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Declínio de Tomar vem de há duas décadas e está a acentuar-se

Declínio de Tomar vem de há duas décadas e está a acentuar-se

Ex-secretário de Estado e empresário de Tomar, António Lourenço dos Santos, é uma voz crítica sem amarras políticas

António Lourenço dos Santos foi secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação no governo de Durão Barroso mas não chegou a aguentar dois anos no cargo, tendo caído com a demissão do ministro dos Negócios Estrangeiros, António Martins da Cruz, na sequência do alegado favorecimento da sua filha no ingresso ao ensino superior. Entrou para o Governo, na condição de independente, como um perfeito desconhecido e saiu praticamente na mesma condição, porque, diz, para se fazer política não é preciso dar nas vistas. Filiou-se mais tarde no PSD pela mão do ex-ministro Miguel Relvas, com quem não tinha relacionamento antes de entrar para o cargo. António Lourenço dos Santos nasceu em Abrantes mas foi viver para Tomar com meses, cidade onde ficou até terminar o ensino secundário. Esteve para ser o candidato do PSD à Câmara de Tomar em 2013 mas o partido impôs outro candidato, Carlos Carrão. Sem papas na língua diz que foi uma escolha errada e que este não era melhor que a actual presidente socialista, Anabela Freitas, pessoa que, diz, tem decapitado o município e não tem ideias para o concelho.

Recentemente questionou o secretário de Estado da Cultura sobre a degradação do Aqueduto dos Pegões. Continua a ter uma intervenção política activa? Não busco protagonismo, prefiro estar nos bastidores. O Aqueduto dos Pegões é uma pérola em Tomar que estamos a deixar, literalmente, arruinar. Em alguns locais as pedras já estão a cair.O país não liga muito à preservação do património? Neste caso podemos dizer que é o país porque a preservação daquele local depende do IGPAA [Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico]. No entanto, se houvesse interesse genuíno por parte das autoridades locais e municipais provavelmente o aqueduto não estava como está, em que em alguns locais já ameaça ruir. E não falo apenas do actual executivo, não tem havido interesse ao longo dos anos.As câmaras têm sido passivas? Absolutamente. Em relação a isso e a muitas outras coisas relacionadas com o património e a cultura. Tomar é uma cidade que tem esses activos e que não são utilizados.É falta de incapacidade por parte dos executivos? É uma questão de capacidade que não existe. Há cerca de um ano escrevi uma carta aberta à presidente da Câmara de Tomar (Anabela Freitas) onde expliquei que vinha aí um conjunto de ferramentas no âmbito do novo quadro comunitário Portugal 2020 que o concelho podia aproveitar. Já passou o período de candidaturas e nada foi feito. Até hoje nunca tive qualquer resposta.Parece que não há massa crítica em Tomar. Pois parece mas continuo a não me calar. Tenho uma coluna num jornal da cidade onde falo das coisas que acho que não estão bem mas sinto-me um pouco como se estivesse a pregar aos peixes. No entanto, tenho a minha consciência tranquila e acredito que alguém me lê e percebe que estamos a ir por um caminho errado. A câmara municipal está parada e pertence-lhe uma palavra decisiva no ponto de vista de valorização dos activos que temos. Este quadro comunitário era mesmo feito à medida de Tomar e da região e não foi aproveitado.Quer dizer que quem vai para a política autárquica não tem visão da realidade. Limito-me a constatar a ausência de valores, de programas e de ideias. A partir daí, cada um tira as conclusões que quiser.Tomar é uma cidade insegura? Pelas notícias que têm surgido, a insegurança está a crescer há algum tempo e é preciso coragem política, que não tem existido, para por cobro a esta situação. No caso concreto, o foco de instabilidade, temos que assumir, é o Flecheiro.Como é que se pode resolver o problema do Flecheiro? Não cultivo a correcção política. O que eu entendo em relação ao Flecheiro é