“Sem touradas mistas em Portugal vão perder-se muitos jovens talentos”
A escola de toureio José Falcão, de Vila Franca de Xira, tem dado a conhecer ao mundo os novos talentos da festa brava e quer continuar a melhorar o seu trabalho. António José Inácio, 66 anos, é o presidente da escola. José Manuel Rainho, 53, um dos seus directores mais dinâmicos. Juntamente com o maestro Victor Mendes, que ensina os mais pequenos, são a coluna vertebral da instituição. Os dirigentes dizem que a festa precisa de um abanão, lamentam que os cartéis sejam bastante repetitivos e que os empresários não apostem mais em corridas mistas, que são onde os jovens talentos podem brilhar.
São uma escola de Vila Franca de Xira. Como é a vossa relação com a cidade? António José Inácio (AJI) - Temos uma óptima relação com a cidade e sentimos que somos muito acarinhados, quer pela população quer pelas tertúlias e os aficionados. Sabemos que sentem por nós um grande orgulho e isso é bom mas também nos cria uma grande responsabilidade. Ao longo dos anos temos levado bem longe e elevado bem alto o nome da terra. A nossa escola tem estado em vários pontos do país e do estrangeiro, nomeadamente em Espanha e França, onde temos sido vencedores de alguns eventos. Isso quer dizer que a técnica que aplicamos e o esforço muito grande do Victor Mendes têm compensado. Todos os alunos saem daqui matadores ou é preciso um talento especial para vingar? José Manuel Rainho (JMR) - O nosso principal objectivo é fomentar a prática do toureio, especialmente o toureio a pé. Mesmo que não consigamos fazer de todos os nossos alunos matadores de toiros pelo menos tentamos. Acima de tudo queremos que cresçam como homens e se não saírem matadores de toiros queremos que saiam como grandes aficionados. Isso é o mais importante. Não é qualquer um que consegue atingir um nível elevado e chegar a matador de toiros. Nisto não há só a teoria e a prática, tem de haver também talento. E depois, claro, projectar um matador não depende só da escola. Podemos levar o miúdo até ao picadeiro mas a partir daí o trabalho tem que ser feito com um apoderado, um empresário. Quando se apresentam no estrangeiro que palavras ouvem? JMR – Somos sempre muito bem recebidos e eles sentem a nossa afición. Naturalmente estão muito mais avançados que nós, com melhores condições. Mas damos sempre o nosso melhor. Só com muito gosto e paixão se consegue fazer o melhor por estes alunos e por esta grande paixão. Às vezes damos por nós a assistir a uma prova dos rapazes, a olhar para o relógio porque ainda temos milhares de quilómetros para fazer de regresso a casa. É necessária muita dedicação. Os empresários e as praças reconhecem o mérito do vosso trabalho? JMR - As escolas têm muita força e responsabilidade na recuperação da tauromaquia. Infelizmente os jovens são os mais prejudicados pela redução de novilhadas e de corridas mistas em Portugal. No nosso país temos bastantes complicações ao nível do toureio a pé. Além das aulas, praticamente não há mais nada. Faz falta aparecer um talento, um novo matador, uma figura que atraia público. Se estes matadores tivessem mais oportunidades e toureassem mais vezes de certeza que teriam mais sucesso. Ninguém é um fenómeno se não tourear. É como o Ronaldo. Ele não seria o que é hoje se não jogasse. Sem praças em Portugal e na região que apostem no toureio a pé os talentos nunca chegam a vingar. A corrida mista deveria imperar em Portugal, como aconteceu nos anos 60 e 70, até morrer porque as empresas começaram a ser geridas por empresários mais ligados aos forcados. Há falta de vontade dos empresários em realizar corridas mistas? JMR – O que podemos dizer é que elas não são organizadas e assim não há oportunidades. Não é com um matador a tourear três corridas por ano que se faz uma figura. AJI – As autarquias têm também um peso importante nesta matéria, porque em muitas situações depende ou não delas próprias a iniciativa de realizar alguns eventos que permitam à juventude mostrar-se aos aficionados, como acontece com as novilhadas, por exemplo. Basta haver um pouco de afición da parte de quem gere as autarquias que apoiam a Festa. Como se explica as praças cada vez mais vazias? JMR – Como acontece em qualquer espectáculo são os artistas que atraem público. Mas, verdade se diga, que actualmente o poder de compra das pessoas também baixou bastante e isso tem muito peso. Neste problema quem tem de dar a cara têm de ser as pessoas que fazem parte da tauromaquia. É no Ribatejo e no Alentejo que está a força da tauromaquia. É preciso todos lutarmos e trabalharmos em prol dela. Como se vê pelas audiências das transmissões televisivas das corridas, ainda há quem goste de ver corridas. AJI – As coisas têm de se alterar, sobretudo ao nível dos empresários e dos ganadeiros. Tem de haver uma maior articulação entre