“Há pessoas com cancro que descobrem forças que não imaginavam ter”
Grupo de Apoio de Santarém do Núcleo Regional do Sul da Liga Portuguesa Contra o Cancro
Apoiar pessoas com cancro é um tipo de voluntariado muito exigente. Implica tempo disponível mas implica muito mais que isso. O Grupo de Apoio de Santarém do Núcleo Regional do Sul da Liga Portuguesa Contra o Cancro reactivou o “Vencer e Viver”e alguns dos seus voluntários falam das suas experiências. Alguns acompanharam ou acompanham familiares com cancro. Outros sofrem eles próprios da doença. Maria Amália Ramilo, Maria do Carmo Fernandes e Abel Carreira falam das suas experiências e não deixam ninguém insensível.
Como é que chegaram ao Núcleo Regional da Liga Portuguesa Contra o Cancro? Maria do Carmo Fernandes (MCF) – Em 2010 foram detectados cancros ao meu marido e à minha cunhada. Ela morreu passados poucos meses e ele ainda durou cerca de três anos. Nessa altura pensei dedicar algum do meu tempo a ajudar pessoas nas mesmas circunstâncias. Ele morreu em Dezembro de 2012 e em Fevereiro do ano seguinte desafiaram-me a participar no Dia Pela Vida. Aceitei porque considerei que era a iniciativa perfeita para dar início ao que tinha planeado em termos de voluntariado. Maria Amália Ramilo (MAR) – Tive um cancro da mama e no final dos tratamentos decidi que queria ajudar pessoas que estavam a passar pelo mesmo que eu. Durante os tratamentos encontrei muitas doentes que queriam saber tudo sobre as minhas pinturas e sobre a minha peruca porque diziam que eu não tinha aspecto de quem tinha cancro. Percebi que as pessoas não se sabiam arranjar e fui dando algumas dicas de como deviam fazer para ficarem com um aspecto mais ‘saudável’. Comecei a pensar no assunto e decidi que queria ser voluntária e sentir-me útil. Tive que esperar dois anos para fazer a formação e estabilizar psicologicamente da doença. Quando fui autorizada não hesitei. Abel Carreira (AC) – Já tinha uma predisposição para ajudar as pessoas de forma individual. Tive uma pessoa na família que tinha tido um cancro e quando conheci alguns elementos do núcleo regional que andavam embrenhados na organização do Um Dia Pela Vida achei que tudo aquilo fazia sentido e decidi começar a dar consultas gratuitas para poder dar o meu contributo a quem precisa. A Maria Amália está a passar por outro período difícil. Como é que se lida com um novo cancro depois de ter ultrapassado a mesma doença há alguns anos? MAR – Foi muito difícil porque queria chegar aos cinco anos livre da doença e só cheguei aos quatro. É muito complicado receber a notícia de que tenho que enfrentar novamente o mesmo pesadelo. Primeiro foi na mama e agora tenho três carcinomas diferentes no pulmão. A quimioterapia é sempre muito complicada. Psicologicamente é muito mau. Encaro estas doenças sempre como um ensinamento. As doenças avisam-me para andar mais devagar porque sou muito acelerada mas tenho dificuldade em tirar o pé do acelerador. Quando recebi a notícia fui-me abaixo, como é normal, mas estou cá para lutar e com vontade de vencer mais esta batalha. Para mim desistir não é opção. AC – Essa pergunta é muito importante. Apanho aqui muitas situações de doentes que passam por reincidências da doença e que vêem o problema amplificado. É uma situação muito má mas também revela o que de mais extraordinário têm em si. Temos encontrado pessoas que descobriram em si forças que achavam que já não tinham. O que sente quando ajuda pessoas com cancro? AC – Quando olho para os problemas das pessoas que passam pelas consultas de psico-oncologia percebo que os meus problemas são mínimos. Tenho aprendido muito com esta experiência. Em todos os casos que passam por aqui tenho visto facetas das pessoas que acompanho que são exemplos. As pessoas que vêm acompanhar os doentes com cancro às consultas de psico-oncologia também precisam de apoio psicológico? AC – Às vezes até mais que os próprios doentes. Normalmente, só se apercebem da dor e do cansaço no meio do caminho do processo da doença. De que tipo de apoios é que o núcleo regional dispõe? AC – A Liga vive essencialmente do peditório anual e depois existem iniciativas desencadeadas por voluntários cujas verbas são destinadas para o funcionamento da liga e do núcleo regional. Temos ajuda logística da Câmara Municipal de Santarém que tem sido muito importante. Não dão dinheiro mas disponibilizam tudo o que precisamos. MCF – Este ano vamos comemorar os 25 anos do núcleo regional e estamos a preparar uma série de iniciativas. A primeira é na Casa do Campino e a outra no Convento de São Francisco. A autarquia disponibiliza-nos os espaços e ajuda-nos com toda