que a população que vive no Flecheiro tem tantos direito quanto a população do bairro Salazar, por exemplo. Também é uma população com grandes carências e não vejo porque não se dá a mesma atenção a este bairro como se dá ao Flecheiro. É preciso um exercício de autoridade efectiva. É preciso tomar decisões e fazê-las cumprir. Decisões que não foram cumpridas, apesar de terem sido prometidas, salvo erro que seriam tomadas a 120 dias. Até se diz que foi com as promessas para o Flecheiro que as eleições foram ganhas.Tem acompanhado os casos de poluição em Tomar? A câmara municipal deveria fazer mais do que tem feito? Preocupa-me a questão da poluição, principalmente com o rio e o Nabão é mais um activo que está a ser desperdiçado em Tomar. As questões de poluição têm que ser atacadas com seriedade e rigor. Mais uma proposta do PSD, da criação de uma Comissão Municipal do Ambiente, que não foi aproveitada pela maioria que gere a câmara. Este é mais um exemplo da esterilidade da câmara municipal.O político e empresário que também é actor no Fatias de CáAntónio Lourenço dos Santos nasceu a 27 de Abril de 1955 em Abrantes mas foi viver para Tomar com poucos meses, onde ficou até terminar o ensino secundário. Licenciou-se em Gestão de Empresas na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa. Posteriormente fez o mestrado em Economia Internacional em França. Trabalhou no Ministério da Agricultura vários anos. Fez parte da preparação da integração de Portugal à Comunidade Europeia (na altura CEE).Depois de quatro anos a trabalhar em Paris, na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), regressa a Portugal. Foi secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, no Governo de Durão Barroso, entrando para o cargo no início de 2002. Saiu no final de 2003, depois de uma polémica que envolveu o ministro da sua pasta que, alegadamente, teria favorecido a sua filha na entrada à universidade, no curso de Medicina. Lourenço dos Santos saiu com o ministro, de quem era o homem de confiança. Fez parte da administração da Águas de Portugal mas assim que José Sócrates venceu as eleições, em Março de 2005, houve alterações neste organismo.O ex-secretário de Estado regressou a Tomar zangado com a política. Devido a um problema de saúde da sua mãe constatou que no seu concelho e arredores existia uma “enorme” carência de equipamentos para cuidar de idosos. Em 2005 conseguiu financiamento para recuperar e remodelar a Pousada de São Pedro, em Castelo do Bode - que estava há vários anos encerrada. Desde Abril de 2008 que está a funcionar a Pousada para Seniores.É um dos fundadores da loja maçónica Mozart 49 mas diz que isso abre tantas portas como ser sócio do Benfica ou pertencer ao Fatias de Cá. “Apenas conheço mais gente e tenho mais amigos. Só em Portugal é que pertencer à maçonaria tem uma conotação negativa. Quem quer mover influências não precisa ser maçónico”, sublinha.Foi aluno fundador da secção do Liceu Nacional de Santarém em Tomar. Os seus pais possuíam a Padaria Combatente, no centro da cidade, que ainda existe, embora já não pertença à família. Confessa que nunca fez pão mas sabe como se faz. “Não sei fazer tão bem como o meu pai fazia”, afirma. Diz que andar a vender pão, sobretudo aos fins-de-semana, até ir para a faculdade foi uma experiência importante. “Dá-nos a medida exacta, a percepção da exigência do trabalho manual”, explica.Depois do regresso a Tomar estreou-se como actor no grupo de teatro da cidade Fatias de Cá, do seu amigo Carlos Carvalheiro, uma amizade que nasceu no jardim-de-infância. Integrou o elenco das peças “O Nome da Rosa”, “Utopia”, “Inês de Castro”, entre outras. Actualmente, integra o elenco de “Viriato”, peça que o Fatias de Cá está a apresentar todos os sábados, no Castelo de Almourol. “Ser actor é o desafio mais exigente que se pode ter. Decorar um papel, ir para cima de um palco não é nada fácil”, diz, acrescentando que em Outubro vão estrear a peça “Rei Lear” em Lisboa.Divorciado, tem duas filhas, ambas a viverem no estrangeiro, uma na Bélgica e outra na Arábia Saudita. Não tem netos. Foi presidente dos Bombeiros de Constância e faz parte da concelhia do PSD de Tomar. Desfilou na Festa dos Tabuleiros quando era secretário de Estado. O primeiro-ministro da altura, Durão Barroso, esteve em Tomar nesse dia e não escondeu o espanto por ver um membro do Governo vestido a preceito, pronto para desfilar. “O primeiro-ministro ficou muito espantado por me ver ali e exclamou ‘aquele é o meu secretário de Estado”, recorda com um sorriso.