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Um missionário que se devotou ao teatro

Um missionário que se devotou ao teatro

Luís Miguel Dantas é o encenador dos Artifontinhas, em Alverca

Há cinco anos que um grupo faz teatro em Alverca pelo simples amor à arte e ao convívio. Não têm luz, nem som, nem adereços próprios e actuam só com material emprestado. Mas este ano já fizeram mais de 40 espectáculos, um valor em alguns casos superior a outros grupos do concelho que são financiados. À frente do grupo está Luís Dantas, professor de Religião e Moral que estudou para padre mas acabou rendido às artes do palco. É um homem sem medo de dizer o que pensa.

O grupo de teatro mais jovem do concelho de Vila Franca de Xira está situado em Alverca, reúne uma dezena e meia de jovens e chama-se Artifontinhas. A maioria dos actores e técnicos ainda não chegaram à idade adulta. A comandar as hostes desde a fundação da associação, há cinco anos, está Miguel Dantas, 44 anos, o encenador do grupo.Os Artifontinhas têm mostrado trabalho, apesar de não terem quaisquer apoios financeiros. As suas peças têm entrada livre e só este ano já fizeram mais de 40 espectáculos, não só no concelho como também na região e na zona de Lisboa. Bateram os recordes do grupo, que até então andavam numa média anual de 30 espectáculos por ano. Um número superior a alguns grupos financiados no concelho.“Fui colocado como professor de Religião e Moral na escola do Bom Sucesso e lá a direcção lançou-me o desafio de juntar uns jovens para fazer teatro e participar nos Aprendizes do Fingir, um programa promovido pela câmara. Aceitei e com os anos fomos cimentando uma grande relação. Hoje somos todos doentes por teatro”, conta Luís Dantas a O MIRANTE. O nome Fontinhas deriva da fonte de São Romão, no Bom Sucesso, onde utilizavam o centro cultural para ensaiar e apresentar as suas peças. Recentemente conseguiram que a junta de freguesia lhes cedesse o auditório da Chasa para ensaiarem e actuarem. “A nossa primeira peça chamou-se ‘Notícias populares’, foi uma comédia. Não nos preocupamos com a parte financeira porque actuamos gratuitamente e fazemos teatro por carolice e amor à camisola. O dinheiro não é tudo mas faz-nos sonhar, por isso ambicionamos candidatar-nos para podermos ter alguma autonomia financeira”, explica.Na memória do encenador está ainda a primeira vez em que o grupo recebeu um apoio municipal. “Quando vou a uma reunião dos grupos de teatro vejo toda a gente a chorar que não têm apoios. O primeiro apoio que recebemos foi de 600 euros. Todos os grupos gozaram connosco, porque recebiam 2 ou 3 mil euros e achavam que ao aceitarmos um protocolo de 600 euros era mau para eles e mais tarde ou mais cedo podiam também chegar a esse valor. Disse-lhes para se meterem no meu papel, que não tinha nada”, recorda.Em cena o grupo tem a peça “Confissões de adolescentes” e “Entre gregos e troikanos”, uma comédia em jeito de revista à portuguesa. “Não temos literalmente nada. Nem luz, nem som, nem adereços. Tudo o que fazemos pedimos sempre aos outros grupos e à câmara os materiais necessários. A câmara tem sido cinco estrelas nesse aspecto, tem-nos apoiado sempre “, garante. Luís Dantas admite que o grupo tem “características únicas” e confessa que gostava de ver os outros grupos do concelho mais presentes a ver os seus espectáculos na Chasa. “Precisamos de mostrar que este espaço está aberto. Não somos ainda muito conhecidos no concelho. A maioria das pessoas não sabe quem somos. Mas já temos algum público fiel. Sempre que marcamos um espectáculo temos 60 e 70 pessoas na plateia. Isso é muito bom”, confessa.O grupo é composto por jovens da cidade e estreia em Novembro um musical, chamado “A história mais antiga da liberdade”, inspirada num texto bíblico do príncipe do Egipto. Sobe ao palco a 21 e 22 de Novembro às 21h30.Sim ao casamento dos padresLuís Miguel Dantas, 44 