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A Igreja não pode ficar fechada nos templos

A Igreja não pode ficar fechada nos templos

Padre Joaquim Ganhão é o director do novo Museu Diocesano de Santarém e chefe de gabinete do bispo. Homem que gosta de desafios, teve na música uma das suas paixões e ainda pensou fazer dessa arte um projecto de vida. Na passagem de mais uma quadra natalícia diz que a Igreja Católica tem de entusiasmar, sair, de ir à procura dos lugares onde está o Homem deste tempo. Porque a sua mensagem permanece actual.

Os seus gostos culturais são condicionados pela sua fé ou também aprecia obras dos chamados autores “malditos”? Uma das coisas engraçadas na preparação e execução deste projecto do Museu Diocesano foi a preocupação que tivemos de criar um pequeno grupo interdisciplinar, com mais alguns padres e outros não padres, que andou a mergulhar por alguns museus do país e da Europa onde tomámos contacto com essa gente toda. A arte como expressão do Homem é uma coisa que me encanta, que me desafia. Seja arte sacra ou qualquer outro tipo de arte.A arte e a religião entram frequentemente em choque. Deve haver limites para a expressão artística? A criação artística, no fundo, vai-nos desvendando este enigma tão belo quanto complicado que é o coração humano em cada momento e em cada época. Não me chocam as maneiras de dizer o sagrado provenientes do meio mais laico ou até ateu, que acabam sempre por evidenciar essa inquietação de uma procura do que nem sempre é dizível.Há músicas, livros e filmes que a Igreja censurou. O que pensa disso? A Igreja, como todas as outras instituições que caminham na História, passou e vai passando por fases muito precisas que fazem parte do seu devir. E a Igreja, como outras instituições, teve momentos em que exprimiu a sua relação com o mundo de determinadas formas que a levaram a anatematizar muitas coisas. Mas a Igreja do meu tempo (tenho 47 anos) já é a Igreja do Concílio Vaticano II, em que, como o Papa João XXII muito gostava de dizer, é preciso compreender o Homem deste tempo e compreender os tempos, mais do que condená-los, para lhes podermos responder. Já não sou do tempo em que no seminário havia o índex dos livros ou dos filmes proibidos.José Saramago escreveu um polémico “Evangelho Segundo Jesus Cristo”. Leu essa obra? Comecei a ler mas nunca cheguei ao fim. Não me encantou...Partiu para a sua leitura com algum preconceito? Se calhar. Não posso dizer que não. No entanto li com muita atenção o “Memorial do Convento” e, independentemente das minhas afinidades ou não com José Saramago, gostei da obra. Não é um estilo que me entusiasme profundamente, mas como literatura e até como história achei interessante. Tenho mais simpatia pelo Torga ou pelo Eça.“Ainda não chegou a hora do fim do celibato”A igreja tem vindo a perder fiéis praticantes. É um caminho sem retorno? Não sei. Mais do que a consideração da perda está a consideração do desafio da missão. Se houve um decréscimo acentuado nos baptismos ou nos casamentos - naqueles sacramentos que a tradição cristã conduzia quase espontaneamente as pessoas à igreja, fossem praticantes ou não - hoje assistimos por vezes que à diminuição correspondeu muitas vezes o aumento de uma consciência mais profunda da importância desses acontecimentos na vida de quem os celebra. Não temos sentido a perda de fiéis na nossa Diocese em termos percentuais, sobretudo considerando os Censos. O que temos de facto são desafios grandes na nossa maneira de expor a fé e de entusiasmar mesmo aqueles que estão dentro.Como é que isso se faz? O Papa Francisco tem sido muito contundente e muito claro a dizer-nos que precisamos de sair, de ir às periferias, de ir à procura dos lugares onde está o Homem deste tempo. Estas inquietações, que não são novas, são no sentido de abrir um bocadinho mais os horizontes e não ficarmos fechados nos templos. Temos gente de uma dedicação extraordinária nas comunidades cristãs, mas há sempre o desafio de que quem está não seja biombo para quem possa vir. E às vezes os vitalícios são o maior entrave a que outras pessoas se entusiasmem e se aproximem da Igreja.Há um conflito de gerações no seio do clero? No clero penso que não. Quando digo isto não me estou a referir tanto ao clero mas mais às comunidades cristãs que conheço. Quem está dentro e se sente identificado com a