“Hoje em dia a política tem pouco de valorização de princípios”Foi secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação em 2003. Na altura era um quase desconhecido nestas lides. Como é que foi para este cargo? Fui para o cargo por razões de confiança pessoal do ministro da altura, António Martins da Cruz. Era seu amigo há vários anos, trabalhamos juntos durante a presidência portuguesa. Nessa altura, eu estava no Ministério da Agricultura e fizemos uma reforma importante para a Europa: a PAC [Política Agrícola Comum]. Foi um sucesso e o António Martins da Cruz trabalhou em sintonia connosco e construímos uma boa relação e, principalmente, uma relação de confiança.Curiosamente, havia nesse Governo três secretários de Estado de Tomar. Poderia pensar-se que teria sido pela mão de Miguel Relvas. Conhecia mal o Miguel Relvas. Entrei e saí do Governo como independente. Só mais tarde é que me filiei no PSD. Curiosamente, quem assinou a proposta de filiação no partido foi Miguel Relvas. Nunca tivemos relação íntima forte.Porque não levou o mandato até ao fim? Houve um incidente pessoal, que se transformou em político, com uma embrulhada em que acusaram o ministro de ter favorecido a filha na sua entrada na universidade de Medicina. Quando o ministro se demitiu eu também tive de sair porque quando cai um ministro caem os secretários de Estado. Saiu praticamente tão desconhecido do público como entrou. Não gosta de dar nas vistas? Não cultivo a imagem. Gosto de discrição, de andar por todo o lado calmamente.Isso é um bocado antagónico em relação ao que é a política. Sim, em relação ao que é a política hoje em dia. A política é um bocadinho diferente hoje em dia.Para ser político não é preciso dar nas vistas? Acho que não e esse é o meu perfil. Infelizmente nos tempos que correm é o inverso que é verdadeiro. Hoje em dia a política tem pouco de valorização de princípios.O que fez enquanto esteve no cargo de secretário de Estado? Reformei o sistema de cooperação, estreitei relações entre Portugal e os países lusófonos. Resolvi dois golpes de Estado, um na Guiné e outro em São Tomé e Príncipe. Foram dois anos muito intensos.Gostava de voltar a ter um cargo no Governo ou ficou farto? Não fiquei farto, principalmente porque não acabei aquilo a que me propus: reformar e modernizar a área da cooperação. Do ponto de vista formal e institucional preparei tudo e depois tive que sair. Ficou muito por fazer. Em relação a voltar a ter um cargo no Governo depende do cargo e depende das pessoas.Porque é que Portugal tem tanta dificuldade em fazer cooperação à séria com países africanos? Portugal tem muita facilidade em fazer cooperação. Quando se cruzam interesses que não são os da cooperação e do desenvolvimento é que as coisas se complicam. Temos conflitos muitas vezes artificiais com governos africanos mas isso não é cooperação, é política pura e dura.Qual foi a principal aprendizagem que tirou de quando esteve no Governo? Perceber quais são os mecanismos e engrenagens que levam à tomada de decisão política. Os ingredientes são de muitas e diferentes origens. É aí que muitas vezes os princípios da política são subvertidos, tal é o cruzamento de interesses de natureza diferentes e poderosos que encontramos em cima da secretária. Quem assume um cargo no Governo também assume na plenitude a expressão do que é serviço público, estar ao serviço da comunidade.Depois de sair do Governo o que é que fez? Tive um acidente de percurso que foi aceitar um cargo na administração da Águas de Portugal. Entrei durante o Governo de Durão Barroso. Entretanto, houve eleições legislativas e quando entrou José Sócrates o primeiro alvo foi a administração da Águas de Portugal, que foi mudada. Depois disso regressei a Tomar. Fiquei literalmente zangado com o universo da política. A saída do Governo já tinha sido muito forçada. A saída da Águas de Portugal também foi forçada e fiquei zangado.