imagens de jeito. O toiro parece que tem fogo no rabo. Sai e entra no enquadramento sem parar. A certa altura sinto que me tocam nas costas mas quando me volto não vejo ninguém por perto. Alguém me grita que foi por um triz! Quinta-feira de Ascensão. Estou na Chamusca a fazer a reportagem da entrada de toiros. Benzi-me várias vezes, às escondidas, quando me deram o trabalho para fazer mas fui para o local ainda a ouvir a frase. “Vai ser um trabalho limpinho e sem espinhas”. Fiz por acreditar. Primeiro entrevistei os jovens. Estavam animados e falavam do que era estar em Ascensão. Na rua Direita de S. Pedro, um troço da estrada Nacional 118 que atravessa a vila, já havia muita gente para ver passar os toiros. Em algumas janelas e varandas havia mantas coloridas. Carrinhas de caixa aberta e reboques de tractores transformados em bancadas onde se tinham juntado avós e netos. Os mais ágeis e mais atrevidos estavam a postos à beira da estrada. Sorridentes e sem medo. “Os toiros estão na rua. Os toiros estão na rua”, refere a voz masculina através dos altifalantes quando já passa do meio dia e meia hora.O coração acelera. A adrenalina sobe. Telemóveis e máquinas fotográficas e de filmar estão a postos para registar o momento. E lá estão eles, os toiros, ali mesmo à minha frente. Penso mais uma vez no aviso. “Vai tudo correr bem. É um trabalho sem espinhas”. Era...mas já não é. Um dos animais desafiado pelos espectadores aceita o desafio e sai da estrada. E depois outros. E ainda alguns cabrestos. Todos fora do controle dos campinos que os escoltavam. Procuro o touro com os olhos. Onde está o touro? Vejo-o do outro lado da estrada. Está ali. Respiro de alívio. Mas é sol de pouca dura. Lá vem ele aos pinotes na minha direcção. Fujo. Fugimos todos. A máquina continua a filmar. Há gritos. Os campinos surgem em nosso socorro. E lá vai o toiro com a escolta a cavalo. Até me doem as pernas dos nervos. E o outro touro? O outro morreu, diz uma mulher em lágrimas. Uma entrada de toiros em grande, afiançam-me! A melhor dos últimos anos, oiço alguém dizer. Finalmente começo a ter a minha própria resposta para a pergunta que andei a fazer a tantos jovens durante a manhã. O que é estar em Ascensão? Eu digo...é ter estado a menos de um palmo de levar uma cornada que me mandaria para o céu ou no mínimo para o hospital e ter escapado incólume. Um senhor que assistiu a tudo disse-me depois que eu devia entrar numa igreja para acender uma vela à santa da minha devoção. Talvez não seja má ideia. * Jornalista

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