“Fico revoltada quando dizem que os políticos são todos iguais”
Júlia Amorim Presidente da Câmara Municipal de Constância
Júlia Amorim é uma mulher de convicções para quem a velha palavra de ordem “a luta continua” faz mais sentido do que nunca. Após completar o seu primeiro ano como presidente da Câmara Municipal de Constância, reconhece que o cargo a levou a ter as costas mais largas e sobrecarregadas de responsabilidade. Diz que não é fácil conciliar a vida pessoal e familiar com a actividade autárquica e que, com a vida acelerada de hoje, falta-nos tempo para pensar e planear.
Já tinha uma vasta experiência autárquica quando chegou a presidente de câmara. Quais foram as alterações mais substanciais que se verificaram no seu quotidiano? Foram várias, tanto a nível pessoal como das funções que desempenho. Apesar de procurar descentralizar quer no trabalho quer nas responsabilidades, é uma experiência diferente, porque as pessoas ainda se centralizam muito na figura do presidente, neste caso da presidente. Depois, por outro lado, há muitas competências atribuídas ao órgão presidente. No fundo, tenho as costas um bocadinho mais largas e sobrecarregadas com responsabilidade. E a nível pessoal o que mudou? Temos de estar disponíveis 24 horas por dia, que é assim que me sinto. Conciliar a vida pessoal, a vida familiar e as funções autárquicas não é realmente fácil. Ainda tem tempo para cozinhar ou para tratar da casa? Tenho que ter. Costumo cozinhar ou passar a ferro, por exemplo. Não temos empregada doméstica mas tentamos orientar-nos. E sobra-lhe tempo para mais alguma coisa? Tenho que ter tempo para estar com a Teresa (filha) e o Carlos (marido). Ainda anteontem saí da câmara às 20h30 e fui com eles ao cinema, porque tinha assumido esse compromisso. E também gosto de estar com a minha mãe, com os meus irmãos e sobrinhos. É preciso ter tempo para a família. Quando ouve dizer que os políticos são todos iguais fica revoltada ou não liga a isso? Fico revoltada, irritadíssima. A política e os políticos existem para prestar um serviço público e, como em todas as actividades, há bons e maus. Não é correcto dizer-se que são todos iguais porque em todas as forças políticas, independentemente dos ideais e convicções ideológicas, há pessoas que são sérias e outras que não. Nem os políticos são todos iguais nem as políticas são todas iguais. Os munícipes costumam ligar-lhe ou bater-lhe à porta de casa? Costumam ligar-me, bater à porta de casa, mandar-me mensagens privadas para o Facebook, abordar-me na rua, no supermercado, em todo o lado... Quais são as queixas mais comuns que ouve dos cidadãos? As queixas que mais ouço - e que por vezes não são directas e gostava que fossem - têm sobretudo a ver com o espaço urbano. Creio que quem vem de fora nota diferenças em relação a outras terras, porque o espaço está arrumadinho, está limpo, mas neste momento estamos sem três jardineiros e há alturas em que as coisas ficam com um ar desmazelado. E as pessoas notam e queixam-se. Eu também não gosto e é algo que me aborrece, porque gostava que as coisas estivessem melhor. É uma autarca adepta das novas tecnologias e das redes sociais ou prefere o contacto presencial? Sempre que posso prefiro falar, até pessoalmente do que ao telefone. O contacto pessoal agrada-me muito mais. Quanto às redes sociais, não tenho Twitter nem Instagram, tenho apenas Facebook. Mas reconheço que as novas tecnologias têm sido uma ferramenta muito útil. Tem ideia de quanto tempo passa por semana em reuniões? Em reuniões não sei, mas ao serviço da câmara chego a trabalhar 70 horas por semana, contando com sábados e domingos. Numa reflexão que fiz internamente conclui que tenho de me disciplinar, porque assim não pode ser. Quanto à questão propriamente dita, há realmente muitas reuniões de trabalho e cada vez mais fora do município, e admito que muitas delas, depois de espremidas, são pouco consequentes. O que me dá a sensação de que se chega ao fim do dia e não se tem o trabalho feito. E depois falta tempo para outras coisas, como planear e pensar, que é o que acho que está a faltar muito a todos. Por vontade do seu marido e da sua filha ainda estava na política? Estava. Eles ainda não me disseram para me vir embora (risos). Aceitam bem, embora por vezes leve uma reprimenda por estar a chegar ao limite físico e terem receio que não me aguente. Mas nunca me pressionaram para deixar a política, até porque eu procuro corresponder. Tem saudades dos tempos em que dava aulas? Tenho. Ia gostar muito de voltar a dar aulas. Sempre gostei muito da faixa etária do sétimo ao nono ano. O ano passado houve uma viagem ao estrangeiro com miúdos do 9º ano de Constância, Sardoal e Mação, organizada pelos três municípios, e acabei por ir também. Gostei imenso. Este ano só não vou se não tiver saúde. É militante comunista. Continua a acreditar nos amanhãs que cantam? Continuo. Acho que nada é perfeito. Os homens não são perfeitos e na implementação dos seus ideais também não são perfeitos. Mas continuo a achar que só avançamos com ideais e com convicções. O que a faz