anos, é de Cascais mas vive no Bom Sucesso há quase duas décadas. Veio leccionar Religião e Moral para a Escola do Bom Sucesso e depois acabou por casar e comprar casa no bairro, onde ainda hoje vive. Estudou para padre na Ordem dos Espiritanos mas desistiu depois de já ter os votos feitos e estar comprometido com a ordem por entrar em choque com os responsáveis da altura. Esteve a fazer experiência de missionário no Brasil e em África, terra onde ainda gostava de voltar. Sobre a liberdade dos padres casarem, Luís Dantas é claro: “Se o padre estiver comprometido com a diocese nunca sairá da zona de Lisboa por isso nada o impede de casar e ter uma vida familiar. Essa é uma decisão que mais tarde ou mais cedo a Igreja vai tomar, só não a toma ainda por uma questão cultural”, defende. Entende que a disciplina de Religião e Moral é muito importante nas escolas e na formação dos jovens e vai sempre de mota para a escola. Adora música e sabe tocar vários instrumentos, desde bateria a viola, piano e violino. Os seus álbuns favoritos são dos Queen. É escuteiro e gosta de viver em Alverca, terra que no seu entender tem ainda um forte desequilíbrio a resolver, que é a falta de um hotel ou local onde os visitantes possam ficar. “A minha vida está sempre preenchida, raramente tenho tempos livres, a minha mulher mata-me”, diz com um sorriso. Não tem nenhum livro à mesa de cabeceira e gosta de fazer as compras no centro da cidade.Falta mais comunicação entre os grupos de teatro do concelho Mais importante que discutir os apoios que a câmara atribui é conseguir meter os grupos a falar e a partilhar recursos, entende Luís DantasOs grupos de teatro do concelho de Vila Franca de Xira têm um problema de comunicação e não falam o suficiente entre si. A opinião é de Luís Dantas. Para o responsável, mais importante do que discutir quem fica com os dinheiros da câmara é conseguir que os grupos comecem a dialogar entre si e a criar laços de união. Isto a propósito das recentes polémicas envolvendo os financiamentos municipais aos grupos de teatro amadores e profissionais do concelho, tendo por base os dois principais protagonistas, Cegada e Inestética.“Hoje em dia não se fala mal uns dos outros mas não há união entre os grupos. Também não há competição, que podia ser saudável. Mais do que a questão dos dinheiros, devia-se procurar melhorar a comunicação entre todos, criar laços ou encontros. Somos um concelho com oito grupos de teatro e não vamos ver as peças uns dos outros”, lamenta.Luís Dantas reforça que as pequenas actividades que a câmara vai desenvolvendo, como o prémio de teatro Mário Rui Gonçalves, são bastante importantes para aproximar os grupos e fazê-los conviver. “Por acaso este ano as coisas nem correram bem nesse prémio, foi de mau gosto o júri ter dito o que disse sobre os grupos que concorreram [que não venceram por falta de qualidade]. Há muitas maneiras de se fazer as coisas e aquela não foi uma delas. O nosso grupo nem sequer soube que estava a decorrer esse prémio”, confessa.O encenador afiança que “os grupos nunca são demais” e que quantos mais existirem no concelho melhor. Há público fiel para o teatro amador que se faz no concelho mas precisa que haja regularidade e planeamento. “É preciso conquistar a fidelidade dos públicos”, nota. Auto-estrada é uma fronteira económicaLuís Miguel Dantas vive no Bom Sucesso, Alverca, e confessa que a auto-estrada é hoje a fronteira que divide os ricos dos mais pobres da cidade. “Da auto-estrada para cima há uma diferença económica abismal. Quem mora na parte de baixo tem melhores condições económicas. O Bom Sucesso e até Arcena, tem muitos prédios novos, mas aquelas paredes escondem muita miséria e dificuldades. Isso passa-se até mesmo no Forte da Casa, onde a auto-estrada é a linha de divisão”, lamenta.
Um missionário que se devotou ao teatro

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