missão da Igreja tem necessariamente de se desinstalar e ir às tais periferias, ir à procura de chamar outros e de manifestar a outros a beleza e a alegria da fé.Já estivemos mais longe do fim do celibato dos padres? Acho que não. A questão não deve ser vista apenas sob o prisma de casar ou não casar. A questão tem que ser vista na continuidade da experiência da Igreja ao longo de séculos, com os seus problemas a vários níveis. E o discernimento que se tem feito diz-nos que ainda não chegou a hora. Aliás, a situação é mais questionada por quem não está sujeito a essa regra do que por aqueles que estão. Isso não afectará também o recrutamento de novas vocações. É sabido que a Igreja tem-se debatido com algumas dificuldades em arranjar padres. Essa é uma questão que se pode colocar legitimamente. Mas a informação que temos, de outras confissões cristãs onde não há obrigatoriedade de celibato para os pastores, é que se deparam com o mesmo problema de recrutamento de vocações. Compreendo que pode parecer uma resposta quase a chutar para canto, mas não é. A questão do recrutamento de vocações tem de ser visto noutras latitudes. A primeira tem a ver com a questão da família e do número de filhos. Antes nasciam mais crianças, os seminários estavam cheios. Depois a questão do acesso à formação que os seminários proporcionavam levava a que muitos jovens acabassem por descobrir a sua vocação religiosa lá. E tem a ver também com a vitalidade das comunidades cristãs. No seu caso como surgiu a vocação? Entrei no seminário com os meus 17 ou 18 anos. Tinha outros projectos de vida, curiosamente muito ligados à música, pois desde miúdo tocava na banda da minha terra. Aos 7 anos já tocava trompete. Mais tarde aprendi um bocado de piano e fiz cursos de Verão de canto gregoriano na abadia do Vale dos Caídos, em Espanha. O caminho que fui fazendo na comunidade da minha terra terá sido das coisas que mais me entusiasmou em termos de pôr a questão de ser padre. Os seus pais reagiram bem à sua decisão de ser padre? Felizmente tive uns pais óptimos. Trataram-me sempre com uma liberdade extraordinária. Mas a grande interpelação que senti foi da terra onde nasci e vivi até partir para o seminário.Então e as namoradas? Só houve uma e nunca chegou a ser oficial. Nunca pus muito ênfase naquilo que se deixa. Vi sempre este caminho como um percurso de desafios constantes. E a própria vivência do celibato adquire um sentido mais fecundo e mais seguro quando esses horizontes se vão cultivando e renovando. Nos últimos tempos houve alguns colegas seus aqui da Diocese de Santarém que deixaram ou suspenderam o sacerdócio. Também já foi assaltado por dúvidas ou hesitações ou é uma pessoa que, quanto a isso, está bem resolvida? Até ver nunca tive dúvidas. Mas tenho um respeito extraordinário pela história de cada um. Porque pessoas que são óptimas por vezes passam por momentos difíceis, quer da consideração de si mesmos, da sua própria vida, da sua vocação e até das coisas mais belas em que um dia acreditaram e pelas quais pensaram dar a vida. E de um momento para o outro parece que tudo entra em falência. São situações absorvidas com normalidade no seio da Igreja? São situações em que os responsáveis da Diocese, começando pelo bispo, procuram acompanhar sobretudo na relação pessoal com cada um. Mas também chega o momento em que é preciso que as pessoas digam sim ou não. Uma instituição como a Igreja não pode permanecer eternamente à espera de resposta e de uma vida que não pode ir até ao fim a adiar-se.O padre que chegou a ver na música um projecto de vidaJoaquim Ganhão nasceu a 23 de Abril de 1968 em Pedrógão, concelho de Torres Novas. Filho único, estudou em Torres Novas, na escola pública e no Colégio Andrade Corvo antes de ingressar no seminário em Lisboa e na Universidade Católica, onde concluiu a licenciatura em Teologia e a pós-graduação em Teologia Pastoral. Desde criança que aprendeu música, tendo tocado na banda da sua terra natal. Estudou também piano em Torres Novas e fez cursos de Verão de canto gregoriano em Espanha.Após ser ordenado padre, em 1995, foi pároco em Alcobertas, freguesia do concelho de Rio Maior. Em 2001 a diocese mandou-o para Roma estudar liturgia. Concluiu o mestrado com a tese sobre o movimento litúrgico em Portugal. Regressou de Roma em 2005 e veio para Santarém, onde o bispo D. Manuel Pelino