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Democrático Serafim das Neves

No Domingo, após o fecho das urnas, todos os chefes dos partidos desataram a elogiar a enorme percentagem de votantes. A alegria durou pouco. Passadas umas horas ficou a saber-se que abstenção voltou a ganhar as legislativas e a subir em termos percentuais. Já ultrapassou os 43 por cento e tudo indica que o crescimento é imparável. Depois de tantos apelos dramáticos à participação nas eleições, os eleitores fizeram aquilo que fazem as pessoas com personalidade vincada e valores sólidos quando ouvem tais coisas. Borrifam-se completa e olimpicamente, o que é sinal de maturidade. Em quarenta anos de democracia conseguimos o que outros países demoraram mais de um século a atingir. Ultrapassar e manter uma taxa de abstenção acima de quarenta por cento. Quem diz que os portugueses não são evoluídos em termos políticos está redondamente enganado. Há cabeças pensantes que se agitam e que surgem a defender um sistema de votação online para travar a subida do partido da abstenção. Eu abespinho-me com ideias dessas. Sou contra o voto de sofá. Esse tipo de voto pouco vivido e pouco sofrido é um voto anémico, para não dizer outra coisa. Essa tendência para facilitar a vida às pessoas à mínima dificuldade está a arrasar a humanidade. Então faz algum sentido um eleitor votar de chinelos e roupão, ou mesmo em cuecas, clicando com o rato num quadradinho que aparece num ecrã de um computador, tablet ou smartphone? Mas que raio de democracia seria essa? A democracia do pijama às riscas? Da cueca tipo tanga? Antigamente um homem para ser homem tinha que ir à tropa e a tropa era obrigatória porque o país precisava de homens. Agora não há serviço militar obrigatório e é o que se vê. O facilitismo está a dar cabo disto tudo. O facilitismo, os papás moles e os psiquiatras convencidos. Nos dias de hoje, se um puto é rebelde e um bocado passado do carolo, dão-lhe comprimidos e consultas até fazerem dele um nhónhinhas que não se distingue de outros tantos nhónhinhas que atascam o mundo. Sorte teve o Mozart, por exemplo. Se tivesse vivido nestes tempos tinha ido directamente do infantário para as sessões do Dr. Daniel Sampaio ou de outro do género. À custa de muita terapia e comprimidinhos tinham-lhe eliminado por completo as colcheias, fusas e semi-fusas até o transformarem num diligente funcionário do FMI ou do Banco Central Europeu, que em vez de tocar piano tocaria folhas de cálculo.As eleições são dos poucos momentos em que um cidadão pode mostrar de que cepa é feito. Alguém que sai de casa numa manhã de chuva, como eu saí no domingo, com a coluna a ressentir-se da humidade e os joelhos a estalar, só para pegar naquele bocado de papel, fazer uma cruz ou uns rabiscos e meter aquilo numa caixa de cartão, é porque quer mesmo participar. Aquilo sim, é um voto a sério mesmo quando é nulo ou fica em branco. Admito o voto pela internet mas só para pessoas acamadas ou para funcionários do supermercado Pingo Doce em serviço nas campanhas de promoção dos dias festivos e só para esses. Quem foi passar o fim de semana à terra foi porque quis. Quem não quis apanhar uma molha fez a sua escolha livremente e cá para mim a liberdade está primeiro. Não posso terminar sem uma referência à morte do grande humorista português José Vilhena. Não era do Ribatejo mas deve ter sido dos que mais escreveu sobre vacas, bois, cornos, pampilhos e outros varapaus. Para os mais jovens direi que era melhor que o Herman, os gatos fedorentos, os Rochas e os Zecas Estacionâncios todos juntos, sem desprimor para nenhum deles. Morreu no Sábado, no dia da reflexão. Deve ter concluído que após tanta palhaçada na campanha eleitoral não aguentaria, sem rebentar a rir, as parvoíces pós-eleitorais de políticos e comentadores na noite das eleições. Já comecei a ler a minha velhinha colecção da Gaiola Aberta.Saudações brejeiras Manuel Serra d’Aire

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