todos. Muitas praças ainda estão na posse das Misericórdias e elas têm também um papel importante. Montar um espectáculo destes tem custos significativos. É importante haver também uma articulação entre os empresários e os proprietários das praças. Se houver vontade de ambas as partes as coisas podem melhorar. É preciso começar a incentivar mais a tauromaquia nos concelhos onde ainda se pratica pouco. As praças desmontáveis são uma boa solução. Têm opinião sobre os cartéis? JMR - Os cartéis são muito repetitivos. A festa tem de ter outra dinâmica, precisa de um abanão. Precisa que apareçam novas figuras do toureio, claro. Mas os empresários não estão isentos de culpas. Não podemos andar a montar sempre o mesmo cartel num raio de 50 quilómetros, apresentando sempre os mesmos nomes. Se num ano houver, por exemplo, 20 corridas mistas, porque não passar para 40? Já que se fazem 200 ou 300 corridas? É que são muito poucas as corridas mistas onde intervenham novilheiros e matadores. As escolas de toureio são suficientemente apoiadas? AJI – Infelizmente não tanto como desejaríamos. O orçamento da escola é de 66 mil euros. Para desenvolver as nossas actividades com melhores condições para os nossos alunos e técnicos, gostaríamos de ter pelo menos o dobro. Do dinheiro que recebemos 60 mil são da câmara, seis mil euros da junta de freguesia e depois conseguimos ao longo do ano angariar mais algumas verbas através de uma ou outra iniciativa que vamos fazendo aqui na escola. Em termos financeiros um dos objectivos da escola é continuar a crescer e reunir mais meios financeiros para melhorarmos as nossas instalações e fazermos melhor o nosso trabalho. O pavilhão onde os jovens treinam de Inverno não é o que gostaríamos que fosse. Também gostávamos de ter uma viatura própria porque fazemos milhares de quilómetros todos os anos. Tentámos o ano passado obter fundos para isso junto da câmara mas não conseguimos, por isso vamos tentar novamente este ano. A parte económica é sempre a mais difícil mas é extremamente aliciante o trabalho de voluntariado que se faz numa escola destas, para se chegar onde se chega e ter os êxitos que temos. Só nos falta aparecer a tal figura. Tenho um grande orgulho em ter a equipa e o professor que hoje temos connosco. Acredito que com a paixão de todos conseguiremos levar a escola a um bom porto. O maior capital da escola é o entusiasmo de alunos, mestres e dirigentes Fundada a 11 de Agosto de 1984, no décimo aniversário da morte do seu patrono no decurso de uma tourada em Espanha, a Escola de Toureio José Falcão de Vila Franca de Xira é uma das principais escolas do país no ensino da arte tauromáquica e a única em Portugal a pertencer à Associação Espanhola de Escolas de Tauromaquia. A abertura da escola deveu-se ao empenho de um grupo de bandarilheiros e gente da terra, que se juntava para praticar na antiga lota de venda de peixe da cidade. Assim que a escola abriu portas foram várias as dezenas de jovens que logo quiseram aprender a mexer com o capote e a muleta. Um dos momentos de crescimento deu-se quando os bandarilheiros Jorge Domingos e Jacinto Fernandes começaram a dar treinos aos mais jovens. Em Outubro de 1996 foi constituída uma sociedade entre a Câmara de Vila Franca de Xira, o Clube Taurino Vilafranquense e a junta de freguesia da cidade, permitindo à escola crescer e ter uma fonte mais regular de financiamento. Com um orçamento anual na casa dos 66 mil euros a Escola de Toureio José Falcão ensina a arte de tourear a mais de dezena e meia de jovens, de várias idades e oriundos de vários pontos da região. Desde 2004 que a escola ocupa umas instalações no Cabo de Vila Franca de Xira, propriedade da Companhia das Lezírias, através de um protocolo. O espaço tem sofrido obras de manutenção e melhoramento. O pequeno tentadero, com bancadas, tem permitido à escola realizar também algumas iniciativas onde os jovens aprendizes de toureiro podem mostrar aos aficionados os seus dotes e capacidades. A dedicação dos dirigentes e financiadores da escola ao longo dos anos já começa a dar frutos, com a escola vilafranquense a ser elogiada no mundo tauromáquico como uma das melhores do país naquele género. Alguns dos antigos alunos fazem carreira na tauromaquia. São exemplos disso António Jorge Ferreira, conhecido por TóJó, e Nuno Casquinha, matadores que já levam além-fronteiras o nome da escola José Falcão e de Vila Franca de Xira. Em breve, também Manuel Dias Gomes, outro aluno da escola, vai tirar a alternativa. A maioria dos bandarilheiros profissionais que impera na tauromaquia nacional são também oriundos da escola José Falcão. A escola participa também em cerca de três dezenas de eventos por ano e os treinos são dados pelo Maestro Victor Mendes, uma figura de topo do toureio a nível internacional.
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