o nomeou pároco da catedral de Santarém e mais tarde chefe de gabinete e responsável pela liturgia e pelas celebrações. Actualmente é também director da comissão diocesana para os bens culturais da igreja e responsável pelo Museu Diocesano, inaugurado em 12 de Setembro pelo Presidente da República Cavaco Silva.Afirma que assumiu o desafio de ser o primeiro director do Museu Diocesano de Santarém com naturalidade. “Na Igreja não nos candidatamos aos cargos. É-nos pedido que assumamos os cargos para podermos servir o melhor que podemos e sabemos”. Tem a “noção clara” que a sua área do saber não é a dos bens culturais, mas procura aumentar conhecimentos. “Vamos ouvindo quem sabe e tenho procurado ter a humildade de acolher a ajuda de todos. E a Diocese tem feito um grande esforço para ter técnicos superiores de qualidade para nos ajudar. Foi partindo do princípio que estava bem coadjuvado internamente que aceitei este desafio”.O sacerdote diz que o Museu Diocesano “foi uma aposta ganha antes de acontecer” e lembra que era uma aspiração muito antiga que vinha já do tempo do primeiro bispo de Santarém, D. António Francisco Marques. “A igreja sempre viu neste projecto não apenas uma forma de cuidar do seu património, como uma possibilidade de o dar a conhecer a todos”, considera.Boa parte do acervo exposto veio de paróquias de toda a Diocese. Muito desse património estava degradado e correndo o risco de se perder, guardado sem qualquer zelo ou préstimo. “Era património de culto que devido ao seu estado de degradação estava oculto”, diz. Questionado sobre se as paróquias têm sabido zelar pelo seu património, declara que as mesmas têm feito “um grande esforço” nesse sentido, mas as dificuldades financeiras não ajudam e por vezes o dinheiro mal vai chegando para a conservação das igrejas.O Museu Diocesano de Santarém teve cerca de três mil visitantes entre a sua inauguração em 12 de Setembro último e o final de Novembro. Os portugueses estão em maioria, seguindo-se os espanhóis. “Por um lado desejaríamos ter tido muito mais visitantes, mas por outro lado, e ouvindo até os nossos colegas e parceiros aqui da cidade e da região, parece-nos que não é desanimador”, afirma o padre, que defende mais sinergias e articulação entre diversas entidades para potenciar o turismo cultural e religioso na cidade e na região.“Ainda existe muita gente que leva o Natal a sério”Que memórias retém dos natais da sua infância? Têm sobretudo a ver com a preparação do Natal no seio da comunidade, como a azáfama do presépio que era uma coisa giríssima. Às vezes, com a aproximação do Natal, dá-me uma nostalgia engraçada dos tempos em que ia com a família ao musgo na serra de Aire. Lembro-me também que na véspera de Natal havia sempre um presente qualquer que me vinha à cabeça e azucrinava os meus pais. Houve algum presente especialmente marcante? Quando era miúdo lembro-me de ter desejado mesmo uma pista de carros que ainda tenho. Já não funciona mas nunca consegui deitá-la fora. O meu pai disse sempre que não dava mas na noite de Natal apareceu com ela. Nunca me esqueci desse momento. Que rituais mantém ainda hoje na noite de consoada? Já vivo em Santarém há 10 anos. Agora passo o Natal na casa episcopal. Nessa quadra temos cá também os nossos seminaristas, que estudam no seminário em Lisboa mas vêm passar a quadra com o senhor bispo, e somos sempre cerca de 15 à mesa. Normalmente o jantar é o tradicional bacalhau. Depois preparamos as coisas para a missa do Galo e deixamos a mesa preparada para depois tomarmos um chá e conviver mais um pouco. É uma noite longa aqui em casa. Para mim é uma noite muito bonita. O Natal hoje é um balão de oxigénio para o comércio. A data religiosa foi capturada pela economia e é hoje sobretudo uma festa da sociedade de consumo? A impressão que tenho é que às vezes corremos o risco de catalogarmos isto demasiado. Porque uma coisa sem a outra não vai lá. Mas que há uma certa subversão é verdade. E que a dita crise veio refrear um bocadinho isto, se calhar veio. Isso sente-se em todos os lados, desde as casas de comércio até aos ofertórios das missas que emagreceram significativamente. Mas o Natal não se pode esvaziar enquanto houver uma pessoa que acredite nele e que o viva a sério. E também me parece que existe muita gente que leva o Natal a sério.Há quem diga que no Natal há cada vez menos