“Quando os serviços da câmara fecham as pessoas vão bater-me à porta de casa”
Miguel Borges Presidente da Câmara Municipal do Sardoal
Miguel Borges é presidente da Câmara do Sardoal desde finais de 2013 depois de ter feito um mandato como vice-presidente. Professor de Educação Musical na vila onde se radicou há cerca de 18 anos, o autarca é um exemplo de quem luta para combater a interioridade num concelho no limite norte do Ribatejo. Já conseguiu que um curso superior seja leccionado no Sardoal e outro está a caminho. Lutador, diz que está na política como está na vida: com humildade, coragem e empenho profissional.
Como é que um professor se meteu na política? Foi a convite de um outro professor que conhecia o meu trabalho na escola e que era o anterior presidente da câmara, Fernando Moleirinho. Quando não estamos na vida política temos tendência a criticar, a dizer que as coisas estão mal e é nossa responsabilidade enquanto cidadãos de respondermos a estes convites. Não ficou assustado? Tive sempre uma participação cívica e cultural bastante activa desde o tempo de estudante. Quando aceitei este desafio, depois de falar com a família, tinha 34 anos e um passado que me custou muito a construir, com muito trabalho e sacrifício. Estou na política como estou e sempre estive na vida: com humildade, com coragem e empenho profissional porque temos que encarar esta actividade como uma profissão. Também era de andar nas manifestações de professores? Participava como músico em manifestações do primeiro de Maio mas de resto nunca andei em manifestações porque nunca calhou. As pessoas têm o direito, conquistado com o 25 de Abril, de se manifestarem. Mas não partilho dos exageros que às vezes existem nas manifestações e que chegam a roçar a comédia, o folclore. As pessoas em grupo às vezes expõem-se de uma forma que não dignifica a sua classe profissional. Tem pena de não ter tempo para se dedicar à música? Tenho muitas saudades, por vezes. No meu gabinete tenho muitos discos e enquanto profissional ouvia a música a que era obrigado, agora ouço a que me dá prazer. Consigo agora desfrutar da música de outra forma. Mas continuo a tocar todos os domingos na missa. Os grandes centros têm mais oportunidades. Não se sente frustrado? O importante é lutar e manifestarmo-nos. Há dois anos não passava pela cabeça de alguém haver um curso superior no Sardoal (de Técnico Superior Profissional de Produção Artística para a Conservação e Restauro) e neste momento estamos a trabalhar para que no próximo ano passem a existir dois cursos. Se tudo correr bem este ano vamos ter uma loja do cidadão garantindo que nenhum serviço público sai do concelho. Consegue ser ouvido nos centros de decisão? Consigo, graças às minhas técnicas vocais (riso). Mas exige o dobro do esforço porque temos de fazer o trabalho normal de uma câmara e depois temos de lutar constantemente contra a desertificação e angariar investimentos para o território. Mas são os resultados desta luta que nos vão permitir daqui por uns tempos dizer que valeu a pena. Consegue tirar “a farda” de presidente da câmara? Nos meios pequenos o prolongamento do nosso gabinete é a nossa casa. Quando os serviços da câmara fecham as pessoas, com muita frequência, vão bater à nossa porta. Esta proximidade é uma vantagem. É importante conhecer os munícipes pelos nomes, as famílias que apoiamos pelos nomes. O que lhe apetece dizer quando ouve as pessoas dizerem que os políticos só querem tacho? Que uma árvore não faz a floresta. Há pessoas com receio de irem para a política por causa disso. É completamente injusto. Conheci gente muito boa que tem lutado pela causa pública. Qual é o seu ídolo na política? Há um homem que admiro há muitos anos que é o ex-Presidente da República, Ramalho Eanes. Sempre o considerei um exemplo, alguém que esteve sempre para servir. Ao contrário do que se possa pensar ele não é assim tão austero como parece e tem grandes momentos de humor. Considero-o um grande político. Outra figura, que acho curiosa, é Winston Churchill, que teve de muito bom e de menos bom. Leio com muito gosto tudo o que sai sobre a sua vida. Há outros homens que admiro pela sua coerência, como o histórico dirigente do PCP, Álvaro Cunhal, e não tenho problemas em dizê-lo mesmo não concordando com as suas ideias. Foi uma pessoa que sofreu por uma causa na qual