ser comunista hoje em dia, numa sociedade capitalista e virada para o consumo? É isso mesmo. É preciso contrariar essa tendência. Cada vez é mais fácil ser-se comunista. Há um grande preconceito em relação ao comunismo e eu cresci com ele. Cresci a ouvir dizer que na União Soviética não havia liberdade religiosa, que aquilo era tudo mau, que os comunistas iam acabar com isto tudo. Esta foi a minha juventude. A palavra de ordem “a luta continua” diz-lhe alguma coisa? Mais do que nunca. Vale sempre a pena lutar quando há razões para isso. Considera-se uma pessoa reivindicativa? Acho que quando as pessoas não estão bem servidas e estão a prejudicá-las devemos ser reivindicativos. Naturalmente com boa educação, mas devemos transmitir o que sentimos. Quando começou na vida autárquica havia muito menos mulheres nessas funções. O que mudou na nossa sociedade para se viver uma realidade substancialmente diferente? Ainda não mudou muita coisa a favor da igualdade de género. Em termos da nossa Constituição e da legislação as coisas estão bem, mas depois não se cumprem. Falta a parte prática. E não é por acaso que no novo quadro comunitário de apoio vão existir programas para fomentar a igualdade de género. Quer dizer que os homens continuam a mandar. Também não é bem assim, mas na maioria dos casos é isso que acontece. Se pensarmos nas empresas, a maioria tem homens a dirigi-las. Nas escolas, onde a população docente é maioritariamente feminina, a maior parte dos cargos de direcção é ocupada por homens. Nas autarquias a mesma coisa. Mas é verdade que alguma coisa mudou. Dá-se melhor a trabalhar com mulheres ou com homens? Tanto me dou bem a trabalhar com homens como com mulheres. Têm é que ser pragmáticos no que estão a tratar, haver organização e disciplina. Considera-se uma feminista? Se me perguntasse isso em 1990 eu, sem hesitar, dizia que sim. Hoje considero que ainda há muitas conquistas das mulheres por alcançar, mas gostava mais de me considerar uma defensora da igualdade de género. Houve alguma evolução nas mentalidades e penso que esta luta pela igualdade tem de ser de homens e de mulheres. Considero-me feminista mas dentro deste contexto, sem o radicalismo das décadas de 1960 ou 1970. Uma autarca reivindicativa e ligada à realidade Nas últimas eleições autárquicas, Júlia Amorim tornou-se a primeira mulher a liderar a Câmara Municipal de Constância. Antes foi presidente de junta de freguesia, vereadora e vice-presidente do município, sempre eleita pela CDU. Militante comunista num concelho onde o PCP tem reduzida expressão para lá das eleições autárquicas, a autarca considera que esse ideal está cada vez mais actual. Assume-se como feminista moderada a quem não falta espírito reivindicativo e considera que os políticos devem passar pelos problemas do dia a dia, sob pena de perderem o contacto com a realidade. Júlia Amorim nasceu no dia 29 de Junho de 1963 em Constância, tendo feito quase toda a sua vida na vila natal, com excepção do tempo em que estudou na Universidade de Aveiro, onde se licenciou em Biologia e Geologia, e dos poucos anos em que deu aulas em zonas mais distantes. Casada e mãe de uma filha, esta professora de profissão diz que sempre procurou encontrar um ponto equilíbrio de modo a nem ser mãe galinha nem ser mãe ausente. “Tento conciliar sempre. Temos a responsabilidade de cuidar deles. Se nos afastamos dessas vidas do dia a dia perdemos o contacto com a realidade. E esse é um erro de muitos dos nossos políticos, deixam de estar próximos dos problemas das pessoas”. No pouco tempo que ainda leva de mandato como líder do município, Júlia Amorim tem-se distinguido pela sua postura reivindicativa. Tem tomado posições firmes contra o encerramento de serviços públicos e prosseguiu a luta pela melhoria das condições na ponte que faz a travessia sobre o Tejo no seu concelho. “Acho que quando as pessoas não estão bem servidas e estão a prejudicá-las devemos ser reivindicativos. Naturalmente com boa educação, mas devemos transmitir o que sentimos”, diz. E não se importa de remar contra a corrente, como aconteceu recentemente quando foi a única presidente de câmara do Médio Tejo a não assinar o protocolo com o Governo para a criação de Espaços do Cidadão nos seus concelhos. Pessoa de pose serena e discurso tranquilo, diz que nunca definiu metas na política e que as coisas foram simplesmente acontecendo. Foi das primeiras mulheres a entrar na política activa em Constância. “Lembro-me de o meu pai não achar grande piada por eu andar a colar cartazes à noite no meio só de homens. E eu já tinha 28 ou 29 anos...”, diz com humor. Acredita que ajudou a abrir caminho à participação feminina nessas lides e nas últimas autárquicas, a lista da CDU para a Assembleia de Freguesia de Constância tinha mais mulheres do que homens. Mas não tem preconceitos nem fundamentalismos em relação às questões de género. “Tanto me dou bem a trabalhar com homens como com mulheres. Têm é que ser pragmáticos no que estão a tratar, haver organização e disciplina”, afirma.
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