“Carlos Carrão foi uma escolha errada do PSD para a Câmara de Tomar”Chegou a ser apontado como candidato à presidência da Câmara de Tomar em 2013. Porque não avançou? Porque a disciplina partidária impôs um outro candidato que veio a revelar-se ser um mau candidato.Carlos Carrão foi uma escolha errada do PSD? Foi e disse-o na altura a ele. Era um candidato de quem não conhecia programas, valores nem ideias. A abstenção foi elevadíssima, bateu recordes em autárquicas. Acho que houve rejeição do perfil do candidato do PSD. Estava plasmado numa sondagem, encomendada pelo PSD, mas não a quiseram ler.Foi o PS que ganhou as eleições em Tomar ou o PSD que as perdeu? Disse na noite das eleições que foi o PSD que perdeu, não foi o PS que ganhou. Se tivéssemos tido um candidato com substância, com programa e valores para apresentar à população tenho poucas dúvidas que não tivéssemos ganho.Se o PSD tivesse ganho não estaria a fazer um trabalho tão mau como está a fazer a actual presidente? Sim, provavelmente. É mau demais. Estamos confrontados com inércia, com o não fazer. Houve uma decapitação da câmara e não há resultados. Foram critérios que não os de interesse público que comandaram a substituição de algumas pessoas na autarquia. Digo-o sem pejo.Pondera candidatar-se à presidência da Câmara de Tomar? Estamos numa altura em que é necessário começar a pensar nisso e com alguma rapidez. Eu ainda não pensei.O PSD tem feito uma boa oposição em Tomar? O PSD tem feito a oposição possível. Se quem manda na câmara tivesse capacidade para ouvir a oposição, para respeitar a oposição e para aproveitar o que de positivo a oposição tem feito - em particular o PSD que tem feito algumas propostas muito válidas e interessantes - as coisas seriam diferentes. O que se nota é um autismo atroz por parte da maioria que gere a câmara e isso tem impedido que a oposição contribua com alguma coisa para o desempenho do município. Não aceito que uma presidente de câmara possa ter uma atitude tão negativa em relação a propostas que lhe têm sido feitas. Nem responde sequer às propostas.O chefe de gabinete da presidente, Luís Ferreira, tem protagonismo a mais? Há alguns indícios de que todas as tomadas de decisões terminam no gabinete do chefe de gabinete da presidente.Em que é que isso pode prejudicar o município? Em primeiro lugar afunila o processo de tomada de decisão e retira-lhe democraticidade e expressão. Aparentemente, torna dependente do pensamento de uma pessoa o processo de decisão de uma câmara que é um organismo colectivo. É uma situação constrangedora.Reconhece mais capacidade ao chefe de gabinete do que à presidente? À senhora presidente reconheço-lhe algumas limitações no exercício do seu cargo. Basta chamar à liça as promessas que foram feitas na campanha eleitoral e a incapacidade atroz de as assumir e de resolver.Tomar sempre teve alguma importância no distrito, a par de Santarém. A situação em que o município se encontra actualmente está a relegar Tomar para uma cidade de menor importância? Infelizmente, é um percurso que não começou há dois anos. O declínio de Tomar, no ponto de vista de desaproveitamento de oportunidades, começou há cerca de duas décadas e ninguém se deve imiscuir de responsabilidades, incluindo o PSD. Neste caso concreto é aflitivo a incapacidade da câmara de atacar as oportunidades concretas, identificadas, que existem neste momento. Agora é o abandono, é a demissão total.
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