a logística necessária. Também temos empresas que nos ajudam muito. As pessoas estão sensíveis e despertas para ajudar esta causa. Quais são as vossas maiores dificuldades? MCF – Os voluntários têm sempre muito boa vontade para ajudar mas às vezes é difícil conciliar os horários e o tempo disponível. MAR – Tenho uma grande dificuldade no grupo de apoio “Vencer e Viver”. Não há pessoas para fazerem formação para serem voluntárias e posteriormente apoiarem as doentes com cancro de mama. O principal requisito para ser voluntária neste grupo é ter tido cancro da mama mas não aparecem voluntárias. Éramos só duas, o que já era pouco. Neste momento não posso estar como voluntária por causa da doença. Que tipo de voluntários há no núcleo? MCF – Temos muitos professores, empresários, reformados. As pessoas mais velhas, sobretudo quem já não trabalha, têm mais facilidade em conciliar horários do que os mais jovens. Temos jovens que querem ser voluntários mas depois torna-se mais difícil por causa das aulas. A maioria dos nossos voluntários são mulheres. O cancro assusta muita gente e mexe muito com as emoções mas ajuda-nos a ver a vida de forma diferente. Ajuda-nos a tornar os nossos problemas menores e ajuda-nos também a ver a vida de outra forma. Nem todas as pessoas estão preparadas para lidar com este tipo de doença. MAR – Ser voluntário é querer dar mas muitas vezes também acontece haver voluntários que recebem mais do que aquilo que dão. Um convite ao voluntariado de mulheres que venceram o cancro da mama O Grupo de Apoio de Santarém do Núcleo Regional do Sul da Liga Portuguesa Contra o Cancro foi criado há 25 anos mas ganhou novo fôlego e energia depois de reactivar o “Vencer e Viver” em 2013. Maria Amália Ramilo é uma das activistas do grupo, tendo agora o apoio na coordenação de Maria do Carmo Fernandes e Abel Carreira, psicólogo. Este grupo de apoio destina-se a mulheres que sofreram, ou sofrem, de cancro de mama. O objectivo é ajudar as pacientes que passam por uma fase complicada das suas vidas a melhorar a auto-estima e encarar o dia-a-dia com mais confiança. As mulheres com carências económicas podem ir à sede do núcleo regional, na Avenida dos Combatentes, nº1, onde funcionava o Centro de Saúde de Santarém, buscar próteses mamárias, soutiens apropriados para próteses mamárias e perucas. As consultas de psico-oncologia estão a cargo de Abel Carreira, psicólogo, que presta serviço gratuito aos doentes. O objectivo é proporcionar a doentes oncológicos - qualquer tipo de cancro - e respectivos familiares apoio em diversas áreas incluindo a sexualidade, uma área muito sensível por todos os que passam por uma doença oncológica. Nas instalações do núcleo regional existe a chamada sala da costura onde uma dezena de voluntárias se reúne todas as semanas para fazer implantes de pano. Um género de almofadas que se utilizam logo após a mastectomia para a mulher sair “composta” do hospital. Para se ser voluntária no Grupo de Apoio “Vencer e Viver” tem que se ter tido cancro de mama há pelo menos dois anos. A intenção é que as voluntárias possam servir de exemplo positivo a quem está a passar pela doença. “A maioria das doentes olha para a voluntária e pensa que se ela conseguiu eu também vou conseguir. Temos que ter tido cancro há pelo menos dois anos porque já nos cresceu o cabelo e podemos ser encaradas como um exemplo positivo”, explica Maria Amália Ramilo. O núcleo regional da Liga Portuguesa Contra o Cancro distinguiu-se por Santarém ter sido a primeira cidade portuguesa a ser palco da iniciativa “Um Dia Pela Vida” durante dois anos consecutivos, em 2013 e 2014. Um feito inédito e que juntou milhares de pessoas nas ruas de Santarém para participar numa causa nobre como ajudar os doentes com cancro. Foram a segunda cidade europeia a conseguir mobilizar mais equipas na iniciativa de “Um Dia Pela Vida”, o que deixa muito orgulhosos todos os membros que integraram a organização. Actualmente contam com cerca de quatro dezenas de voluntários, embora nem todos estejam activos. A falta de tempo disponível é o factor principal para que alguns não possam participar sempre que lhes é solicitado. Os voluntários são divididos em três grupos: um faz a prevenção primária junto das escolas; outro trabalha de perto com os doentes; o terceiro trabalha junto da comunidade, organizando e participando em eventos solidários. Um dos objectivos do núcleo regional é fazer crescer o alcance das consultas de psico-oncologia. Têm doentes de todo o concelho de Santarém e concelhos vizinhos como Almeirim, Alpiarça, Coruche, Alcanena, entre outros.
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