acreditava e isso deve merecer a nossa consideração. E o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, que tem aplicado cortes também nas autarquias? Tem crescido a minha admiração por ele. Quando se está nesta vida não se pode fazer só aquilo que os outros querem que façamos. O primeiro-ministro tem tido uma coerência ao longo do mandato que tem surpreendido os mais cépticos e tem criado uma imagem de homem de Estado, que nos últimos anos não temos tido. É o cidadão Miguel Borges a falar ou o militante do PSD? É o Miguel Borges. O meu pensamento é independente. Estou no PSD porque acredito naquilo que o partido defende e, mesmo estando ligado a uma organização política, posso discordar e dizer que o caminho tem de ser outro. É uma pessoa bem-disposta e divertida. Isso é importante para tomar decisões? É importante para quebrar, por vezes, momentos de tensão. No primeiro ano de mandato os funcionários municipais deram-me um diploma onde diziam que canto pelos corredores da câmara. Há momentos para tudo. Por vezes temos que tomar medidas duras mas é importante termos a noção que a vida continua e que a seguir vem outro problema e enquanto ele não chegar temos de andar bem-dispostos. Já pensou no que vai fazer quando sair da câmara? A única coisa que tenho garantida é o meu lugar na escola como professor de educação musical. Quando tiver que regressar será com muito gosto. E se continuar com a disponibilidade mental e força que tenho actualmente estarei completamente disponível para continuar a ajudar politicamente o meu concelho e a região. Como gostaria de ficar lembrado pela população após deixar estas funções? Gostaria de ser reconhecido como alguém que passou por aqui e se preocupou com as pessoas e as ajudou, seja na acção social, na educação, na cultura. Sem fato nem gravata mas sempre com muita música A ligação de António Miguel Borges ao Sardoal começou há cerca de 26 anos quando começou a colaborar com o GETAS - Centro Cultural do Sardoal, no qual foi director do grupo coral. O presidente da Câmara do Sardoal, eleito pelo PSD em 29 de Setembro de 2013, nasceu a 24 de Agosto de 1965 em Abrantes, cidade onde residiu durante a sua infância e parte da juventude. Miguel Borges sucedeu a Fernando Moleirinho, do mesmo partido, de quem foi vice-presidente, e com o qual mantém contacto regular. Miguel Borges, que entrou na política em 2009, fixou-se na vila, no limite norte do Ribatejo, com a esposa e os quatro filhos (três raparigas e um rapaz) há 18 anos quando começou a leccionar Educação Musical no Agrupamento de Escolas do Sardoal. Tem um curso de composição e foi director musical da extinta Orquestra Ligeira de Abrantes e da Filarmónica União Sardoalense. Teve desde cedo uma participação cívica activa e não lhe custou entrar na política. O grande desafio de Miguel Borges, e aquele que assume como uma luta permanente, é contrariar a interioridade do concelho. E o autarca sente na pele os custos dessa interioridade a começar pelo facto de no seu gabinete a rede de telecomunicações ser fraca, apesar de estar a pouco mais de uma hora de Lisboa pela auto-estrada. Não gosta de touradas e nunca assistiu a uma corrida ao vivo. É uma pessoa informal e só usa fato e gravata quando tem mesmo de ser por razões protocolares. Tem um perfil na rede social Facebook onde publica essencialmente notícias sobre o Sardoal e a actividade da câmara, além de partilhar vídeos de músicas. Aos 13 anos trabalhou nas férias de Verão num armazém para conseguir comprar uma guitarra. É uma pessoa crítica em relação à política e aos investimentos que se fizeram em algumas zonas e que continuam a fazer-se. Considera que muitas obras nunca deviam ter existido por serem obras de fachada. Diz que respeita a experiência das pessoas e que não tem a pretensão de ser o dono da verdade absoluta. A sua ligação à música começou aos seis anos a tocar e cantar no coro da Igreja de São João, em Abrantes. É um católico crítico dos que pedem a Deus mas que não fazem nada para que as coisas aconteçam e considera que a sorte não cai do céu. Miguel Borges lida bem com o humor mesmo quando é visado. Confessa que achou piada quando alguns funcionários lhe chamaram a atenção para o facto de ser o único presidente de câmara que conduz um carro mais pequeno do que ele.
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