Jesus Cristo e cada vez mais Pai Natal. Sinto que nas comunidades cristãs isso não acontece assim. Claro que faz muito mais barulho um charlatão vestido de Pai Natal aqui no Largo da Sé do que eu a fazer uma pregação na Sé. Mas se calhar as pessoas que me estão a ouvir cá dentro talvez retenham um bocadinho mais do que aquilo que o Pai Natal diz lá fora. Pode ser uma pretensão minha, mas eu quero acreditar nisto. O espírito de Natal corre o risco de se perder? O homem deste tempo precisa de alma e o Natal e as celebrações cristãs, sobretudo nesta velha Europa que nasceu nesta matriz cristã, continuam a fazer todo o sentido. Vivemos num tempo em que tudo se põe em causa. Mas uma coisa é pôr em causa, outra é aqueles que convictamente o vivem e celebram também terem direito a vivê-lo e a celebrá-lo bem. Nós cristãos ainda não somos uma minoria, mas às vezes fico a pensar que só quando formos uma minoria é que voltaremos a ser ouvidos e a ser respeitados nas nossas convicções, nas nossas tradições, na nossa forma de apreender a realidade e na proposta que temos para o mundo.O padre que chegou a ver na música um projecto de vidaJoaquim Ganhão nasceu a 23 de Abril de 1968 em Pedrógão, concelho de Torres Novas. Filho único, estudou em Torres Novas, na escola pública e no Colégio Andrade Corvo antes de ingressar no seminário em Lisboa e na Universidade Católica, onde concluiu a licenciatura em Teologia e a pós-graduação em Teologia Pastoral. Desde criança que aprendeu música, tendo tocado na banda da sua terra natal. Estudou também piano em Torres Novas e fez cursos de Verão de canto gregoriano em Espanha.Após ser ordenado padre, em 1995, foi pároco em Alcobertas, freguesia do concelho de Rio Maior. Em 2001 a diocese mandou-o para Roma estudar liturgia. Concluiu o mestrado com a tese sobre o movimento litúrgico em Portugal. Regressou de Roma em 2005 e veio para Santarém, onde o bispo D. Manuel Pelino o nomeou pároco da catedral de Santarém e mais tarde chefe de gabinete e responsável pela liturgia e pelas celebrações. Actualmente é também director da comissão diocesana para os bens culturais da igreja e responsável pelo Museu Diocesano, inaugurado em 12 de Setembro pelo Presidente da República Cavaco Silva.Afirma que assumiu o desafio de ser o primeiro director do Museu Diocesano de Santarém com naturalidade. “Na Igreja não nos candidatamos aos cargos. É-nos pedido que assumamos os cargos para podermos servir o melhor que podemos e sabemos”. Tem a “noção clara” que a sua área do saber não é a dos bens culturais, mas procura aumentar conhecimentos. “Vamos ouvindo quem sabe e tenho procurado ter a humildade de acolher a ajuda de todos. E a Diocese tem feito um grande esforço para ter técnicos superiores de qualidade para nos ajudar. Foi partindo do princípio que estava bem coadjuvado internamente que aceitei este desafio”.O sacerdote diz que o Museu Diocesano “foi uma aposta ganha antes de acontecer” e lembra que era uma aspiração muito antiga que vinha já do tempo do primeiro bispo de Santarém, D. António Francisco Marques. “A igreja sempre viu neste projecto não apenas uma forma de cuidar do seu património, como uma possibilidade de o dar a conhecer a todos”, considera.Boa parte do acervo exposto veio de paróquias de toda a Diocese. Muito desse património estava degradado e correndo o risco de se perder, guardado sem qualquer zelo ou préstimo. “Era património de culto que devido ao seu estado de degradação estava oculto”, diz. Questionado sobre se as paróquias têm sabido zelar pelo seu património, declara que as mesmas têm feito “um grande esforço” nesse sentido, mas as dificuldades financeiras não ajudam e por vezes o dinheiro mal vai chegando para a conservação das igrejas.O Museu Diocesano de Santarém teve cerca de três mil visitantes entre a sua inauguração em 12 de Setembro último e o final de Novembro. Os portugueses estão em maioria, seguindo-se os espanhóis. “Por um lado desejaríamos ter tido muito mais visitantes, mas por outro lado, e ouvindo até os nossos colegas e parceiros aqui da cidade e da região, parece-nos que não é desanimador”, afirma o padre, que defende mais sinergias e articulação entre diversas entidades para potenciar o turismo cultural e religioso na cidade e na região.
A Igreja não pode ficar fechada nos templos

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